Opinião

Não confunda crime de ameaça com o contra o Estado democrático de Direito

Autor

  • César Dario Mariano da Silva

    é procurador de Justiça (MP-SP) mestre em Direito das Relações Sociais (PUC-SP) especialista em Direito Penal (ESMP-SP) professor e palestrante autor de diversas obras jurídicas dentre elas: Comentários à Lei de Execução Penal Manual de Direito Penal Lei de Drogas Comentada Estatuto do Desarmamento Provas Ilícitas e Tutela Penal da Intimidade publicadas pela Editora Juruá.

10 de agosto de 2022, 18h12

Não se deve confundir o crime de ameaça, previsto no artigo 147 do Código Penal, com o de abolição violenta do Estado democrático, elencado no artigo 359-L, do Código Penal, instituído na legislação por meio da Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, que revogou a Lei de Segurança Nacional, e trata de delitos que atentam contra o Estado democrático de Direito em seu sentido mais amplo.

A novel legislação trouxe para o mundo jurídico diversos dispositivos, que cuidam de crimes de suma gravidade, que atingem bens jurídicos vitais para a manutenção do Estado democrático de Direito.

Os bens jurídicos tutelados são a integridade territorial e a soberania nacional, o regime representativo e democrático, a Federação e o Estado democrático de Direito, bem como a segurança nacional. Assim, para que ocorra qualquer um dos delitos, a depender de qual deles, a conduta praticada por uma pessoa qualquer deverá ferir um desses bens (crime de dano) ou colocá-lo em risco (crime de perigo). Dessa forma, não será uma conduta qualquer, mas uma bem grave, a fim de não se banalizar o emprego desta lei, que sempre será excepcional.

O novo tipo penal, sobre o qual já tive oportunidade de discorrer de forma mais aprofundada em artigo publicado aqui na ConJur, tem como um de seus elementos constitutivos o crime de ameaça, que, nos termos do que preceitua o princípio da subsidiariedade no conflito aparente de normas, é norma eminentemente subsidiária, e será aplicada se a conduta não constituir elemento de crime mais grave, como roubo, extorsão e estupro. Cuida-se, assim, de verdadeiro "soldado de reserva", que incidirá se o "soldado titular" (norma mais severa) não for ou não puder ser empregado.

A famigerada norma penal incriminadora diz que: "Artigo. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: Pena reclusão, de quatro a oito anos, além da pena correspondente à violência".

A grave ameaça, no caso, é endereçada a alguém com a finalidade especial de abolir o estado democrático de direito, mediante o impedimento ou a restrição do exercício dos poderes constitucionais. Trata-se de crime de suma gravidade, que atinge bem jurídico fundamental para a manutenção da ordem democrática e da República. Por isso, o apenamento severo.

O crime de ameaça, por outro lado, é infração de pequeno potencial ofensivo, com pena muito amena, que não justifica e autoriza a decretação de prisão preventiva, reservada para delitos muito mais graves. Dispõe o artigo 147 do Código Penal: "Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena — detenção, de um a seis meses, ou multa".

Ameaçar é, portanto, revelar à vítima o propósito de causar-lhe um mal injusto e grave, atual ou futuro. A promessa de mal pode ser da produção de dano ou perigo, pouco importando qual deles seja prenunciado pelo agente.

Não há no delito de ameaça uma finalidade especial. Ela existe por si mesma, é genérica, com o propósito de impingir medo ou intranquilidade à vítima. No caso de haver uma finalidade especial como a obtenção de ganho sexual não consentido pela vítima, indevida vantagem econômica, subtração de bem alheio móvel, impedimento ou restrição do exercício dos poderes constitucionais com o intuito de abolir o estado democrático de direito, o delito será outro mais grave, nos casos exemplificados, respectivamente, estupro (artigo 213 do CP), extorsão (artigo 158 do CP), roubo (artigo 157 do CP) e abolição violenta do estado democrático (artigo 359-L do CP).

Até entendo que o delito de ameaça, por atingir a paz de espírito e tranquilidade das pessoas, quando paira no ar promessa de mal injusto e grave, deveria cominar pena mais severa, mas não é o que ocorre por expressa disposição legal.

Não há sentido e nem é permitido pelo Código de Processo Penal, exceto se o delito envolver violência doméstica ou familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para assegurar a execução das medidas protetivas de urgência, ou quando o agente não é identificado ou reincidente em crime doloso, decretar-se a prisão preventiva em crimes cuja pena máxima não exceda a quatro anos, notadamente se, mesmo advindo a condenação, não resultar no cumprimento de pena de prisão, mas de restritiva de direitos ou aplicação da suspensão condicional da pena (sursis).

Para esse delito (ameaça) é cabível acordo de não persecução penal, transação penal e suspensão condicional do processo. É, portanto, muito pouco provável a instauração de processo criminal e a imposição de pena de prisão, até porque, advindo condenação, é passível de suspensão condicional da pena (sursis).

Enfim, aquele que publica vídeos, escreve (posta) nas redes sociais, envia mensagens eletrônicas ou cartas com meras ameaças, mesmo que endereçadas a magistrados, parlamentares e outros agentes políticos, mas que não tenham o potencial de colocar em risco o Estado democrático de Direito, deve responder pelo delito subsidiário (artigo 147 do CP) e não pelo crime mais grave (artigo 359-L do CP), reservado para situações anômalas e excepcionais.

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