Direto do Carf

Carf analisa os efeitos tributários da absorção de prejuízos à conta de sócios

Autor

  • é conselheiro do Carf doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo doutor em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela USP mestre em Direito Comercial pela USP professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis Financeiras e Atuariais (Fipecafi).

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2 de fevereiro de 2022, 9h23

Nesta semana, abordaremos os precedentes do Carf acerca do tema da absorção ou incorporação de prejuízos à conta de sócios.

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A possibilidade da absorção de prejuízos à conta de sócios tem previsão expressa no artigo 64, §3º do Decreto-lei n. 1.598/77, que estabelece que "a absorção, mediante débito à conta de lucros acumulados, de reservas de lucros ou capital, ao capital social, ou à conta de sócios, matriz ou titular de empresa individual, de prejuízos apurados na escrituração comercial do contribuinte não prejudica seu direito à compensação nos termos deste artigo".

Embora tal dispositivo normativo descreva contabilmente o procedimento da absorção de prejuízo à conta de sócio, é importante notar que o artigo apenas reafirma que o direito à compensação de prejuízos fiscais do contribuinte.

Assim, o referido artigo não teve por objetivo regulamentar a absorção de prejuízo à conta de sócio, mas tão somente reconhecer que essa prática que vinha sendo adotada pela empresas não teria nenhuma implicação à compensação de prejuízos fiscais.

Um detalhamento maior da absorção de prejuízo à conta de sócio pode ser encontrado no Parecer Normativo CST n. 4/81, que dispõe que o débito à conta dos sócios teria por função primordial a manutenção da integridade do capital social, que se encontra desfalcado pela ocorrência do prejuízo.

Dessa forma, a absorção do prejuízo, em valor igual ao crédito de que o sócio da conta debitada seja titular, equivaleria a um aporte de capital. Todavia, nos termos do referido parecer normativo, não será regular a absorção do prejuízo se não houver a referida equivalência, assim como no caso em que inexista crédito do sócio.

Conclui o parecer que o débito contábil do passivo da dívida terá como contrapartida um lançamento a crédito da conta de prejuízos acumulados, ou seja, não haverá trânsito por conta de resultado e nesse caso inexiste um ingresso efetivo.

No âmbito doutrinário, há poucos estudos sobre o tema. Merece destaque o artigo de Alberto Xavier e Roberto Duque Estrada, que ressaltam que o valor do prejuízo absorvido à conta de sócio não configura um ingresso efetivo, sendo equivalente a um aporte de capital1.

Ao fazerem uma análise da absorção do prejuízo à conta de sócio à luz do Direito Tributário e da Contabilidade, Rogério Ramires, Fernando Murcia e Bruno Salotti entendem a operação como uma genuína partilha de resultados negativos por parte de um ou mais sócios, que seria análoga a um aporte, instrumentalizado por meio de contrato atípico ou inominado, desde que haja a equivalência de valores entre o passivo baixado e o saldo do prejuízo acumulado absorvido2.

O tema ganha relevância no contexto em que há uma potencial confusão da absorção de prejuízos à conta de sócio com o perdão de dívida, no qual há o registro a crédito no resultado do exercício.

Na Solução Consulta n. 31/12, as autoridades tributárias manifestaram o entendimento de que não se confunde o perdão de dívida com a absorção de prejuízos apurados na escrituração comercial, mediante débito à conta de sócios e crédito diretamente na conta de prejuízos acumulados.

Nesse sentido, o perdão de dívida é uma receita tributável da pessoa jurídica devedora, ao passo que na absorção de prejuízos à conta de sócio sequer haveria trânsito no resultado do exercício.

Feitas as primeiras observações sobre o tema, verificaremos os precedentes do Carf que tratam do assunto.

Nos Acórdãos 107-09.122 (de 12/09/07) e 101-96.661 (de 16/04/08), foi negado provimento de forma unânime aos recursos de ofício da Fazenda Nacional, de modo que foram validadas as operações de absorção de prejuízos à conta de sócio, uma vez que ficaram comprovadas na visão dos julgadores que as dívidas dos contribuintes eram com seus sócios e a contabilização das operações foi devidamente feita.

No Acórdão 107-09.575 (de 16/12/08), entendeu-se de forma unânime pela validade da absorção de prejuízo à conta de sócio, o que já havia ocorrido na decisão da DRJ.

