Opinião

Sobre vínculos sociais, eleições e fake news: como fazer diferente

Autor

  • Lucas Sales

    é juiz de Direito substituto do TJDFT desde 2013 ex-advogado da União lotado na Procuradoria Regional da União (PRU) da 1ª Região pós-graduado em Processo Civil pela Unichristus (CE) e em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF) e mestre em Direito Constitucional também pelo IDP.

13 de agosto de 2022, 11h09

Os dias não têm sido muito fáceis. Discursos políticos polarizados e intolerância ideológica reúnem-se num ambiente turbulento que aparenta normalizar o repúdio e a repressão ao simples ato de pensar diferente. Nas famílias, nos condomínios, no trabalho e, claro, nas redes sociais, fervilham desentendimentos, litígios, ataques e revides, tudo gerador, lamentavelmente, de abalos e rupturas de imprevisíveis consequências.

É óbvio que desacordos sempre existiram em qualquer núcleo comunitário, pois diálogos, debates e discordâncias são inerentes à natureza humana. Entretanto, o fenômeno tão corriqueiro que o fluxo livre de ideais sempre representou parece ter perdido o colorido da leveza, da empatia e da concórdia, desaguando em poços de acidez, amargura e ódio.

O "saiu do grupo" é simbólico de um instante histórico em que preconceitos, ofensas e unilateralidades, ocupando um lado muito forte na desavença, conseguem dominar pretensas conversações com a imposição do medo e do silêncio. O exemplo é trivial, mas quem não conhece um grupo de WhatsApp em que a dica para "evitar problemas" passou a ser a completa inação? Eis a escolha pelo "deixa como está para vermos como fica". Não deveria ser assim, mas estamos nos acostumando com isso.

Surgem como produto desse esgarçamento do tecido social o isolamento, a apatia e a indiferença, com danos severos ao potencial dialógico e reivindicatório das massas. Das reuniões familiares aos grupos constituídos nos empregos, o enfraquecimento da capacidade de coexistência saudável entre os pares distancia as relações e debilita intimidades, prejudicando o equilíbrio e a harmonia que todo espírito de pertencimento requer. Inelutavelmente, vemos a cena e estamos nos acostumando com isso.

Desprezando pontos de vista diferentes, rejeitando divergências e pluralidades e inadmitindo a absorção de novos conhecimentos, não é difícil imaginar o que acontece: sim, estamos mais ignorantes. O cenário se agrava no seio de uma sociedade mais ansiosa, cansada e apreensiva, especialmente quando se considera nossa estadia no ano de 2022, que comportará a primeira eleição presidencial após a devastadora pandemia da Covid-19.

É preciso, antes de tudo, prudência, uma das mais sábias virtudes. Condutas passionais e irascíveis têm norteado, com frequência, os choques políticos, repelindo conversas pacíficas e atraindo brigas impacientes. Algo triste de ver.

Trata-se de uma constatação objetiva, e não de uma opinião: lê-se pouco no Brasil, informando-se grande parte da população por meio das redes sociais. A contingência também se alastra no estrangeiro, mas adquire contornos extremamente graves em nosso país, onde as fake news e as desinformações encontram hospedeiro propício para se alojar. Tão dinâmicas e fluidas quanto superficiais e manipuladoras, as notícias falsas se propagam facilmente, logrando ares paradoxais de verdade com quem as aceita e lhes promove a difusão.

A transmissão de mensagens inverídicas ou falseadas não despontou ontem e possui precedentes históricos bastante antigos no tempo. Contudo, seu empoderamento é bem mais visível no contexto atual das novas transformações tecnológicas, e seus efeitos são de várias ordens.

Em primeiro lugar, as fake news agridem o estatuto das tutelas constitucionais, deturpando a essência das liberdades de expressão e informação (artigo 5º, IV, V, IX, XII e XIV, do texto constitucional). A Constituição Federal, de forma inequívoca, não resguarda esses ilícitos, inexistindo direitos absolutos. Assim como ofender e ameaçar de morte não está acobertado pela livre expressão, não há proteção jurídica das mentiras e das inverdades. O incontestável sempre precisa ser dito.

Em segundo lugar, elas se incompatibilizam com o status democrático atribuído pelo constituinte de 1988 ao Estado de direito. Agindo não raramente no anonimato, sem filtros de autenticidade ou contestação e por meio de distorções e emocionalidades, as desinformações descaracterizam as cadeias deliberativas ínsitas à democracia. Arenas públicas abertas e plurais deram lugar a bolhas fechadas e homogêneas: "O meu grupo contra o seu, e não se fala mais nisso". Os exemplos, mais uma vez, são banais, mas têm serventia: como dialogar com a raiva incessante? Como argumentar a partir de vídeos compartilhados que sequer identificam origem, autor e data?

Ao fim, elas mancham a cultura constitucional. Contra os maus exemplos e a persistência da ira, da intolerância e da enganação oferecem-se doses de estima, deferência e sabedoria. A pedagogia, no ponto, é primordial. Não adianta culpar a imprensa, a empresa ou o vizinho pela divulgação de uma mensagem inverídica ou deturpada se o primeiro a encaminhar a mentira é você. O Poder Legislativo tem trabalhado no tema, o Tribunal Superior Eleitoral tem expedido suas resoluções buscando atingir eleições justas, equilibradas e transparentes, porém o papel de combate às fake news incumbe a cada um de nós. Basear-se no conhecimento objetivo, apreender o conteúdo recebido, estudar a fonte da mensagem, deixar de repassar obscuridades e evidentes incorreções: não é assim tão complicado oferecer uma parcela de contribuição em face desse árduo desafio.

Há como fazer diferente. Não é necessário desfazer vínculos familiares e obstar reuniões de trabalho devido às inconstâncias políticas e ao temor de enfrentar os que não sabem conversar. É desanimador que pessoas venham a se matar por discordâncias de ideologias. Políticos vão e vêm, e, embora não haja dúvida de que enorme parcela dos nossos representantes seja séria e decente, alguns deles não carregam qualquer preocupação com o que somos ou deixamos de ser. Não deveríamos adulá-los nem respaldar tolos fanatismos.

A força social está além das instituições. A sociedade precede o direito, e nunca o contrário. Sem harmonia e fraternidade nos laços da coletividade, a democracia pode pouco e corre o risco de entregar as chaves do poder ao autoritarismo de plantão, que centraliza, impõe e coage. Fake news, diga-se, são imprescindíveis nesses projetos de dominação.

Soa ingênuo acreditar que as desinformações se limitam a um lado ou a um outro do espectro político: elas estão em todos os lugares e, assim, demandam atenta e ampla reprovação. Preferências partidárias aqui se afiguram irrelevantes. 2022 traz consigo a marca da aflição, mas o otimismo e a esperança são forças vigorosas que se mantêm acesas mesmo quando a vida, às vezes, inclina-se à escuridão.

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  • é juiz de Direito substituto do TJDFT desde 2013, ex-advogado da União, lotado na Procuradoria Regional da União (PRU) da 1ª Região, pós-graduado em Processo Civil pela Unichristus (CE) e em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF) e mestre em Direito Constitucional também pelo IDP.

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