Opinião

É preciso equilibrar estímulo à inovação e o acesso a medicamentos

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  • Denizar Vianna

    é professor titular da Faculdade de Medicina da Uerj e ex-secretário de Ciência Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde (2019-2020).

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10 de dezembro de 2022, 6h09

O paciente do Sistema Único de Saúde tem direito a medicamentos de todos os níveis de complexidade, dos mais básicos aos mais especializados, o que representa uma conquista da saúde brasileira. No entanto, para que ela ganhe efetividade, isto é, para que os medicamentos sejam de fato adquiridos pelo SUS e distribuídos à população, é preciso levar em conta o estágio de desenvolvimento da indústria farmacêutica nacional e da inovação científica em nosso país.

aleksandarlittlewolf/freepik
aleksandarlittlewolf/freepik

O Brasil é majoritariamente receptor de tecnologias estrangeiras. Essas, por sua vez, são protegidas por patentes, que garantem ao desenvolvedor o privilégio temporário da exploração exclusiva de seu invento. O tempo máximo de vigência de uma patente farmacêutica no Brasil é de 20 anos, em linha com as diretrizes do Acordo Trips ("Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio", em inglês), chancelado pela OMC.

Ocorre que, por problemas de infraestrutura, fluxo de processos defasados, falta de comunicação entre departamentos e, principalmente, por carência de recursos humanos, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Intelectual), responsável pela concessão de patentes no Brasil, age com morosidade, criando brechas para a extensão do período de patentes de medicamentos em mais de 20 anos.

Em 2021, o Supremo Tribunal Federal atuou para corrigir essa distorção ao julgar procedente uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) que questionava a extensão de patentes para além do tempo regulamentar. Na decisão, o STF cobrava a urgente reformulação das práticas do INPI e, principalmente, salientava que eventuais ineficiências do órgão não poderiam servir de justificativa para ampliar a vigência das patentes e ferir, com isso, o direito coletivo da população e dos cientista brasileiros.

Ocorre que, logo após a decisão do STF, uma série de ações foram protocoladas na Justiça Federal de Brasília buscando um direito de compensação por danos alegados no atraso da análise de patentes pelo INPI. Ademais, desde a reinstalação do Grupo Executivo de Propriedade Intelectual (Gipi), no âmbito do Ministério da Economia, há um esforço persistentes por alterações na legislação brasileira de patentes, no sentido de ampliar a duração regulamentar de uma patente.

Logo, o problema persiste. Patentes são instrumentos justos de proteção econômica e incentivo à inovação científica, mas, com prazos de vigência indefinidos, elas desequilibram o sistema de saúde, impedem o poder público de se planejar e comprometem a lista de medicamentos estratégicos que o SUS precisa adquirir. Fica evidente, portanto, que o equilíbrio entre, por um lado, o direito à propriedade intelectual e, do outro, o acesso da população aos melhores tratamentos é condição sine qua non para garantir a própria viabilidade do SUS.

Mas como equacionar esse problema? Uma boa sugestão vem dos Estados Unidos. A prestigiosa revista científica Jama publicou artigo recente sobre a frequência de aprovação e comercialização de biossimilares com indicações de "rótulo reduzidas", abordando, mais especificamente, a economia de recursos que essas aprovações trazem ao Medicare, principal programa de seguro saúde subsidiado pelo Estado.

Biossimilares são versões, ou "cópias", de medicamentos biológicos. Eles estimulam a competição de preços após o fim do período de exclusividade de exploração econômica por parte das empresas desenvolvedoras dos medicamentos originais. Evidentemente, esses fabricantes tentam retardar ao máximo a disponibilidade de biossimilares, inclusive por meio de patentes e exclusividades regulatórias suplementares que expiram anos após a patente do produto original.

Para evitar esse tipo de manipulação, a lei federal norte-americana permite que a FDA, principal órgão regulatório do país, similar à nossa Anvisa, aprove medicamentos genéricos e biossimilares de "rótulo magro" ("skinny-label") que excluem indicações protegidas por patentes ou exclusividades regulatórias.

Entre 2015 a 2021, a FDA aprovou 33 biossimilares vinculados a 11 produtos biológicos originais, incluindo 22 (66,7%) com "rótulo reduzido". O estudo publicado na Jama estima que a concorrência de biossimilares de "rótulo reduzido" economizou US$ 1,5 bilhão para o Medicare entre 2015 e 2020. Fica evidente como a rotulagem simplificada para biossimilares é importante para o custeio da saúde pública e, é claro, para tornar esses medicamentos mais acessíveis.

O caso norte-americano pode servir de paradigma para lidarmos com o problema da propriedade intelectual no Brasil. A simplificação do processo de aprovação de biossimilares mostra que, mesmo no maior mercado farmacêutico do mundo, é possível equilibrar o incentivo à inovação com a garantia de acesso a medicamentos. Os formuladores de políticas públicas têm a missão inescapável de encontrar esse ponto de equilíbrio. Dele depende a sobrevivência do SUS, que constituiu a maior política de inclusão social já feita no Brasil.

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