Defesa da Concorrência

Tendências no combate a cartéis — notícias do International Cartel Workshop 2022

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8 de agosto de 2022, 8h02

No fim de junho de 2022, autoridades, acadêmicos e advogados antitruste de todo o mundo se reuniram em Lisboa, Portugal, para o tradicional International Cartel Workshop [1], evento bienal que é um dos principais fóruns de discussão sobre o tema. Os debates ao longo do workshop dizem muito sobre o status e tendências na persecução a cartéis.

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Nos discursos das autoridades de diferentes países, como sempre, alguns assuntos usuais permaneceram fortes na pauta. É o caso do combate a cartéis em licitações, alvo contínuo de atenção e prioridade de agências antitruste em geral. Assim permanece.

Não obstante, algumas expressões raramente ouvidas em discursos de natureza antitruste foram mencionadas. Por exemplo, a palavra inflação; muito em razão da situação econômica vivida na Europa. Algumas autoridades discutiram o papel de agências de concorrência em face de eventos inflacionários — a maioria de maneira a afastar uma vocação ou capacidade do antitruste para lidar com esse problema de forma geral, enfatizando-se a função da defesa da concorrência no sentido de coibir condutas anticompetitivas pontuais que, aí sim, podem gerar aumentos de preços em certos mercados.

Uma forte e relativamente nova tendência em investigações de cartéis pôde ser sentida pela própria escolha do caso hipotético principal usado como base para os debates ao longo do workshop. Enquanto nos últimos anos as discussões tinham como pano de fundo cartéis transnacionais tradicionais de fixação de preços e divisão de mercado, espelhando as investigações majoritárias das autoridades, este ano o caso-base envolveu condutas de no-poaching e trocas de informações entre concorrentes.

Trata-se de uma virada no foco da persecução a condutas colusivas, que já vinha sendo paulatinamente sentidas [2], e que entrou na agenda de vez com a recente política do US DoJ de focar seus recursos e atenções para condutas anticompetitivas relacionadas ao mercado de trabalho, como wage fixing e acordos entre concorrentes de não aliciamento de mão-obra (no-poach), ocasionando uma série de novos casos, muitos deles ainda sob análise das cortes norte-americanas.

Investigações de trocas de informações concorrencialmente sensíveis entre rivais, nesse caso não necessariamente ou comumente relacionadas a relações de trabalho, também cresceram de importância como alvo de investigações de agências de concorrência.

Ocorre que o surgimento desses temas, ainda muito novos, vem necessariamente acompanhado de muitos debates ainda em aberto, todos eles alvo de discussões no Cartel Workshop. Por exemplo, ao contrário de cartéis tradicionais, cuja potencialidade de efeitos deletérios é de apreensão intuitiva e já testada diversas vezes pela literatura econômica, quais e quão graves são os reais efeitos anticompetitivos de condutas como no-poaching e trocas de informações sensíveis? O tratamento antitruste analítico dessas espécies de condutas deve se dar pela regra da razão (avaliação de efeitos) ou pela regra per se? Como calcular sanções? E, especialmente nos Estados Unidos, deve-se tratar essas condutas criminalmente ou civilmente?

Grandemente, atribui-se essa escalada de condutas periféricas como alvo de investigações antitruste a uma outra tendência, já sentida e debatida ao longo dos últimos poucos anos, e que hoje é bastante clara nos discursos de autoridades e advogados: um aparente decréscimo relevante no número de acordos de leniência firmados a nível global, e que até então eram a grande fonte de investigações de cartéis hard core mundo afora. Sem leniências expondo cartéis transnacionais clássicos de fixação de preço, de oferta e de divisão de mercado, muitas autoridades passaram a voltar as suas atenções a outras espécies supostamente colusivas, como exchagne of information e no-poach. Esta última contou, ainda, com um incentivo adicional da nova política antitruste propagada pela administração do presidente norte-americano Joe Biden, que conclamou um combate ao que entende serem problemas de origem concorrencial no mercado de trabalho.

Mas na frente leniência, as falas de autoridades no workshop também trouxeram subsídios interessantes. Notadamente, a maioria dos agentes públicos reconheceu uma diminuição na procura dos seus programas de leniência no que tange a cartéis internacionais; mas afirmou que, a nível de cartéis domésticos, a procura por markers de leniência tem se mantido estável.

Apesar disso, o fenômeno do enfraquecimento da leniência como fonte primordial de novas investigações parece ter causado mais uma nova tendência, bastante ouvida nas falas das agências antitruste presentes: o incremento de ferramentas investigativas de identificação ex officio de cartéis. Entre elas, estão um esforço renovado em buscas e apreensões por certas autoridades, a obtenção e análise de dados econômicos para identificar indícios de conduta colusiva (ferramentas de screening), e um incremento na coordenação de agências de concorrência com auditores e fiscais de contas públicas e licitações a nível doméstico. Em particular, uma ferramenta específica, até recentemente citada como uma inovação incipiente, e que agora começa a ser mencionada com força por várias autoridades, é a figura do whistleblowing — na forma de regulações e incentivos que permitem e encorajam que informantes (como funcionários de uma empresa) delatem ao poder público evidências de cartel.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autoridade antitruste brasileira, esteve presente no encontro e, como de costume, influencia e é influenciado por várias dessas tendências. Para as empresas no Brasil e fora, a dica é ficar antenado e adaptar os seus programas de compliance antitruste às novas realidades.

 


[1] Organizado pela American Bar Association Antitrust Section (https://web.cvent.com/event/791fc9a2-1a73-4b8b-8ad8-29773b9fa51a/summary).

[2] Ver, por exemplo: FRADE, Eduardo; e CARVALHO, Vinícius Marques de. New approaches do cartel enforcement and spillover effects in Brazil: exchange of information, hub and spoke agreements, algorithms, and anti-poaching agreements. Competition Policy International, November 26, 2019. In: New Approaches to Cartel Enforcement and Spillover Effects in Brazil: Exchange of Information, Hub and Spoke Agreements, Algorithms, and Anti-Poaching Agreements (competitionpolicyinternational.com).

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