Opinião

Não cabe ao CNJ intervir em matéria de cunho eminentemente jurisdicional

Autor

  • Samara Léda

    é advogada especialista em Direito Disciplinar Notarial e Registral com atuação há mais de dez anos perante o Conselho Nacional de Justiça.

12 de agosto de 2022, 15h05

A competência do Conselho Nacional de Justiça está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário e, por isso, não cabe ao órgão intervir em decisão exclusivamente jurisdicional, mesmo que seja para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, na forma do artigo 103-B, §4º, da Constituição.

A via correcional se limita a controlar a atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e o cumprimento dos deveres funcionais dos magistrados, nos termos do artigo 103-B, §4º, da Constituição, que diz:

"Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura".

As irresignações das partes, no que se refere às decisões judiciais, limita-se a aspectos de cunho eminentemente jurisdicionais do processo em curso, dessa forma, não guarda relação com a esfera correcional.

As decisões dos juízes, proferidas no exercício regular da jurisdição, não ensejam reclamação perante os órgãos correicionais, cabendo a parte se valer das medidas processuais previstas no ordenamento.

O simples fato de que o magistrado decida em desacordo com o entendimento do jurisdicionado não comporta intervenção das corregedorias. A função do juiz não é decidir conforme a pretensão da parte, mas de acordo com a lei e sua livre convicção.

Neste sentido, destaca Nery Júnior (2004, p. 519): "O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto".

Na mesma linha segue o entendimento do Supremo Tribunal Federal: "Vige em nosso sistema o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, segundo o qual compete ao Juiz da causa valorar com ampla liberdade os elementos de prova constantes dos autos, desde que o faça motivadamente, com o que se permite a aferição dos parâmetros de legalidade e de razoabilidade adotados nessa operação intelectual. Não vigora mais entre nós o sistema das provas tarifadas, segundo o qual o legislador estabelecia previamente o valor, a força probante de cada meio de prova" (RHC 91.161, relator ministro Menezes Direito, DJe 25.4.2008).

Se essa convicção estiver dissociada dos ditames legais, compete às instâncias superiores do tribunal procederem aos ajustes necessários e desde que provocadas mediante a medida recursal cabível.

Os atos de natureza exclusivamente jurisdicional só comportam esse tipo de impugnação, devendo -se valer as partes dos meios de impugnação previstos na norma processual vigente, não cabendo a intervenção das Corregedorias locais ou da Corregedoria Nacional de Justiça.

Nessa linha está consolidada a jurisprudência do Conselho Nacional de Justiça:

