Estúdio Conjur

O procedimento administrativo ambiental sancionador e a prescrição

Autores

  • Victor Athayde Silva

    é sócio do escritório David & Athayde Advogados mestrando pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos e consultor em Direito Administrativo Regulatório Integridade Corporativa Licitações Contratos Administrativos Ambiental Minerário e Urbanístico.

  • Johann Soares de Oliveira

    é sócio do escritório David & Athayde Advogados pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Multivix (ES) e consultor em Direito Administrativo Ambiental Minerário e Urbanístico.

  • João Pedro Riff Goulart

    é sócio do escritório David & Athayde Advogados pós-graduando pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) em Direito Econômico e Regulatório e consultor em Direito Administrativo Regulatório integridade corporativa licitações e contratos administrativos.

12 de agosto de 2022, 8h54

O procedimento administrativo sancionador ambiental tem por escopo apurar eventuais infrações oriundas de condutas que possam ultrajar normas jurídicas destinadas à proteção do meio ambiente, o que, em regra, pode resultar na imposição das respectivas sanções administrativas que vão desde multas até restrições a direito (embargo de área ou interdição de atividade).

Ocorre, entretanto, que a instrução do procedimento sancionador exige, por estrita observância às regras e preceitos que regem à Administração Pública, o respeito a etapas cruciais para o adequado desfecho dos autos, o que pode tornar morosa a responsabilização do infrator.

Isto porque a pretensão punitiva da Administração Pública, não raras vezes, depara- se com a dicotomia entre a necessária celeridade na apuração dos fatos versus a escassez de recursos dos respectivos órgãos fiscalizadores, que contam com parca estrutura de trabalho e organizacional, afetando diretamente suas finalidades precípuas.

O resultado esperado não poderia ser outro: muito embora haja um elevado índice de autuações e lavraturas de autos de infração, a pretensão punitiva da Administração Pública encontra óbice no instituto da prescrição, que, registre-se, deflui como um direito constitucional e uma garantia fundamental do administrado.

Um claro exemplo disso, no plano federal, são as recentes notícias veiculadas nos meios de comunicação sobre a estimativa feita pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)[1].

No Plano Nacional de Enfretamento ao Passivo Processual de Autos de Infração [2], elaborado pelo Ibama, estimou-se que até 2024 haveria um quantitativo de 37.204 processos com indicativo de prescrição ou prescritos.

Fonte: Plano Nacional de Enfretamento ao Passivo Processual de Autos de Infração 

No presente caso, o esboço elaborado pelo Ibama considerou a prescrição intercorrente dos procedimentos administrativos.

Essa realidade, porém, não é peculiar do Ibama, já que atinge diretamente todos os órgãos de fiscalização, seja no plano municipal, estadual ou federal, o que exige sempre do administrado uma atenção na condução e análise dos procedimentos, que podem estar acometidos pela prescrição, já que há importantes peculiaridades e distinções que devem ser consideradas.

Diante deste cenário ora ilustrado, demonstraremos a seguir situações onde é possível se pleitear o reconhecimento da prescrição intercorrente, o que ocasionará à extinção e arquivamento do respectivo procedimento.

Com efeito, cidadãos e pessoas jurídicas são hipossuficientes perante o poder estatal de persecução. Segundo Lênio Streck [3], a prescrição é uma garantia para aqueles, um ganho, uma conquista civilizatória.

A prescrição intercorrente 
O Ibama tem a prerrogativa de fiscalizar e punir, administrativamente, por descumprimento de legislações específicas (Lei n.º 9.605/98, principalmente). Tais processos administrativos ambientais sancionadores possuem suas particularidades. Dentre elas, está a natureza jurídica dos créditos cobrados de particulares que exploram recursos naturais sob a administração federal.

Assim sendo, é comum que as empresas sejam cobradas no bojo de processos administrativos pelo não pagamento de multa decorrente de descumprimento de legislação ambiental ou até mesmo serem impostas demais penalizações pelos órgãos de fiscalização (v.g., perdimento de bens).

Nesses casos, pode incidir a prescrição intercorrente e o empresário ser amplamente beneficiado. Explica-se.

