Câmara Ambiental

"A nossa preocupação é que afetemos o menos possível o meio ambiente"

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15 de agosto de 2022, 13h40

A 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) completa 10 anos da sua existência nesta segunda-feira (15/8). Foi criada para auxiliar na redução do acervo de processos relacionados à temática do meio ambiente que chegam ao tribunal. E trata de assuntos como a expedição de licenças ambientais, loteamentos irregulares em áreas de preservação, maus tratos aos animais, reparação de danos à natureza por parte de empresas, aplicação de multas ambientais, entre outros.

Klaus Silva/TJ-SP
Em entrevista à ConJur, o desembargador Paulo Celso Ayrosa Monteiro de Andrade defende a importância de haver um órgão especializado dentro dos Tribunais para discutir e julgar estes assuntos. O magistrado é o único membro atual da 2ª Câmara Reservada ao Meio Ambiente que faz parte do órgão desde a sua composição original.

"Esse exemplo de São Paulo (de ter uma câmara especializada na pauta ambiental) tem repercutido, tem dado eco mundo afora. Os temas (julgados) são muito sensíveis. Existem muitas Gretas Thunbergs (ativista ambiental sueca) discutindo e batendo tambor em questões ambientais, nem sempre conhecendo a fundo a matéria e, às vezes, confundindo os temas. O centro de toda a nossa preocupação é a qualidade de vida dos homens de hoje e das futuras gerações", ressalta.

O desembargador cita a sua participação em dezembro do ano passado no 2º Congresso Mundial de Direito Ambiental, que ocorreu no Rio de Janeiro (SP), na sede do Tribunal de Justiça do estado. A existência da câmara especializada da Justiça Paulista chamou a atenção de seus pares. Trata-se do único órgão judicial no Brasil especializado na temática. Segundo o magistrado, pelo planeta, há outros exemplos apenas no Judiciário chinês. “Não existe mais Câmaras especializadas em meio ambiente mundo afora, são sempre tribunais que julgam (os casos relacionados) com uma composição (de juízes) que eles (já) têm. O Tribunal de Justiça de São Paulo é um dos maiores do mundo”, justifica.

Após dez anos de trabalho voltado a solucionar conflitos jurídicos ambientais, Ayrosa aponta que há uma questão vocacional que motiva os magistrados a ingressarem nesta seara. E relata que, por conta da relevância do tema, há um processo de seleção cuidadoso para a composição da Câmara desde a sua criação há dez anos. "O fato é que todos nós estamos (nas câmaras ambientais) por pendor. Ninguém foi para receber alguma vantagem. A preocupação é que tenhamos pessoas de vocação. Quando há uma vaga, há uma preocupação muito grande daqueles que pretendam ir, mas que não tem vocação. Não conhecem a matéria. Então há uma discussão entre nós do Órgão Especial para eleger, para compor o grupo alguém que conheça da matéria, que tenha interesse na matéria e que esteja preocupado (com o meio ambiente)", relata.

Após assumir a função, o desafio para os magistrados que atuam na câmara ambiental é analisar os casos que chegam ao órgão com equilíbrio, sem colocar o meio ambiente como um bem natural intocável ou como algo que necessita ser destruído em nome do desenvolvimento da sociedade.

"Pela lei, nós podemos intervir (na natureza) desde que haja compensações, interesse social, interesse público. A vida em sociedade é degradante. Nós comemos, nós bebemos, nós geramos uma quantidade de dejetos enorme. E a nossa preocupação é exatamente fazer um equilíbrio para que todos tenhamos uma vida digna, que afetemos o menos possível o meio ambiente e que ele possa se recuperar", defende.

A entrevista foi realizada para a produção do Anuário da Justiça São Paulo 2022, publicação editada pela ConJur e que será lançada em setembro com um panorama jornalístico da Justiça paulista.

Confira abaixo a entrevista:

ConJur – Qual balanço o senhor faz da atuação da 2ª Câmara desde o início de 2021 até o momento?
Paulo Ayrosa – Nós temos julgado com bastante celeridade na maioria dos processos. A nossa Câmara é estável, tem um entendimento bastante sedimentado. Nós tínhamos uma única divergência e esta divergência já foi sanada. É óbvio que, em temas abrangentes, em um julgamento colegiado, haja opiniões diversas, mas o interessante é que nós tenhamos um foco central para o jurisdicionado, porque quanto mais se diverge, mais ações vão surgir. Então, o que a pessoa espera é uma interpretação da lei mais estável.

ConJur – Qual é esse tema sobre o qual não há mais divergência?
Paulo Ayrosa – Era um tema que foi recorrente nos últimos dois anos, com muitos mandados de segurança a respeito de renovações de licença ambiental por parte da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). O governo do estado editou dois decretos (62.973/2017 e 64.512/2019) alterando os valores relacionados ao licenciamento. Com relação a um deles (o decreto de 2017), nós unanimemente reconhecemos a ilegalidade nas duas Câmaras Reservadas ao Meio Ambiente. No segundo, que o governo editou, fizemos um julgamento conjunto das duas câmaras e chegamos ao entendimento unânime da legalidade.

