Opinião

Contribuição "facultativa" sobre o agronegócio de Goiás

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16 de dezembro de 2022, 19h34

Os estados da federação brasileira estão buscando recompor receita ocasionada pela redução do ICMS sobre os combustíveis que se deu durante o ano de 2022. A fórmula da moda encontrada por alguns foi a criação de contribuição sobre o agronegócio.

Essa saída esbarra, contudo, na Constituição de 1988 que — além de impedir a cobrança de ICMS sobre operações que destinem mercadorias para o exterior imunidade — limita apenas a União o poder de criar contribuições sociais, de intervenção de domínio econômico e de interesse de categorias profissionais ou econômicos, sendo vedado aos estados e municípios a criação desse tipo de tributo. A única exceção seria a instituição de contribuição para custear o regime previdenciário.

Ressalte-se que essas limitações estão, via de regra, replicadas nos textos das constituições estaduais dos estados-membros da Federação, ou seja, podendo ser objeto de controle concentrado de constitucionalidade estadual.

Na tentativa de burlar essa regra de modo a possibilitar que se crie contribuições, os estados têm defendido de que essas contribuições seriam "facultativas". Para sustentar a constitucionalidade da engenharia legislativa, os estados se valem do precedente criado pelo Fundersul de Mato Grosso do Sul, cuja lei foi questionada na ADI 2.056 que, por sua vez, foi julgada improcedente sob o argumento de que se tratava de uma contribuição facultativa que não incorre em inconstitucionalidade.

O último exemplo desse tipo de prática foi o Fundeinfra criado pelo estado de Goiás pela Lei Estadual 21670 de 2022. Segundo o texto do projeto aprovado pela Assembleia Legislativa do estado, uma das fontes de receitas do fundo seria pagamento de uma contribuição de 1,65% do ICMS como condição para usufruir de: incentivo ou benefício fiscal; regimes especiais de exportação; e algumas hipóteses de substituição tributária.

Conjuntamente com a criação do Fundeinfra, também foi publicada Lei Estadual 21.671 de 2022 que determinou que o contribuinte que não pagar a contribuição terá de pagar antecipadamente o ICMS e, só depois de comprovada a exportação, teria o valor restituído pelo Estado.

Em que pese a redação ampla, o foco dessa contribuição são as exportações de produtos agrícolas, em especial operações que envolvam milho, soja, cana de açúcar, carnes e minérios. Destaque-se que essas exportações são isentas de ICMS por determinação da constituição federal, cujo texto também é reproduzido nas constituições estaduais.

Olhando para a experiência do Fundersul em comparação com o Fundeinfra, é possível verificar que são institutos e engenharias legais completamente diferentes. O instrumento sul-matrogrossense obrigava a contribuir para a construção, manutenção, recuperação e melhoramento das rodovias estaduais os produtores que buscassem o benefício do diferimento do ICMS nas operações internas com produtos agropecuários.  Os produtores que não aderissem ao diferimento do ICMS deveriam pagar o ICMS no ato das saídas de mercadorias de seus estabelecimentos.

O diferimento consiste na transferência do lançamento e o pagamento do ICMS para etapa posterior à ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Desse modo, o pagamento da contribuição seria uma faculdade, ou seja, uma prestação não-obrigatória, visto que não estava apenas postergando o momento do pagamento do tributo cuja incidência ocorreria naturalmente.

No acórdão proferido pelo STF, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes, o ponto central que determinou a constitucionalidade do Fundersul foi seu caráter facultativo e não obrigatório. O que se manifesta na consideração feita pelo relator em seu voto vencedor e condutor da decisão: "o diferimento, pelo qual se transfere o momento do recolhimento do tributo cujo fato gerador já ocorreu, não pode ser confundido com a isenção ou imunidade".

O caso do Fundeinfra do estado de Goiás, todavia, é uma situação totalmente diversa, pois se trata de não incidência de tributo garantido tanto pelo texto da Constituição quanto pela Constituição Estadual — o que não encontra guarita inclusive na decisão proferida pelo STF na ADI 2056.

Ao fim e ao cabo o Fundeinfra é uma engenharia legal confeccionada para burlar regras constitucionais federais e estaduais — algo que não pode e não deve ser permitido pelo ordenamento jurídico.

Para além da possibilidade ADI no STF por um dos legitimados constitucionais — por haver previsão na Constituição Estadual — as associações e entidades de âmbito estadual dos grupos afetados, especialmente do agronegócio, podem e devem propor Ação Direta de Inconstitucionalidade junto à Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás questionando essa norma.

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