Cabe tráfico privilegiado a réu reincidente condenado à pena de detenção
26 de dezembro de 2022, 12h50
É possível aplicar o redutor do tráfico privilegiado para réu reincidente condenado à pena de detenção. Com base nesse entendimento, a 13ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo aplicou a causa de diminuição da pena do tráfico privilegiado a um reincidente, uma vez que o crime anterior foi punido apenas com detenção.
O réu foi condenado em primeiro grau a cinco anos e dez meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, pelo crime de tráfico de drogas. Ele foi abordado por policiais militares após se desfazer de uma sacola com porções de maconha.
Ao confirmar a condenação, o relator, desembargador Marcelo Semer considerou que a autoria e a materialidade ficaram demonstradas, apesar de o acusado ter negado os fatos, "restando induvidosa a participação no tráfico ilícito de entorpecentes".
Já na dosimetria, na terceira fase, o desembargador entendeu que foram preenchidos os requisitos legais a justificar a incidência da causa especial de diminuição prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/06, conhecida como "tráfico privilegiado".
"Isso porque, a quantidade apreendida não é vultosa (especialmente se considerando o concurso de agentes) e o réu não ostenta maus antecedentes (para além da reincidência), inexistindo prova segura de que se dedica à atividade criminosa ou integra qualquer organização ou associação para o tráfico", afirmou.
Conforme o relator, o réu possui condenação anterior transitada em julgado, o que poderia impedir a aplicação do redutor. No entanto, disse Semer, o acusado foi condenado pelo delito de ameaça em contexto de violência doméstica, punível com pena de detenção, não relacionado ao tráfico de drogas, o que aponta para menor gravidade da conduta.
"Assim, se a conduta anterior do réu justificou a aplicação de pena de detenção por parte do Estado, mostra-se razoável excluir, excepcionalmente, os efeitos da reincidência para fins de aplicação do redutor do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei de Drogas, pela infringência, no caso concreto, do princípio da proporcionalidade", explicou Semer.
Ainda segundo o magistrado, embora não esteja expressamente previsto na Constituição de 1988, o princípio da proporcionalidade deriva das regras básicas do Estado Democrático de Direito e da dimensão da dignidade humana, bem como do próprio conceito de legalidade como anteposição ao arbítrio.
"O princípio da proporcionalidade guarda relação, também, com o princípio da individualização da pena, que impede uma padronização da sanção penal, sem levar em consideração elementos do caso concreto e as condições pessoais do agente que cometeu o delito."
No caso, prosseguiu o relator, a desconsideração dos efeitos da reincidência, para fins de aplicação do redutor do tráfico privilegiado, se justifica tanto pelo baixo potencial lesivo do delito anterior, punido com pena de detenção, como pelas circunstâncias do delito apurado nos autos, que não apontam para o envolvimento habitual do réu com o tráfico.
"Ainda que o réu fosse conhecido nos meios policiais por conta de supostas denúncias, ele já havia sido abordado outras vezes, mas nada de ilícito fora encontrado, a reforçar seu envolvimento isolado na traficância, o que veio a ser corroborado pelas testemunhas de defesa, que, embora sabiam que o réu era usuário, desconheciam sua participação no tráfico", acrescentou.
Semer também destacou que a Lei 11.343/2006 optou por distinguir as figuras do traficante ocasional e do traficante “profissional”, dando a cada um deles tratamento legal diferenciado. Ou seja: o tráfico privilegiado beneficia, com redução da pena, aquele que se envolve circunstancialmente com o tráfico e não integra organização criminosa, de modo que a pena seja suficiente e proporcional.
"Condenações anteriores relacionadas a crimes de menor potencial lesivo (como aqueles punidos com pena de detenção), não elencados na Lei de Drogas, não têm o condão de descaracterizar, por si sós, o perfil de 'pequeno traficante ocasional' de um acusado a autorizar, portanto, a incidência do redutor, ainda que se trate de réu reincidente, caso presentes os demais requisitos do artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006."
Além disso, para o desembargador, a aplicação da pena em sua integralidade implicaria, neste caso, em punição excessiva e desproporcional, "dissociada do contexto social e das finalidades da sanção penal e da Lei 11.343/2006".
Com isso, a condenação do acusado foi reduzida para dois anos e 11 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, substituída a pena privativa de liberdade por duas restritiva de direitos, consistentes na prestação de serviços à comunidade ou a entidades estatais, pelo mesmo prazo. A decisão foi por unanimidade.
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Processo 1500132-95.2021.8.26.0438
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