Tal modalidade de prescrição destina-se a encerrar qualquer possibilidade de punição, quando a Administração Pública, seja por desídia ou inércia, demora além de determinado prazo para concluir processos administrativos sancionadores em que ilícitos sejam investigados.

Em âmbito federal, a prescrição intercorrente foi instituída pela Lei n.º 9.873/99 (art. 1º, §1º) e ocorre se passados mais de três anos sem decisões ou atos que importem em investigação dos fatos.

Inclusive, esse mesmo racional pode ser aplicado a outros processos administrativos sancionadores federais que visam o pagamento de multas e demais penalizações por descumprimento de legislação específica, tal como o processo minerário (Parecer n.º 003/2010-PROGE/DNPM-LGM [4] e Parecer n.º 228/2016/CAM/PF-DNPM-SEDE/PGF/AGU [5]).

A multa decorrente do descumprimento da legislação ambiental importa punição por ato ilícito, por isso é compatível com o instituto da prescrição intercorrente.

Aqui há exercício do Poder de Polícia, e, portanto, o art. 1º, §1º, da Lei n.º 9.873/99, é aplicável. Logo, passados três anos de inércia da Administração Pública para a aplicação de multa por descumprimento de legislação ambiental, o PAS se tornará nulo e deverá ser arquivado sem qualquer sanção.

Aplica-se o mesmo entendimento a demais penalizações por descumprimento de legislação ambiental, tal como a sanção de perdimento de bens. A única diferença é que, se a natureza da infração for permanente, a punição poderá ser considerada imprescritível (TRF1 – AI: 10214675220204010000 [6]).

Por isso, a prescrição intercorrente em âmbito federal é um instituto tão importante na defesa de autuados (pessoas físicas e jurídicas) que estejam respondendo a processos administrativos sancionadores perante o Ibama, cabendo aos seus representantes legais usá-la com inteligência e de forma adequada à natureza jurídica de cada uma das verbas exigíveis, evitando-se condenações vultosas.

Além disso, informações como aquelas divulgadas sobre as estimativas do Ibama das prescrições merecem atenção do administrado, que, encontrando-se neste cenário, pode se beneficiar do instituto da prescrição intercorrente, sobretudo porque está previsto (e sem viés de ateração) que o Ibama deixará de arrecadar até R$ 20 bilhões em multas simplesmente por demorar a digitalizar processos[7].

Portanto, cabe aos autuados revisarem seus passivos decorrentes de responsabilidade administrativa ambiental para identificarem eventualmente erros da Administração Pública federal, especialmente o Ibama, para que possam estar livres de eternização ilegal de procedimentos sancionatórios. 


[1] Disponível em: Ibama prevê que quase 40 mil multas ambientais expiram em 2024, diz nota sob sigilo. Acesso em: 21 de julho de 2022.

[2] Disponível em: Multas Ibama. Acesso em: 21 de julho de 2022. 

[3] Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-dez-09/lenio-streck-dallagnol-prescricao-januario-delacao. Acesso em 18 de julho de 2022.

[4] Disponível em: http://anexosportal.datalegis.net/arquivos/1453674.pdf. Acesso em 18 de julho de 2022.

[5] Disponível em: http://anexosportal.datalegis.net/arquivos/1453674.pdf. Acesso em: 18 julho 2022.

[6] Disponível em: https://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1100672666/agravo-de-instrumento-ai-ai 10214675220204010000/inteiro-teor-1100672670. Acesso em: 18 julho 2022.

[7] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47933471. Acesso em: 09 de agosto de 2022.

Autores

  • é sócio do escritório David & Athayde Advogados, mestre pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) em Gestão e Regulação de Recursos Hídricos e realiza consultoria em Direito Administrativo, Integridade Corporativa, Licitações, Contratos Administrativos, Ambiental, Minerário e Urbanístico.

  • sócio do escritório David & Athayde Advogados, pós-graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Multivix, e realiza consultoria em Direito Administrativo, Ambiental, Minerário e Urbanístico.

  • é associado do escritório David & Athayde Advogados, pós-graduando pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) em Direito Econômico e Regulatório e realiza consultoria em Direito Administrativo, Integridade Corporativa, Licitações e Contratos Administrativos.

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