Opinião

Mudança de nome: as alterações da Lei de Registros Públicos

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12 de agosto de 2022, 17h17

Os registros públicos, na acepção da Lei nº 6.015/73 (Lei de Registros Públicos — LRP), dizem respeito aos atos registrados nos Cartórios de Registro Civil das Pessoas Naturais, tais como os nascimentos, casamentos, óbitos, emancipações, interdições, sentenças declaratórias de ausência, as opções de nacionalidade e as sentenças que deferirem a adoção, além das respectivas averbações e anotações, e estão regulados na lei supracitada.

Tais registros, no entanto, podem conter erros, incorreções ou imprecisões de dados e informações, e, como tal, necessitam ser corrigidos ou supridos em algum momento por meio da retificação de registro civil, pressupondo-se a existência de erro. Como é cediço, as retificações de registro civil podem ser realizadas pela via judicial ou administrativa, conforme o caso.

Também existe a possibilidade de modificação do registro civil para alteração do prenome ou ainda do sobrenome que foram dados à pessoa natural.

Nesse aspecto, com a publicação da Lei nº 14.382/2022, houve recente alteração de dispositivos da Lei nº 6.015/73, interessando-nos, em especial, os artigos 55, 56 e 57, que passaram a permitir alterações ou modificações de prenome e sobrenome diretamente nos cartórios de registros civis, independentemente de sentença judicial.

A lei registral já possibilitava a modificação do nome sem a necessidade de ação judicial (na redação anterior do artigo 56), quando o interessado, no primeiro ano após ter atingido a maioridade civil, poderia alterar o nome desde que não prejudicasse os apelidos (sobrenomes) de família.

Nesse ponto, salutar fazer uma observação: a LRP não detalhava, de forma precisa, o que seria o nome da pessoa, se limitando a estabelecer que a ela seriam dados o nome e prenome, bem como exigia o sobrenome apenas do pai (com o acréscimo do sobrenome da mãe somente na falta deste), sem qualquer observação sobre a ordem desses sobrenomes.

Com a modificação trazida agora pela citada Lei nº 14.382, em boa hora, restou definido que o nome compreende o prenome e o sobrenome, sendo certo que passou a ser obrigatória a adoção dos sobrenomes dos genitores, em qualquer ordem, conforme redação conferida ao artigo 55 da LRP:

"Artigo 55. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, observado que ao prenome serão acrescidos os sobrenomes dos genitores ou de seus ascendentes, em qualquer ordem e, na hipótese de acréscimo de sobrenome de ascendente que não conste das certidões apresentadas, deverão ser apresentadas as certidões necessárias para comprovar a linha ascendente."

Como novidade, estabeleceu que qualquer dos genitores poderá impugnar o nome dado à criança pelo declarante no prazo de 15 dias (§4º do referido artigo 55). Havendo consenso entre os genitores, será realizada a retificação administrativa do registro, e, na hipótese de dissenso, a questão será remetida ao juiz competente para decisão (no caso, ao juiz corregedor permanente dos cartórios de registros civis da comarca).

É relevante notar que a nova redação do texto legal abandonou as expressões "apelido de família" e "patronímico", optando por "sobrenome", mais popular e usual.

Retornando à análise das hipóteses de modificação de nome, a nova lei estabeleceu também, ao modificar o teor do artigo 56 (LRP), que a pessoa interessada poderá, após haver atingido a maioridade civil, requerer pessoalmente e imotivadamente, por uma única vez, a alteração de seu prenome, independentemente de decisão judicial. Compreende-se que tal direito não poderá ser exercido por procuração, mas somente pessoalmente pela pessoa interessada.

Logo, houve ampliação do direito de alteração do prenome diretamente no cartório sem necessidade de justificativa, pois, anteriormente, tal se dava apenas no período compreendido no primeiro ano após completada a maioridade civil, indicando que, ultrapassado esse prazo, a modificação desejada somente poderia se dar pela via judicial, e desde que fundamentado o pedido.

A modificação imotivada do prenome, agora, poderá ser exercitada apenas uma vez na via administrativa, e sua desconstituição dependerá de sentença judicial (§1º do artigo 56 da LRP).

Questiona-se, então, se é possível nova modificação de prenome (após a primeira feita no cartório), ainda que pela via judicial, pois não há mais previsão legal expressa nesse sentido, além das hipóteses de modificação do prenome para a substituição por apelidos públicos notórios (artigo 58) ou em razão de fundada coação ou ameaça decorrente da colaboração com a apuração de crime (parágrafo único do artigo 58). Entendemos que sim, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição, cabendo ao juiz, ante a justificativa apresentada, avaliar caso a caso.

Com relação aos sobrenomes, também houve considerável mudança na redação dos dispositivos legais que regiam a matéria. Se antes a inclusão ou exclusão de sobrenomes de familiares ou cônjuges dependia de motivação e ação judicial, agora o  novel texto do artigo 57 da LRP estabelece que a alteração posterior de sobrenomes será requerida pessoalmente perante o registro civil e independerá de sentença judicial para as seguintes finalidades:

 a) inclusão de sobrenomes familiares (inciso I);

b) inclusão ou exclusão de sobrenome do cônjuge, na constância do casamento (inciso II);

c) exclusão de sobrenome do ex-cônjuge, após a dissolução da sociedade conjugal, por qualquer de suas causas (inciso III);

d) inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação, inclusive para os descendentes, cônjuge ou companheiro da pessoa que teve seu estado alterado (inciso IV).

