Opinião

Inconstitucionalidade da cobrança do Funrural em concomitância com a Cofins

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12 de agosto de 2022, 6h09

Em recente decisão, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região conferiu a uma empresa atuante no agronegócio o direito de não recolher a contribuição ao Funrural calculada sobre a receita bruta, uma vez que já se sujeita ao recolhimento de Cofins sobre o seu faturamento, possibilitando, também, a restituição dos valores pagos indevidamente pela empresa nos cinco anos anteriores à propositura da ação.

Contextualizando a discussão, a contribuição ao Funrural destina-se ao custeio da Seguridade Social a fim de garantir os benefícios previdenciários e assistenciais aos trabalhadores rurais, adotando como base de cálculo a receita decorrente da comercialização da produção pelas pessoas jurídicas e produtores rurais pessoa física que possua ou não empregados. Por sua vez, a Cofins também constitui uma contribuição destinada ao custeio da Seguridade Social, sendo cobrada com base na receita bruta/faturamento das empresas em geral.

No caso em comento, a empresa autora da ação judicializou a questão por considerar indevida a cobrança de ambas as contribuições (Funrural e Cofins) por incidirem sobre a mesma grandeza econômica e idêntica base de cálculo, qual seja, a receita bruta, situação vedada no atual ordenamento jurídico por configurar práticas ilegais combatidas pela Constituição Federal: a instituição de uma nova fonte de custeio à seguridade social por meio de lei ordinária e a ocorrência do fenômeno da bitributação.

Em relação ao primeiro argumento, a Corte fez referência ao incidente de arguição de constitucionalidade (Apelação Cível 2008.70.16.000444-6/PR), julgado pela Corte Especial do TRF da 4ª Região, na qual se reconheceu a inconstitucionalidade da cobrança do Funrural às pessoas jurídicas sob o fundamento de que, sendo equipado a empresa, o produtor rural pessoa jurídica tem a sua receita bruta da comercialização da produção rural equiparada a faturamento, sobre a qual já incide a Cofins. 

Nesse sentido, não poderia a União cobrar sobre a mesma base de cálculo (receita da produção rural) a contribuição ao Funrural, instituída por lei ordinária, haja vista que novas fontes de custeio da seguridade social somente poderiam ser instituídas por meio de lei complementar, nos termos do disposto nos artigos 154, inciso I e 195, §4º da Constituição Federal.

De outro lado, trouxe a questão em relação à bitributação, a qual consiste na situação em que o contribuinte é submetido a uma dupla cobrança de tributos incidentes sobre o mesmo fato gerador, cobrados por Entes Públicos distintos, cuja prática é proibida pela Constituição, excetuadas duas situações específicas, as quais não se afiguram presentes na atual discussão: a hipótese emergência nacional e bitributação internacional.

Neste ponto, ressalta-se que, apesar de o acórdão proferido pelo Tribunal fazer menção à hipótese de bitributação, parece-nos que seria a hipótese de bis in idem, haja vista que, no caso em análise, o mesmo Ente Público (União) tributa duplamente o mesmo fato gerador (auferimento de receita bruta). Contudo, em termos práticos, o entendimento de injusta cobrança em ambos os casos permanece o mesmo.

Essa injusta cobrança, em que pese seja inconstitucional, é comumente vista e discutida judicialmente pelos contribuintes, sendo justificada, por muitos, em razão da complexidade da legislação tributária brasileira, que pode conter textos ambíguos e com múltiplas interpretações.

Sendo assim, uma vez que os enquadramentos da empresa convencional e da empresa rural são considerados equiparados para fins de tributação, e ocorrendo a cobrança de Cofins incidente sobre a receita bruta e/ou faturamento de ambas, torna-se vedado, constitucionalmente, a instituição, via lei ordinária, de outra contribuição destinada ao financiamento da seguridade social (Funrural) sobre a mesma grandeza econômica (base de cálculo).

A decisão confere uma grande oportunidade para o setor do Agronegócio, haja vista que a tributação do Funrural se submete à alíquota de 2,3% sobre o valor da comercialização da empresa rural. Neste sentido, caso o entendimento proferido prevaleça perante os tribunais, os valores a serem recuperados poderão ser milionários, uma vez que é conferida a possibilidade de restituição dos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação.

De forma prática, é possível realizar uma breve simulação dos valores a serem recuperados.

Sendo aplicada a alíquota de 2,3% sobre a receita proveniente da produção agrícola, aqui estimada em R$ 2 milhões, o valor mensal a ser recuperado será de R$ 46 mil, resultando à restituição aproximada de R$ 2,76 milhões referente aos cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação, atualizados pela taxa Selic. Importante ressaltar que os valores só poderão ser aproveitados após a finalização do processo, por vedação expressa do Código Tributário Nacional. 

Destaca-se que a decisão em questão não foi proferida pelos tribunais superiores, isto é, não possui força vinculante a todos que se depararem com a mesma situação, entretanto, representa substancial indicativo às empresas do setor do agronegócio.

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