No caso concreto, havia uma série de empréstimos de uma siderúrgica com a sua arrendatária, sendo que tais dívidas foram absorvidas à conta de sócio quando a arrendatária se tornou sua controladora. Algumas das referidas dívidas já estavam sendo cobradas judicialmente pela então credora, no entanto, a absorção de prejuízo incluiu as referidas dívidas e somente aconteceu após a aquisição do controle da siderúrgica pela antiga arrendatária.

No Acórdão 1402-001.210 (de 03/10/12), foi dado provimento por maioria de votos ao recurso do contribuinte.

No referido caso, ainda que erroneamente a baixa relativa aos juros da dívida com o sócio tenha sido levada ao resultado do exercício, assim como a respectiva variação cambial da mesma dívida, entendeu-se que se tratava de situação de absorção de prejuízos à conta de sócio, que se enquadraria perfeitamente no disposto no Parecer Normativo CST n. 1/84.

No Acórdão 1401-000.849 (de 11/09/12), foi negado provimento de forma unânime ao recurso de ofício da Fazenda Nacional ao mesmo tempo em que foi dado provimento de forma unânime ao recurso do contribuinte, de forma que se entendeu que se trata de adequada absorção de prejuízo à conta de sócio, visto que seria inconteste que a dívida havia sido contraída com seus sócios sediados no exterior, bem como o lançamento contábil foi devidamente efetuado.

No Acórdão 1301-001.551 (de 03/06/14), foi dado provimento de forma unânime ao recurso do contribuinte.

Ainda que as autoridades tributárias argumentassem que houve perdão de dívida com os sócios, o contribuinte alegou e comprovou que se tratou de operação de absorção de prejuízo à conta de sócio, o que estaria de acordo com o artigo 64, §3º, do Decreto-lei n. 1.598/77 e com o Parecer Normativo CST n. 4/81.

No Acórdão 1101-001.115 (de 03/06/14), foi dado provimento por voto de qualidade ao recurso da Fazenda Nacional.

Neste caso, a conselheira relatora entendeu que não se tratava de situação que seria passível de enquadramento como absorção à conta de sócio, uma vez que o contribuinte realizou a baixa de uma obrigação em contrapartida à baixa de despesas pré-operacionais, cuja amortização seria impossível.

Nessa linha, a relatora ressalta que o resultado decorrente do perdão de dívida é anulado na parte correspondente a perdas decorrentes da baixa de despesas pré-operacionais por ocasião do encerramento das atividades da pessoa jurídica e da cessão dos contratos de exploração dos ensejaram aqueles gastos.

No Acórdão 1301-002.129 (de 13/09/16), foi negado provimento de forma unânime ao recurso de ofício da Fazenda Nacional, de modo que foi entendido como correto o acórdão da DRJ que exonerou crédito tributário apurado com base na omissão de receitas decorrente do perdão de dívidas com acionistas, nos casos em que a contrapartida a débito do passivo é feita diretamente a crédito de conta do patrimônio líquido.

No caso em tela, as dívidas de uma pessoa jurídica que administrava um parque de diversões foram objeto de uma reestruturação financeira, de forma que dívidas decorrentes de debêntures com os sócios foram absorvidas à conta de prejuízos acumulados.

Ainda que as autoridades tributárias tenham entendido que se tratava de um perdão de dívida, o contribuinte comprovou documentalmente que foi uma operação de absorção de prejuízos por meio de débito em conta de passivo com os sócios e isso equivaleria a uma injeção de capital.

Diante do exposto, nota-se que a maior parte dos precedentes analisados pelo Carf foi favorável ao contribuinte, no sentido de que não foram requalificadas como receitas tributáveis decorrentes de perdão de dívida os montantes dos passivos com sócios que foram absorvidos diretamente à conta de prejuízos acumulados.

Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


1 XAVIER, Alberto; ESTRADA, Roberto Duque. Incorporação de prejuízos à conta de sócio: natureza jurídica e aspectos fiscais. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo: Dialética, n.148, p. 7-16, 2008.

3 RAMIRES, Rogerio; MURCIA, Fernando; SALOTTI, Bruno. Assunção de Prejuízo à Conta de Sócio – Natureza Jurídica e Tratamento Contábil. In: MURCIA, Fernando; VETTORI, Gustavo; PINTO, Alexandre; SILVA, Fabio. Controvérsias Jurídico-Contábeis. Vol. 3. São Paulo: Atlas, 2022.

Autores

  • é conselheiro titular da Câmara Superior de Recursos Fiscais da 1ª Seção do Carf, ex-conselheiro titular da 2ª Seção do Carf, doutorando em Controladoria e Contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP, mestre em Direito Comercial pela USP e professor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e do mestrado profissional em Controladoria e Finanças da Fipecafi.

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