Opinião

A abertura dos portos e da nação

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1 de fevereiro de 2022, 11h59

No último 28 de janeiro, há 214 anos, o Brasil abria seus portos às nações amigas. Um ato marcante no processo que, em 1822, culminaria com a independência do Brasil. Mais do que apenas relembrar a história, essas datas abrem uma oportunidade ímpar para nos repensarmos como nação e debater como conciliar independência com integração, em um mundo que atravessa transformações estruturais, aceleradas e consolidadas pela pandemia internacional da saúde. Abrir e preparar ao Brasil para o "novo normal" é uma lição que se pode tirar da abertura dos portos e do processo de independência do Brasil há 200 anos. Essa é a proposta de trabalho da nova associação, Forum de Integração Brasil-Europa, que promove webinar inicial, com apoio da ConJur, neste 1º de fevereiro.

A abertura dos portos estava no contexto da chegada da família ao Brasil. A chamada fuga da corte, ensinada nos nossos livros escolares, como algo desordenado. Mas que fuga desordenada foi essa, da forma que aprendi na escola há mais de 60 anos? Fuga seria se fossem um ou dois navios a transportar a família real, mas foram mais de 20 navios. Fuga seria se os principais documentos da administração tivessem sido abandonados, mas vieram os principais e todos os restantes chegaram ao Brasil até 1811, inclusive a Biblioteca Real.

A propalada fuga, na verdade, foi a execução de um plano que existia e era discutido desde a época em que o Marquês de Pombal era o primeiro-ministro português. Pombal foi o típico déspota esclarecido e as reformas que introduziu na administração portuguesa foram preponderantes na existência do Brasil como o conhecemos.

Coisas que são comuns hoje, em Administração e Economia, tais como meritocracia, estudo analítico dos problemas, entre outros, foram estimuladas e um grupo de acadêmicos oriundos da Universidade de Coimbra foram os contribuintes, conscientes ou não, da vinda da corte portuguesa para o Brasil, e posterior independência do Brasil.

Essas pessoas eram possuidoras de um conhecimento quase enciclopédico e os historiadores referem-se a esse tipo de corrente como "os iluministas". Para a história brasileira, três deles se destacaram: os brasileiros José Bonifácio de Andrada e Silva e José da Silva Lisboa (o futuro Visconde de Cairu) e o português Rodrigo de Sousa Coutinho (também conhecido como Conde de Linhares).

Desde Pombal, e com a expansão das ideias da Revolução Francesa pela Europa, dentro da administração portuguesa crescia a ideia da transferência do centro administrativo do império português para o Brasil. As razões para isso eram óbvias para esses administradores iluministas: maior proximidade do centro produtor de matérias-primas, maior facilidade na arrecadação dos impostos, maior controle sobre o contrabando via comércio direto com outras nações.

Não pensemos que antes da abertura navios de outras nações não aportavam no Brasil para fazer comércio. Portos clandestinos eram muito comuns nessa época, como o são hoje, para determinados "comércios". Dessa forma, pensavam esses administradores, o controle da colônia seria facilitado e a manutenção do império português ficaria perene.

Com a expansão do ideário da Revolução Francesa através da expansão napoleônica, a partir de 1800, começa-se a pensar com mais seriedade na transferência da administração para o Brasil. Nessa época. D. Rodrigo Coutinho é conselheiro do príncipe regente D. João e, em fins de 1807, com o avanço das tropas de Napoleão, a família real portuguesa e administradores do reino transferem-se para o Brasil.

Metade da frota aporta em Salvador, a outra metade vai direto ao Rio de Janeiro, já capital da colônia. E em Salvador, o que o príncipe regente encontra? Um clamor generalizado da elite local em função do acúmulo de mercadorias no porto da sociedade pela falta de navios para transportar as mercadorias para Lisboa. Ou seja, o famoso desarranjo logístico que ocorre em guerras e em calamidades algo semelhante ao que a Covid-19 tem feito nos dias de hoje, pela falta de insumos nos mercados consumidores. Abrir os portos às nações amigas leia-se principalmente Inglaterra permitiu à coroa portuguesa administrar diretamente do Brasil a arrecadação efetiva dos impostos, impostos esses que eram 24% ad valorem para todos os produtos, exceto vinhos, aguardentes e azeites, que eram taxados a 48%. Como exemplo da exposição do Brasil ao comércio mundial e pela exposição dos consumidores aos produtos da época, os historiadores comentam que até patins de esquiar no gelo foram importados para o Brasil. Para quem viveu uma exposição ao comércio mundial na época do Plano Collor, deve lembrar de fatos muito semelhantes ocorridos no início dos anos 90 do século passado.

Foi óbvio que, com a transferência da matriz do reino para o Brasil, Portugal deixava de ser o entreposto e intermediador dos produtos do Brasil para o mundo. A abertura dos portos contribuiu decisivamente para a formação de uma burguesia comercial brasileira, composta por brasileiros natos e portugueses que aqui se encontravam. A estes juntaram-se comerciantes de todo o mundo, principalmente ingleses, que teriam importância ao longo do século 19 e na primeira metade do século 20.

Essa abertura dos portos e formação da elite do comércio brasileiro foi fator preponderante na formação do Brasil, na sua independência, e em eventos posteriores.

Passados 200 anos, quando nos preparamos para celebrar o bicentenário da nossa independência, faz-se oportuno revisitar a história e entender quais lições podemos retirar do que vivemos e, com base nelas, que propostas podemos construir para o enfrentamento dos desafios que se impõem no mundo atual, pós-pandemia e revolução digital, que mudaram os paradigmas do que seja uma nação independente e integrada, interna e mundialmente.

Esse é o objetivo do ciclo de debates "Independência com Integração", que o Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe), associação da qual sou associado-fundador, realiza nos próximos meses. Dialogar com Portugal, sob a perspectiva de especialistas dos dois lados do Atlântico, permitirá unir forças na compreensão do mundo atual e encontrar caminhos comuns às duas nações.

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