Opinião

Ilegalidade na tributação das gorjetas

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12 de agosto de 2022, 19h15

Tema em discussão no direito tributário ao longo de décadas, o conceito de faturamento para fins de tributação, mesmo após o julgamento do RE 574.706/PR, ainda possui um longo caminho a ser percorrido com o julgamento das chamadas "teses filhotes", que se propõem a segregação do ISS, IRPJ e do próprio PIS/Cofins dentre outros da base de cálculo do PIS/Cofins, que por vezes encontramos decisões que parecem ir contra o precedente consolidado em 2017.

Fotos Públicas
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O precedente firmado pelo Superior Tribunal Federal, no julgamento da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, não se prende exclusivamente na exclusão de tributos do faturamento no momento de apuração do quantum devido para fins de PIS, da Cofins, do IRPJ, podendo ter a sua aplicação estendida a outros valores que transacionam pelo caixa da empresa sem que haja efetiva apropriação dos valores pelo contribuinte.

Isto ocorre, pois o precedente vinculante estabelecido por meio do RE 574.706/PR, consolidou o entendimento que já se espraiava em diversos julgados do STF de que é possível haver o ingresso de numerários nos cofres da empresa, sem que este reflita aquisição de capacidade contributiva, haja vista, possuir destinação a outrem, ou seja, há mera posse ou detenção.

Destaca-se como um deste valores que apenas transacionam pelo caixa da empresa, as verbas referentes a gratificação em dinheiro recebidas pelos empregados em decorrência do serviço prestado, a gorjeta ou taxa de serviço, que é paga de forma voluntaria pelo cliente ao funcionário, elemento comum nos restaurantes, bares, hotéis e similares.

A gorjeta não é um resultado do faturamento da empresa, mas sim liberalidade de terceiro (o cliente) frente ao atendimento recebido pelo funcionário, sem o objetivo de remunerar a atividade desempenhada pela empresa. Tal prática embora muito comum em estabelecimentos que fornecem alimentação e bebidas, estende-se ainda a prestação serviços como é o caso das gorjetas pagas às camareiras.

Tal verba, embora repassada pela empresa ao funcionário não constitui salário para efeitos da legislação trabalhista, conforme o artigo 457 da CLT, porém integra a remuneração do empregado. Esta conclusão pode ser extraída da Súmula 354 do TST. Confira-se:

"Súmula nº 354 do TST GORJETAS. NATUREZA JURÍDICA. REPERCUSSÕES (mantida) Resolução 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado".

A legislação trabalhista, embora não trouxesse essa questão de forma clara, foi adotado o entendimento que os valores recebidos a título de gorjeta, pertenciam exclusivamente aos funcionários, sendo vedado inclusive a realização de descontos para ressarcir as despesas do sistema de taxa de serviço ou o repasse de valores ao sindicato da categoria profissional [1] [2] [3] tendo inclusive aqueles que vislumbrem a possibilidade haver crime de apropriação indébita, quanto a retenção indevida dos valores [4].

Em 2017, com a edição da Lei 13.419 de 13 de março, tornou-se mais claro o entendimento dado às gorjetas e o seu lugar no faturamento da empresa, haja vista que a referida legislação alterou a CLT, passando a estabelecer que os valores recebidos a título de gorjetas ou taxas de serviços não são pertencentes ao estabelecimento comercial, conforme redação dada ao parágrafo quarto do artigo 457 da CLT, que passou a explicitar que tais valores não constitui "receita", ou seja, estes não pertencem a empresa, estando fora do campo de tributação do faturamento.

"Artigo 457. ………………………………………………………….
§3º Considera-se gorjeta não só a importância espontaneamente dada pelo cliente ao empregado, como também o valor cobrado pela empresa, como serviço ou adicional, a qualquer título, e destinado à distribuição aos empregados.
§4º A gorjeta mencionada no §3º não constitui receita própria dos empregadores, destina-se aos trabalhadores e será distribuída segundo critérios de custeio e de rateio definidos em convenção ou acordo coletivo de trabalho".

Infelizmente a redação dada ao parágrafo quarto vigorou por apenas dois meses, sendo alterada pelo Lei 13.467 de 13 de julho de 2017, a qual excluiu tal previsão do ordenamento jurídico trabalhista, retornado ao status quo. Contudo a supressão desta previsão legal, não suplantou o direito do contribuinte em ver tais valores segregados do seu faturamento ou receita para efeitos de tributação.

Isto ocorre, pois embora legalmente não haja mais previsão para segregação de tais gratificações do faturamento da empresa, não houve modificação no instituto jurídico das gorjetas, a qual continua sendo valor pago do cliente para o empregado, apenas transitado pelo caixa da empresa, sem se integrar ao patrimônio desta, constituído verdadeiro administrador da coisa alheia.

Como tais valores por vezes são faturados juntos com a quantia recebida pelo fornecimento de produtos ou serviços, acabam por sofrer a tributação de ISS, ICMS, do PIS, da Cofins, do IRPJ e da CSLL.

No âmbito dos Estados, a questão foi solucionada por meio da implantação do Convênio ICMS 125/2011, que trouxe a exclusão da gorjeta como um benefício fiscal, assim autorizando a exclusão da gorjeta até o limite de 10% da base de cálculo do ICMS incidente no fornecimento de alimentação e bebidas promovido por bares, restaurantes, hotéis e estabelecimentos similares, ficando ao encargo de cada Estado regulamentar as regras para controle e fruição do benefício.

No que pese a possibilidade exclusão dos valores advindos de gorjeta e taxa de serviço do cálculo do ICMS, o enfrentamento da questão dada pelo referido Convênio, não trata-se do reconhecimento de que tais valores não são pertencentes a empresa, mas trás o tratamento de benefício fiscal, às empresas dos já referidos setores comerciais, ou seja, há dependência da norma para a redução do ônus tributário e não para definição que os respectivos valores estão fora do campo de incidência do ICMS (que seria bem vida por meio de Lei Complementar), por isto a imposição do limite de 10%.