Nos casos acima referidos, de cônjuges ou ex-cônjuges, entende-se pela desnecessidade de consentimento do outro ou da outra cônjuge em razão do caráter personalíssimo do nome da pessoa.

Também poderá ser averbado, nos mesmos termos, o nome abreviado, usado como firma comercial registrada ou em qualquer atividade profissional (§1º do art. 57).

Quanto aos conviventes em união estável, estes também poderão requerer a inclusão de sobrenome do companheiro a qualquer tempo, bem como alterar seus sobrenomes nas mesmas hipóteses para as pessoas casadas, desde que registrada a união no registro civil (§2º do artigo 57).

Restou previsto que o enteado ou a enteada, se houver motivo justificável, poderá requerer ao oficial de registro civil que, nos registros de nascimento e de casamento seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrasta, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seus sobrenomes de família (§8º). Neste caso, destoando da sistemática adotada para os demais, o interessado deverá apresentar motivo justificável.

É importante observar que a inclusão de sobrenome pelo enteado ou enteada não equivale ao reconhecimento da filiação socioafetiva, em que se constitui verdadeira relação de filiação, revelando-se a inclusão uma mera homenagem ao padrasto ou madrasta para fim de harmonização familiar.

Todas essas modificações, embora não haja previsão expressa nesse sentido, poderão ser realizadas em cartório distinto daquele em que houve o registro, por interpretação analógica do que foi estabelecido no artigo 3º, parágrafo único, do Prov. 73 do CNJ (que dispõe sobre a alteração de prenome e gênero de pessoa transgênero).

Em resumo, conclui-se que as alterações de prenome e sobrenome perante o judiciário restaram expressamente previstas somente nas seguintes hipóteses: a) alteração de sobrenome em razão de fundada coação ou ameaça decorrente de colaboração com apuração de crime (§7o do mesmo artigo 57 da LRP); b) alteração do prenome pela mesma razão (artigo 58, parágrafo único); c) substituição do prenome por apelidos públicos notórios (artigo 58, caput).

Quanto às hipóteses de modificação pela via judicial não previstas expressamente, temos que: a) o interessado poderá requerer ao juiz a modificação de seu prenome caso suscetível de exposição ao ridículo (§1º do artigo 55); b) também poderá pedir ao juiz a modificação em caso de homonímia (§2º do artigo 55); c) ou ainda para desconstituição da modificação do nome realizada diretamente no cartório.

Por fim, ainda que fora do escopo deste estudo, mas dentro do contexto da LRP, importa observar que houve sensível alteração no artigo 67 da LRP, que trata das habilitações de casamento perante o Oficial de Registro Civil. Agora, não há mais previsão de remessa do procedimento ao Ministério Público, o que pressupõe a desnecessidade de sua manifestação. A redação anterior dizia que deveria haver a oitiva do MP, com remessa dos autos pelo cartório.

No entanto, ainda remanesce a previsão de oitiva do MP estabelecida no artigo 1.526 do Código Civil. Há aí um aparente conflito de normas, que pode ser solucionado pela aplicação dos critérios da hierarquia, cronologia e especialidade. O artigo 2º, §1º, da Lei de Introdução ao Código Civil regula que norma posterior revoga a anterior, sendo o entendimento de que a norma especial deve prevalecer sobre a geral.

Segundo tais critérios, o artigo 67 da LRP deverá prevalecer sobre o artigo 1.526 do CC, pois se trata de norma mais recente e estabelece disposições especiais a par das já existentes, tratando especialmente da matéria, ao revés da segunda, que regula a matéria de forma genérica. Tanto isso é verdade que a nova lei modificou também o prazo para a publicação dos editais de proclamas que eram de 15 dias, previstos no artigo 1.526 do CC, para até cinco dias (§1º do artigo 67 da LRP), e dispensou, agora, a afixação dos editais em mural no cartório e a publicação na imprensa local, restando apenas a publicação em meio eletrônico, possibilitando também a celebração do casamento por videoconferência (§8º). Ainda, a dispensa dos editais não mais deverá ser determinada pelo juiz, cabendo ao oficial essa providência (artigo 69, §2º).

Ora, tais inovações introduzidas pela nova lei também não revogaram expressamente dispositivos contrários ainda existentes no Código Civil, sendo despropositado afirmar que estes ainda se acham vigentes, sob pena de invalidar o propósito legislativo.

A questão ainda será analisada oportunamente pelos tribunais, que sedimentará o melhor entendimento. Contudo, desde já expressamos opinião que a partir da publicação da Lei nº 14.382/2022 não será mais necessária a remessa dos autos de habilitação de casamento ao Ministério Público para sua oitiva, restando apenas essa previsão para os casos de impedimento ou arguição de causa suspensiva, que deverão ser decididos pelo juiz (artigo 67, §5º), ou ainda para justificação de fato necessário à habilitação (artigo 68, §1º).

Cabe registrar que as inovações ora citadas têm por finalidade facilitar a mudança de nomes e sobrenomes, reafirmando o princípio da dignidade humana.

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