ConJur – E desde o início do ano passado, na opinião do senhor, quais são os principais assuntos discutidos na 2ª Câmara?
Paulo Ayrosa – Um é exatamente este, as regulações das licenças ambientais. O outro são também licenças ambientais, mas referentes a loteamentos, empreendimentos imobiliários. Outro tema que no passado houve muito, mas hoje quase não temos julgado, são as queimadas de palha de cana-de-açúcar, que envolviam os usineiros, mas ultimamente isso tem sido muito minimizado. Outro ponto bastante preocupante são questões envolvendo áreas litorâneas, seja do litoral sul, do litoral intermediário e do litoral norte. Em São Paulo, nós temos muitas ações envolvendo danos na Mata Atlântica nessa área.

Ultimamente nós temos algumas ações envolvendo guarda de animais, seja dos domésticos, silvestres, até de exóticos, caso de macaco, de elefante, esses animais que têm sido guardados e alguns alegam maus tratos. Também tinha bastante, e deu uma reduzida no volume de ações casos sobre ranchos de pesca à beira de rios, nos lagos. Têm várias ações envolvendo a demolição dessas edificações que, em tese, estariam danificando mata ciliar, mata atlântica e beira de rios.

ConJur – Nessa questão das licenças ambientais, é comum o Ministério Público ingressar com ações nas Câmaras?
Paulo Ayrosa – O MP entra normalmente para questionar uma licença fornecida pela Cetesb ou pela Secretaria do Meio Ambiente, a municipal ou a estadual. Promove algumas ações civis públicas destinadas a inibir essas licenças ou não dar validade a elas. A maior parte das ações, no entanto, são movidas por particulares. Primeiro querendo que a Cetesb forneça licença em prazo exíguo ou no prazo razoável. Parece-me que o tempo para análise tem ficado um pouco alongado. E é óbvio que nisso há repercussão na atividade comercial de quem quer que exerça uma atividade agropastoril, industrial ou comercial que necessite das licenças ambientais fornecidas por esses órgãos públicos. Então, às vezes, eles entram com um mandado de segurança, com uma ação de obrigação de fazer.

ConJur – A 2ª Câmara completa dez anos de existência nesse ano. E a agenda ambiental é um assunto o qual as pessoas cada vez mais tomam consciência da sua relevância. Como o senhor avalia a importância de existir um órgão especializado no Tribunal na questão ambiental?
Paulo Ayrosa – Foi um desembargador, o Gilberto Passos de Freitas, aposentado em 2008, o idealizador da 1ª Câmara Ambiental em 2005. Até então, cada processo relacionado à temática ficava sendo julgado por qualquer uma das Câmaras de Direito Público. O entendimento ficava muito vacilante entre os vários desembargadores. Gilberto à época propôs, a Câmara foi criada e o volume de processos era muito grande. Dependendo do processo, são necessários mais de cinco julgadores; nas ações rescisórias, precisa-se de sete ou mais. Então, criou-se a 2ª Câmara em 2012 para dar maior harmonia.

Estou desde o início da 2ª Câmara. Nesse tempo, no Brasil, São Paulo é o único estado que tem um órgão do gênero. E pasme, parece que, pelo mundo, só existe no Brasil e na China. Ainda não existem mais câmaras especializadas em meio ambiente mundo afora. São sempre tribunais que julgam, mas com uma composição que eles já têm de magistrados. O Tribunal de Justiça de São Paulo é um dos maiores do mundo. Os nossos números são assustadores. Se você for em um tribunal europeu, alemão ou francês, cada ministro ou desembargador de lá julga uma média de sessenta processos por ano. Nós fazemos isso em quinze dias, até menos.

ConJur – É uma pena que outros tribunais não sigam o exemplo?
Paulo Ayrosa – Esse exemplo de São Paulo tem repercutido, tem dado eco mundo afora. O ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça, é um protagonista e uma voz muito ouvida no mundo inteiro. Em dezembro do ano passado, o 2º Congresso Mundial de Direito Ambiental foi adiado devido à pandemia, mas acabou sendo promovido no final do ano. Foi um congresso internacional patrocinado inclusive pela Organização das Nações Unidas (ONU), no Rio de Janeiro. Vieram pessoas do mundo inteiro, seja de modo presencial ou telepresencial. Tinha gente do Havaí, da África, de vários países asiáticos para ver a importância da existência da câmara ambiental. Todos eles bateram na tecla de que nós devamos permanecer com a câmara em funcionamento como é em São Paulo e que é importante que mais estados tenham as suas, no Brasil e internacionalmente.