Já na esfera federal a Receita foi instada a se pronunciar quanto ao mesmo tema, por meio das Soluções de Consultas Cosit nº 99 e 191 as duas de 2014. Em ambos os casos empresas enquadradas no Simples Nacional, consultavam a Receita Federal se seria possivel a exclusão das gorjetas da sua receita bruta e com respostas concordantes para a impossibilidade da exclusão das gorjetas da receita bruta, ante a ausência de previsão legal que autorize a exclusão dos referidos valores da base de cálculo, sendo autorizado apenas a exclusão de vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, conforme interpretação do §1º e caput, do artigo 3º da LC 123/06 e a Resolução CGSN nº 94/11, artigo 2º, inciso II.

Não obstante os entendimentos dos Fiscos estadual e federal, o Poder Judiciário tem sustentado posição divergente da interpretação empregada. Com precedentes favoráveis ao contribuinte em ambas as Turmas, o STJ tem possibilitado que as empresas passem a promover a exclusão dos valores recebidos a título de gorjeta de seu faturamento e/ou receita, é o que se depreende da análise dos julgados: REsp 399.596/DF; AgRg no AgRg nos EDcI no REsp 1339476/PE dentre outros precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Confira-se:

"TRIBUTÁRIO. GORJETA. NATUREZA SALARIAL. PIS. COFINS. IRPJ. CSLL. NÃO INCIDÊNCIA. 1. A gorjeta, compulsória ou inserida na nota de serviço, tem natureza salarial. Em consequência, há de ser incluída no cálculo de vantagens trabalhistas e deve sofrer a aplicação de, apenas, tributos e contribuições que incidem sobre o salário. 2. A exemplo do entendimento de que é ilegal a cobrança de ISS sobre os valores recebidos a título de gorjeta, é também ilegítima a exigência do recolhimento do PIS, IRPJ, CSLL e COFINS sobre a referida taxa de serviço. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AgRg nos EDcI no REsp 1339476/PE, relator ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/08/2013, DJe 16/09/2013)
TRIBUTÁRIO. GORJETA. PIS. Cofins. IRPJ. CSLL. PRESCRIÇÃO. TAXA Selic. 1. A jurisprudência desta Corte já assentou que a extinção do direito de pleitear a restituição de tributo sujeito a lançamento por homologação, em não havendo homologação expressa, só ocorrerá após o transcurso do prazo de cinco anos contados da ocorrência do fato gerador, acrescido de mais cinco anos contados da data em que se deu a homologação tácita. 2. A gorjeta, compulsória ou inserida na nota de serviço, tem natureza salarial. Em conseqüência, há de ser incluída no cálculo de vantagens trabalhistas e deve sofrer a incidência de, apenas, tributos e contribuições que incidem sobre o salário. 3. A exemplo do entendimento de ser ilegal a cobrança do ISS sobre os valores recebidos a título de gorjeta, é também ilegítima a exigência do recolhimento do PIS, IRPJ, CSLL e Cofins sobre o valor cobrado como taxa de serviço, desde que repassado integralmente aos empregados. 4. Na repetição de indébito, seja como restituição ou compensação tributária, com o advento da Lei n° 9.250/95, a partir de 1°.1.96, os juros de mora passaram a ser devidos pela taxa Selic a partir do recolhimento indevido, não mais tendo aplicação o artigo 161 c/c artigo 167, parágrafo único, do CTN. Tese consagrada na Primeira Seção, com o julgamento dos EREsp's 291.257/SC, 399.497/SC e 425.709/SC em 14.5.2003. 5.A Selic é composta de taxa de juros e correção monetária, não podendo ser cumulada com qualquer outro índice de atualização. 6. Recurso especial improvido. (REsp 399.596/DF, relator ministro CASTRO ME1RA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/03/2004, DJ 05/05/2004, p. 148)".

Embora não se possa falar em plena pacificação da questão, ante a ausência de um precedente vinculante, a concepção de que a gorjeta e a taxa de serviço não integram ao patrimônio da empresa, assim não prestando como base de cálculo para apuração de tributos, tem encontrado campo estável no Poder Judiciário, não restando grandes questionamentos pela Procuradoria Federal, a qual tem se limitado a invocação das Soluções de Consulta para fundamentar a não exclusão dos referido valores na seara do Simples Nacional.

Deste modo, apesar de haver concreto cabedal jurídico que fundamente a exclusão dos valores recebido a título de gorjeta do faturamento/receita, verifica-se que ante a objeção da Receita Federal a legitimar tal pratica, bem como a ausência de previsão normativa quanto ao tema, o melhor e mais seguro caminho se encontra na busca de uma decisão judicial que venha a chancelar a exclusão destes valores da tributação, assim possibilitando ao contribuinte o recolhimento de tributos de forma justa e conforme a sua capacidade contributiva.

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[1] TST-E-ED-RR-139400-03.2009.5.05.0017, SBDI-1, relator ministro Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 21/11/2014.
[2] TST-RR-10092-20.2013.5.05.0001, 8ª Turma, relatora ministra Dora Maria da Costa, DEJT 26/5/2017.
[3] TST-RR – 578-72.2015.5.05.0001, 2ª Turma, relatora ministra: Maria Helena Mallmann, Data de Julgamento: 21/08/2018, DEJT 24/08/2018.
[4] TST-RR-5-64.2011.5.05.0004, 2ª Turma, relatora ministra: Delaíde Miranda Arantes, Data de Julgamento: 04/12/2018.

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