Opinião

Retroatividade da norma mais benéfica no auto de infração trabalhista

Autor

12 de agosto de 2022, 11h04

A retroatividade de lei mais benéfica é um princípio geral do direito e determina que a norma posterior que deixa de definir um ato ou fato como infração, ou reduz a penalidade a ele cominada, se aplica imediatamente aos atos ou fatos anteriores, para excluir ou minorar as sanções impostas pela autoridade.

A aplicação do princípio da retroatividade não se restringe ao direito penal e deve ser estendida a todo os ramos do direito sancionador, no que se incluem as penalidades administrativas impostas pelo auditor fiscal to Trabalho, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego, no exercício da sua competência de fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista. Esta é a premissa que será aqui defendida e que já vem sendo acolhida pelos tribunais.

A retroatividade da norma mais benéfica é extraída a partir da leitura do texto constitucional (artigo 5º, XL), do Pacto de São José da Costa Rica (artigo 9), do Código Penal (artigo 2º, parágrafo único) e do Código Tributário Nacional (artigo 106).

Em comum, os dispositivos citados preveem que a lei retroagirá apenas para beneficiar o infrator, e nunca para prejudicá-lo, de forma que a penalidade menos severa cominada pela norma posterior substitui a mais grave aplicada com fundamento na lei vigente ao tempo da prática do ato. No caso de revogação da norma que tipificava o ilícito, o ato deixa de ser punível.

Embora a Constituição faça referência à retroatividade da norma mais benéfica apenas no âmbito penal, o princípio deve ser aplicado de forma ampla em todo o direito sancionador, assim como o Pleno do Supremo Tribunal Federal (STF) já afirmou em relação à incidência do princípio da presunção de inocência aos processos administrativos sancionadores (MS 23.262/DF).

Esse entendimento vem sendo adotado pelos tribunais brasileiros e foi acolhido também pela 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao decidir que "o princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no artigo 5º, XL, da Constituição da República, alcança as leis que disciplinam o direito administrativo sancionador".

Em outra oportunidade (REsp 1.153.083/MT), o STJ decidiu ser possível extrair do artigo 5º, XL, da CF, um princípio implícito do Direito Sancionatório, segundo o qual a lei mais benéfica retroage.

Esse mesmo raciocínio é reforçado pelo Pacto de São José da Costa Rica (Decreto 678 de 1992), norma com status supralegal, que não limita a aplicação do princípio da retroatividade ao direito penal (artigo 9).

Em se tratando de ato punitivo estatal, é imprescindível a exata correspondência entre a infração e o ato ou fato descrito na norma, sob pena de afronta ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica e da legalidade estrita. Constatada a insubsistência dessa correspondência, a autoridade judicial ou administrativa deve declarar a nulidade do auto de infração a qualquer momento.

No âmbito do direito do trabalho, tais fundamentos são perfeitamente aplicáveis. Para exemplificar, vejamos o caso em que o auto de infração lavrado em 2018 pelo auditor fiscal do trabalho, cuja capitulação corresponde ao item 7.4.4.1 da Norma Regulamentadora nº 7, com redação dada à Portaria nº 24/1994, determinava que a primeira via do Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) deveria ficar arquivada no local de trabalho do trabalhador.

Ocorre que tal norma foi revogada pela Portaria SEPRT nº 6.734, de 10 de março de 2020, sendo que não subsiste mais na atual redação da NR-7 a obrigação de arquivamento físico da via original do ASO no local da prestação de serviço.

Desse modo, tanto a ação anulatória judicial quanto o processo administrativo, em trâmite, devem acolher a pretensão do infrator para anular os

Autos de infração lavrados na antiga redação da norma, já que a referida capitulação não subsiste mais no ordenamento jurídico.

Nessa mesma linha de raciocínio, o acórdão proferido no Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região declarou a nulidade do processo administrativo e do auto de infração cuja capitulação envolve a ilicitude da terceirização prevista na Súmula 331 do TST, a qual foi superada após a vigência da Lei 13.467/17.

No referido acórdão, o relator desembargador Fernando Antonio Zorzenon da Silva destacou que a diferença entre ilícito penal e ilícito administrativo está apenas no grau de reprovabilidade da conduta praticada, o que atrai os princípios da retroatividade da lei mais benéfica no âmbito do direito do trabalho e no direito administrativo sancionador.

Assim, o acórdão fundamentou que, superada a orientação estabelecida na Súmula nº 331 do TST quanto à formação de vínculo empregatício na hipótese de terceirização de atividade fim, passando a vigorar no país a plena possibilidade de terceirização de quaisquer das atividades da tomadora, inclusive sua atividade principal, não há motivos para manter a penalidade aplicada e o processo administrativo.

Veja-se que até a data do julgamento definitivo na esfera administrativa o ato pode ser revisto, tanto por meio de controle revisional realizado pelo próprio agente público sancionador, como judicialmente por meio de ação anulatória.

Inclusive, a nulidade ou a atenuação da pena do auto de infração, bem como a improcedência no processo administrativo, em razão da retroatividade da lei mais benigna, pode ser arguida de ofício, tendo em vista se tratar de matéria de ordem pública. Aliás, o artigo 149, I, do CTN dispõe sobre o dever legal da autoridade de revisar o lançamento de ofício, de forma que a multa mais benéfica deve ser aplicada a todos os créditos tributários já constituídos, em cobrança administrativa, até mesmo quando esgotado o prazo para a impugnação.

Por essas razões, sustenta-se que as penalidades administrativas impostas pelo Ministério do Trabalho e Emprego na fiscalização do cumprimento da legislação trabalhista devem ser revistas para beneficiar o autuado, quando constatada a revogação ou modificação do fundamento legal que embasou a lavratura do auto de infração.

Referências
BALEEIRO, Aliomar. Direiro Tributário Brasileiro, 10ª Edição, Rio de Janeiro, Forense, 1981, p. 428/429.

PAUSEN. Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência/Leandro Paulsen. 16. ed.  Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora; ESMAFE, 2014.

STJ, RMS 37.031/SP, ministra Regina Helena Costa 1ª Turma, j. em 8/2/2018.

STF. RE 596.152, relator ministro Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 13.2.2012.

TRT1, ROT 0102483-67.2017.5.01.0032. Rio de Janeiro. Relator desembargador Fernando Antonio Zorzenon Da Silva. Data do Julgamento: 14/07/2020. 9ª Turma. 21/07/2020.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!