"RECURSO ADMINISTRATIVO. REPRESENTAÇÃO POR EXCESSO DE PRAZO. PRETENSÃO DE REVISÃO DE ATO JURISDICIONAL. ARTIGO 103-B, §4º, DA CF. NÃO CABIMENTO. MORA. AUSÊNCIA.RECURSO DESPROVIDO.
1. Os fatos narrados neste expediente referem-se ao exame de matéria estritamente jurisdicional.
2. Nos termos do artigo 103-B, §4º, da Constituição Federal, ao CNJ competem o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e a fiscalização do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, não lhe cabendo intervir em decisão judicial com o intuito de aperfeiçoá-la, reformá-la ou invalidá-la.
3. O feito impugnado tem tramitação regular, com andamentos atuais, não havendo que se falar em mora.
4. Recurso administrativo não provido.(CNJ  RA  Recurso Administrativo em REP  Representação por Excesso de Prazo – 0009063-44.2021.2.00.0000  Relatora MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA  108ª Sessão Virtual – julgado em 24/06/2022 ).
RECURSO ADMINISTRATIVO. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. CONTROVÉRSIA DE NATUREZA JURISDICIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE INTERVENÇÃO DO CNJ. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
I – Recurso Administrativo interposto contra decisão que não conheceu do Pedido de Providências e determinou se arquivamento liminar, nos termos do artigo 25, inciso X, do RICNJ.
II – A natureza exclusivamente administrativa das atribuições conferidas ao Conselho Nacional de Justiça (artigo 103-B, §4º, da CF/88) impede que este aprecie questão discutida em sede jurisdicional.
III – Os argumentos deduzidos na peça inaugural foram reiterados no pedido recursal, não sendo apresentado fundamento ou fato novo relativo ao objeto da controvérsia.
IV – O entendimento firmado nesta Corte Administrativa é de que não se pode imiscuir em atos praticados no curso de ações judiciais, uma vez que o próprio sistema processual possui mecanismos próprios para impugnação das decisões. Os inconformismos daí advindos devem ser contestados por meio dos instrumentos processuais previstos em lei e postos à disposição das partes.
V – Recurso conhecido e não provido (CNJ  RA  Recurso Administrativo em PP  Pedido de Providências  Conselheiro  0001878-18.2022.2.00.0000  relator GIOVANNI OLSSON  108ª Sessão Virtual  julgado em 24/06/2022).
RECURSO ADMINISTRATIVO NO PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. MATÉRIA JURISDICIONAL. INCOMPETÊNCIA DESTE CONSELHO. ARTIGO 103-B, §4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
1. Recurso contra decisão monocrática que não conheceu do pedido diante do caráter jurisdicional da matéria.
2. O artigo 103-B, §4º, da Constituição Federal, atribuiu a este Conselho competência para o "controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes", não sendo possível sindicar a forma de condução dos processos judiciais pelos (as) magistrados (as).
3. A determinação para a realização de audiências públicas para que os demais usuários dos serviços da unidade judiciária possam ser ouvidos e fazerem suas reivindicações, assim como pretendido no recurso, carece de fundamento legal, além de também representar indevida intervenção na atuação jurisdicional da magistrada.
4. Recurso conhecido e no mérito não provido (CNJ  RA  Recurso Administrativo em PP  Pedido de Providências  Conselheiro  0007836-19.2021.2.00.0000  relator JANE GRANZOTO  103ª Sessão Virtual  julgado em 08/04/2022).
RECURSO ADMINISTRATIVO EM RECLAMAÇÃO DISCIPLINAR. PRETENSÃO DE REVISÃO DE ATO JURISDICIONAL. ARTIGO 103-B, §4º, DA CF. NÃO CABIMENTO. INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DA MAGISTRADA QUE REVERBERA EM GARANTIA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL IMPARCIAL EM FAVOR DA SOCIEDADE. RECURSO NÃO PROVIDO.
1. O que se alega contra a requerido acerca da sua atuação na condução do processo judicial circunscreve-se a aspectos eminentemente jurisdicionais. Em tais casos, deve a parte valer-se dos meios processuais adequados, não cabendo a intervenção do Conselho Nacional de Justiça.
2. O CNJ, cuja competência está restrita ao âmbito administrativo do Poder Judiciário, não pode intervir em decisão exclusivamente jurisdicional, para corrigir eventual vício de ilegalidade ou nulidade, porquanto a matéria aqui tratada não se insere em nenhuma daquelas atribuições previstas no artigo 103-B, §4º, da Constituição Federal.
3. Não há indícios que demonstrem que o magistrado tenha descumprido seus deveres funcionais ou incorrido em desobediência às exigências éticas da magistratura, motivo pelo qual não há subsídios para prosseguir com o aprofundamento das apurações por meio de processo administrativo disciplinar, em razão da ausência de justa causa.
4. As questões relativas à eventual parcialidade ou impedimento de magistrado possuem via própria e prevista na legislação processual, devendo ser sanadas por meio das exceções de suspeição ou impedimento, não se destinando a via administrativa a tal desiderato.
5. Recurso administrativo a que se nega provimento (CNJ  RA  Recurso Administrativo em RD – Reclamação Disciplinar  0001700-69.2022.2.00.0000  relator MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA  108ª Sessão Virtual – julgado em 24/06/2022).
Nesse contexto, salvo em caso de ilegalidade, não está autorizada a intervenção do CNJ em matérias inerentes à julgamento de processos de natureza eminentemente jurisdicional."

Autores

  • é advogada especialista em Direito Disciplinar, Notarial e Registral, com atuação há mais de dez anos perante o Conselho Nacional de Justiça.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!