Opinião

Proteção patrimonial dos bens dos sócios

Autor

  • Fernando Brandariz

    é mestrando pela Escola Paulista de Direito (EPD) especialista em Direito Processual Civil pela Faculdade Metropolitanas Unidas (UNIFMU) e em Direito Empresarial Direito Internacional e Law of Masters (LLM) pela Escola Paulista de Direito (EPD) presidente da Comissão de Direito Empresarial da subseção Pinheiros OAB/SP e membro da comissão de juristas do Senado Federal para estudos sobre a reforma do Código Comercial.

10 de agosto de 2022, 13h03

Grande parte da sociedade não enxerga os empresários com bons olhos. Normalmente está associada aos lucros recebidos por eles em detrimento ao pagamento dos salários, muitas vezes com valores insuficiente para manter o mínimo de padrão dos que recebem.

Esquecem que os empresários investem na construção de um negócio, passam a sofrer riscos trabalhistas, consumeristas, ambientais, alteração de leis e instruções normativas, alterações de políticas econômicas e, não podemos deixar de comentar, a recente pandemia mundial.

Muitos empresários e parte da população ainda pensam que o patrimônio dos sócios da sociedade não serão atingidos por dividas movidas contra a sociedade, seja ela trabalhista, execução fiscal entre outras.

A afirmação está correta se lermos somente o artigo 49-A do código civil, inserido pela Lei nº 13.874/19 chama de Lei da Liberdade Econômica, in verbis:

"Artigo 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores."

Embora essa seja a regra, existe a exceção tanto no mesmo diploma legal quando em outros.

No mesmo diploma legal, Código Civil, artigo 50 expressamente, in verbis:

"Artigo 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso."

Ainda, o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

"Artigo 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração".

No diploma trabalhista, Decreto-Lei nº 5.4528/43, consolidação das leis trabalhistas alterado pela Lei 13.467/17, o artigo 855-A autoriza o incidente da desconsideração da personalidade jurídica expresso nos artigos 133 a 137 da Lei 13.105/15, chamado de código de processo civil, in verbis:

"Artigo 133. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo."

Portanto, o princípio da autonomia patrimonial não é absoluto, existindo exceções nas hipóteses de abuso da personalidade jurídica, confusão patrimonial, excesso de poder, infração da lei, violação dos estatutos ou contrato social.

A doutrina divide em duas teorias a desconsideração da personalidade jurídica, Teoria Maior e Teoria Menor.

A Teoria Maior alega que para que ocorra o afastamento da personalidade jurídica e afetação direta do patrimônio dos sócios, ou o inverso dependendo do caso, é necessário que esteja devidamente comprovado a ocorrência de atos fraudulentos que foram cometidos comprovadamente com o intuito de prejudicar credores.

Não é à toa que é chamada de Teoria Maior, por justamente ser a teoria que é majoritariamente adotada pelos tribunais de todo o país, pelo simples fato dos julgadores compreenderem os danos e prejuízos que tal desconsideração traz tanto à pessoa jurídica, quanto à seus sócios, sendo a última via possível, desde que devidamente constatados os atos fraudulentos.

Em sequência, a desconsideração da personalidade jurídica trazida pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 28, nos traz o que os doutrinadores chamam de Teoria Menor da desconsideração, que aborda um procedimento inúmeras vezes mais agressivo à empresa inadimplente do que a Teoria Maior do Código Civil.

Isso ocorre pelo fato de que a Teoria Menor, visando a proteção dos consumidores hipossuficientes, adotou um procedimento de que o mero inadimplemento, obstrução ou dificuldade no adimplemento e abuso de direito em face do consumidor, cometido pelo fornecedor, já é motivação suficiente para que a personalidade jurídica seja devidamente afastada e os sócios respondam solidariamente pelo débito em questão.

A Teoria Menor é a usada nas decisões da justiça especializa do trabalho para responsabilizar os sócios da sociedade devedora.

A desconsideração da personalidade jurídica não é a única situação que poderá ocorrer a expropriação dos bens dos sócios. Muitas vezes temos decisões que formam grupos econômicos, seja na justiça especializada do trabalho seja nas demais.

Significa, em breves linhas, que se a sociedade X tem problemas financeiros e por consequência não consiga honrar com os débitos executados e seu sócio também é sócio de outra (s) empresa (s), essa (s) empresa (s) que não são as devedoras principais, poderão sofrear as consequências, sendo portanto, responsáveis pelo pagamento do débito.   

Muitos empresários, por dividas criadas pela empresa, acabam tendo o patrimônio pessoal expropriado para paga-las. Esse fato não é isolado, muito pelo contrário. Grandes empresários que tiveram sucesso no passado, por uma alteração do mercado ou legislativa, tem os bens da empresa e pessoal expropriados.

Não defendemos o uso de meios ilícitos para a proteção dos bens dos sócios como evasão de dividas, ocultação de patrimônio, utilização de "laranjas" para serem os proprietários dos bens.

Quase todos os dias vemos na imprensa operações que desmontam tentativas de ocultação de patrimônio com a utilização de "laranjas". Alertamos que a pratica do uso de laranja é considerado crime e não podemos esquecer também, que a pessoa utilizada como "laranja" poderá, se solteira, contrair núpcias, separar e falecer, sendo que o real proprietário dos bens muitas vezes não é seu herdeiro.

 A realização da proteção patrimonial não é ilegal e se vale do conhecimento de profissionais qualificados para analisar a atual situação e apresentar a melhor estrutura para o caso, dentro da legalidade.

Muitos se valem da utilização da denominada holding, transferindo grande parte ou a totalidade dos seus bens para essa sociedade.

Ao se criar uma holding, objetiva-se a concentração do patrimônio da família, facilitando a gestão dos bens e ainda obtendo maiores benefícios fiscais em caso de sucessão.

A criação desse tipo de sociedade é de grande valia para a família que, possuindo grande patrimônio, concentra os bens no seio familiar e nas mãos daqueles que serão aptos a prosseguir com o bom andamento dos negócios.

A holding pode ser uma sociedade brasileira ou internacional. Se for brasileira pode ter o tipo societário limitada, sociedade anônima ou unipessoal. Sendo internacional, poderá ter o tipo societário LLC (Limited Liability Company), Corp (Corporation), S.A (Sociedad Anónima) entre outras.

Como vimos acima, existe o risco de ter uma decisão declarando grupo econômico duas ou mais sociedades com o mesmo sócio ou, eventualmente, com parentes do sócio da sociedade devedora. É o chamado grupo econômico familiar.

Concluímos que a utilização da holding nacional para a proteção patrimonial poderá não surtir os efeitos esperados posto as peculiaridades acima demonstrada, formação de grupo econômico entre as sociedades operacionais e patrimoniais.

Entendemos que a melhor forma de estruturar a proteção patrimonial é analisar o caso em si e apresentar o melhor caminho para o empresário.

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