A Europa quase não tem mais floresta, são muito poucos locais preservados. Em relação aos Estados Unidos, são grandes parques que conservam a área verde. Mas alguns países africanos, a Oceania, que ainda têm áreas verdes extensas, eles precisam preservar. Eles estão vendo a necessidade disso e os danos ambientais que nós temos sofrido. Doenças e outras coisas mais.

ConJur – A epidemia de Covid-19 trouxe essa questão ambiental mais forte para o centro do debate?
Paulo Ayrosa – A gente não pode dizer exatamente como surgiu o coronavírus. Há muitas versões a respeito da pandemia. Uma delas é a de manuseio equivocado de vírus em laboratório. Outros falam que foi por usar animais silvestres para a alimentação na China, nós não sabemos. Ou seja, é uma grande incógnita essa questão. O mundo parou praticamente por dois anos e as consequências são gravíssimas.

ConJur – O senhor gostaria de comentar algo mais sobre o assunto?
Paulo Ayrosa – O fato de que todos nós estamos nas câmaras ambientais por pendor. Ninguém foi para receber alguma vantagem. Todos os membros das Câmaras Ambientais sofrem, até porque os processos, na maioria das vezes, são mais complexos. É bem verdade que se você for perguntar para qualquer membro de qualquer câmara do tribunal, ele vai dizer que a distribuição dele é mais dificultosa, mas a verdade é que os temas nas câmaras ambientais são muito sensíveis. Existem muitas Gretas Thunbergs (ativista ambiental sueca) discutindo e batendo tambor em questões ambientais, nem sempre conhecendo a fundo a matéria e, às vezes, confundindo os temas. A importância das nossas Câmaras Ambientais é exatamente essa, de reunir pessoas vocacionadas, que estão preocupadas com o meio ambiente, com o ser humano, colocando o homem como o centro de toda a nossa preocupação. É a qualidade de vida dos homens de hoje e das futuras gerações.

A preocupação toda é que nós tenhamos pessoas de vocação nas câmaras. Tanto é que quando há uma vaga, há uma preocupação muito grande com aqueles que pretendam ir, mas que não têm vocação. Ou seja, não conhecem a matéria. Então há uma discussão entre nós do Órgão Especial para eleger, para compor o grupo alguém que conheça da matéria, que tenha interesse na matéria e que esteja preocupado.

Pela lei, nós podemos intervir no meio ambiente desde que haja compensações, interesse social, interesse público. Canalização de córregos é possível pela lei, mas tem gente que acha que não, que tudo tem que voltar a 1500. Todos nós descendentes de europeus, africanos, de onde quer que seja da Ásia, vão voltar para as origens e deixar que os indígenas tomem conta do Brasil. Porque querem que tudo seja intocável. Não é possível, a vida do homem em sociedade é degradante, todos nós mais ou menos degradamos o meio ambiente, a nossa vida é assim. Nós comemos, nós bebemos, nós geramos uma quantidade de lixo e de dejetos enorme. São toneladas e a nossa preocupação é exatamente fazer um equilíbrio para que todos possam viver dignamente.

Que nós tenhamos uma vida digna e que afetemos o menos possível o meio ambiente e que ele possa se recuperar. Porque existem situações recuperáveis, ou quase. Nós temos o rio Tietê (no estado de São Paulo). A comunidade carente na capital paulista Jardim Pantanal, conhecida por sofrer com enchentes. A Represa Billings, na região paulista do Grande ABC, é uma que tem dado muito trabalho para as prefeituras tirarem aquelas pessoas que estão poluindo a represa, que é um lugar de abastecimento de água para São Paulo. A nossa preocupação, ou seja, colocar alguém em uma Câmara Ambiental que tenha vocação, que veja o futuro promissor, que melhore, não é o imediatismo, é muito preocupante. Nós temos que pensar sempre nas consequências das nossas ações.

ConJur – Em Santo André, nas áreas mais afastadas do município, onde é difícil chegar por via terrestre, o debate sobre as áreas verdes também é muito forte. É o papel do Judiciário olhar todos os lados e resolver esses conflitos?
Paulo Ayrosa – Exatamente. Nós temos várias ações envolvendo essa região do ABC em que há muita degradação ambiental no âmbito da regulagem de terrenos. Daí vem aquelas ONGs defensoras dos "coitadinhos". São pessoas carentes e necessitadas, mas de outro lado, elas são as próprias pessoas que sofrem com aquilo que fazem, constroem nas beiras de rios, constroem à margem de ferrovias e daí são atropeladas, o córrego enche e eles perdem a casa. As consequências são as piores possíveis. Há discussões ambientais em Guarulhos, no ABC, a Grande São Paulo é o problema. Também há em Osasco, Barueri. Nós temos problemas graves nessas regiões metropolitanas.

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