Opinião

Finanças descentralizadas (Defi): desafios regulatórios e recomendações da OCDE

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6 de agosto de 2022, 15h32

As finanças descentralizadas (DeFi) têm buscado recriar a oferta de produtos e serviços financeiros tradicionais em um ecossistema descentralizado. Nesse contexto assistimos a emergência de protocolos DeFi voltados para a viabilização da oferta de produtos e serviços financeiros relacionados a empréstimos, plataformas de negociação, derivativos e securitização sintética, seguros, atividades de gestão e consultoria, infraestrutura de compensação e liquidação, bem como custódia, todos envolvendo criptoativos dentro de um paradigma peer-to-peer com base em contratos inteligentes (smart contracts) construídos em tecnologia de registro distribuído (distributed ledger technology).

Segundo definição de Fabian Schär, professor de Blockchain e Fintech da Faculdade de Negócios e Economia da Universidade de Basel, "A DeFi emprega redes públicas de blockchain e contratos inteligentes para construir protocolos financeiros abertos, transparentes, combináveis e sem custódia".

Sendo assim, o desenvolvimento das DeFi tem despertado discussões sobre o futuro do sistema financeiro e os desafios regulatórios envolvidos. A pesquisa "Decentralized Finance" do EU Blockchain Observatory and Forum, da Comissão Europeia, discute, por exemplo, 1) se o DeFi poderia substituir ou complementar o sistema financeiro tradicional e, nessa linha, aponta a possibilidade de a regulamentação e autorregulação do setor dar origem a um DeFi 2.0 como se fosse um upgrade do atual ecossistema referido como DeFi 1.0, 2) os desafios regulatórios e a importância de oferecer segurança jurídica para a inovação DeFi como forma de acesso a talentos, aplicativos, receita e crescimento e, nesse sentido, destaca o uso de sandbox regulatório como uma solução potencialmente eficaz, modelo que já vem sendo utilizado no Brasil, e 3) a possível necessidade de regulamentação de contratos inteligentes uma vez que teriam o papel de substituir as instituições intermediárias reguladas.

Nesse contexto, tendo em vista o avanço do processo de adesão do Brasil à OCDE, destaca-se a publicação em 2022 do relatório "Why Decentralised Finance (DeFi) Matters and the Policy Implications" pela referida organização. O relatório oferece uma explicação sobre a evolução da DeFi e suas aplicações, bem como os benefícios e risco impostos pelas DeFi, e sua relação com as Finanças Centralizadas (CeFi). Destacam-se as lacunas e desafios regulatórios e de supervisão diante da sofisticação das inovações tecnológicas envolvidas nesse ecossistema e das redes globais com operações transfronteiriças, o que exige como resposta uma ação colaborativa entre os formuladores de políticas públicas das diferentes jurisdições.

Também no âmbito da OCDE, o trabalho iniciado em 2017 com o lançamento do Going Digital Project frutificou no Blockchain Policy Centre, focado na pesquisa das implicações políticas de tecnologias inovadoras como a blockchain e outras tecnologias de registro distribuído. Como parte dessa iniciativa e fruto de um trabalho de pesquisa, discussão e consulta pública que vem sendo desenvolvido desde 2019, foram recentemente aprovadas, em 10 de junho de 2022, as "Recomendações da OCDE sobre Blockchain e outras Tecnologias de Registro Distribuído (DLT)" com o objetivo de orientar os governos e outros players envolvidos no desenvolvimento e uso de tecnologias de registro distribuído no sentido da inovação e adoção responsável dessas soluções.

Almeja-se, por um lado, prevenir e mitigar os riscos e, por outro lado, preservar os incentivos para a inovação, colaboração e competição. As recomendações da OCDE buscam servir como um guia para edição de regulações no âmbito das nações membros na construção de um arcabouço jurídico regulatório para o desenvolvimento e uso de tecnologias de registro distribuído, que são um dos pilares das DeFi. Têm como enfoque a cooperação internacional para compartilhamento de conhecimento e promoção da cooperação e colaboração transfronteiriça na construção de um arcabouço político, legal e regulatório que promova a inovação e adoção da blockchain, de modo a permitir o aproveitamento das suas potenciais oportunidades e minimização dos seus riscos.

O grande desafio está, portanto, em oferecer segurança jurídica e proteção ao consumidor e, concomitantemente, permitir ao máximo a inovação tecnológica no mercado financeiro e de capitais. Nessa linha, no âmbito internacional, destacam-se casos de uso como o BondbloX Bond Exchange, a primeira exchange totalmente regulada baseada em tecnologia blockchain em Singapura, e a SIX Digital Exchange (SDX), a primeira bolsa de valores digital na Suíça. No cenário nacional, projetos aprovados no Sandbox Regulatório do Bacen já que estão em fase de experimentação, dentre os quais destacam-se a Vórtx QR Tokenizadora, a primeira exchange de valores mobiliários digitais do Brasil, a Bolsa OTC, a primeira plataforma de emissão e negociação de dívidas em formato de bolsa de valores por companhias de capital fechado, e, ainda, a BEE4, o primeiro mercado regulado de ações tokenizadas do país. Também vemos soluções surgindo na área de custódia e negociação de criptoativos, como a Fidelity Digital Assets.

No contexto de revolução tecnológica vivenciada no sistema financeiro à nível internacional e diante dos esforços do Brasil para se adaptar aos padrões da OCDE, é relevante para o país acompanhar de perto e seguir as recomendações desse standard setter relacionadas ao uso de Blockchain e outras Tecnologias de Registro Distribuído (DLT). Tendo em vista os desafios regulatórios transnacionais envolvidos na disciplina de operações transfronteiriças altamente sofisticadas, a OCDE encoraja uma cooperação internacional  para a construção de um arcabouço político, legal e regulatório que ofereça segurança jurídica para o desenvolvimento de novos mercados e aproveitamento dos benefícios que a blockchain tem a oferecer, sem sufocar a inovação. Como apontado pela EU Blockchain Observatory and Forum, a utilização de Sandbox regulatório se apresenta como uma solução potencialmente eficaz para esse grande desafio. Esse modelo tem sido adotado no Brasil e, nesse sentido, temos assistido os primórdios de projetos disruptivos que têm frutificado dessa iniciativa regulatória.

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