Opinião

Lei Complementar nº 194/2022 e a redução das contas de energia elétrica

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6 de agosto de 2022, 13h19

Em 23 de junho de 2022 foi publicada, em edição extra do Diário Oficial da União, a famigerada Lei Complementar nº 194/2022, a qual introduziu alterações significativas no Código Tributário Nacional e na Lei Complementar nº 87/96 (Lei Kandir) a fim de reconhecer como essenciais os bens e serviços relacionados aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo.

Com isso, a lei limitou a cobrança do ICMS sobre esses bens e serviços à alíquota praticada sobre as operações em geral nos estados e no Distrito Federal. Na prática, isso significa que essa alíquota não poderá ultrapassar 17% ou 18%, a depender da unidade da federação.

Ocorre que, para além do foco dado à redução indireta do preço dos combustíveis, a LC nº 194/2022 trouxe ainda uma outra benesse, até então pouco observada, prevista na inclusão da alínea X, do artigo 3º da LC nº 87/96, que passou a estabelecer a não incidência os encargos setoriais da base de cálculo do ICMS incidentes sobre a energia elétrica [1].

Fazendo isso, a LC nº 194/2022 pacificou uma discussão que já durava décadas entre os contribuintes e os Fiscos estaduais. Em apertada síntese, o imbróglio dessa discussão se resumia ao fato de que, com o advento da Constituição Federal de 1988, a energia elétrica passou a ser considerada mercadoria para fins de tributação pelo ICMS, nos termos artigo 155, II. No entanto, para que essa mercadoria chegue até o consumidor, existem custos com infraestrutura de transmissão e distribuição, que são pagas mediante tarifas. No entender dos Estados e DF, essas tarifas também deveriam compor a base de cálculo do imposto estadual.

Entre os referidos encargos, os mais conhecidos são os correspondentes à Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica (Tust) e à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (Tusd). Somados, a depender do estado, só esses valores representam cerca de 25% do preço final da conta de energia.

Em que pese a previsão expressa da nova lei complementar, fato é que a grande maioria dos estados e o Distrito Federal ainda estão embutindo as tarifas na base de cálculo do ICMS. Até o presente momento, as únicas unidades federativas que promulgaram atos próprios, em obediência à LC 194/2022, para fins de retirar os encargos da base tributável, foram Santa Catarina e Espírito Santo [2].

A ausência de legislação estadual especifica sobre o assunto, contudo, não impede a aplicação da Lei complementar Kandir, que é a norma geral que regula o ICMS no país. Veja-se que, nos termos do artigo 24 §4º da Constituição de 88, "superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário" de modo que ainda que os entes federativos não tornem expressa essa disposição em suas normas internas, a LC nº 194/22 tem efeito imediato e observância obrigatória.

Na bem verdade, a disposição trazida pela LC 194/2022, em que pese ser muito bem vinda para fins de segurança jurídica, não deveria sequer ser necessária se os Fiscos estaduais simplesmente cumprissem o que determina o texto constitucional. Afinal, o fato gerador de ICMS é a circulação de mercadoria, tão somente. Logo, considerando que os serviços de distribuição e transmissão e encargos vinculados às operações com energia elétrica não podem ser classificados como tal, tais grandezas, evidentemente, não se sujeitam à incidência do ICMS.

Como dito, a discussão sobre a exclusão do Tust E Tusd na base de cálculo do ICMS, trata-se de uma controvérsia há muito conhecida pelo judiciário, tanto que existem três recursos especiais afetados sob a sistemática dos repetitivos pendentes de julgamento pelo STJ desde 2017 [3].

Agora, considerando o advento da LC nº 194/2022, quando os ministros forem apreciar o debate, não deverão mais analisar a (in)constitucionalidade do alargamento da base de cálculo, questão agora já pacificada, e sim definirem se a tributação era ilegal antes da edição da lei complementar, o que impactará na possibilidade de os contribuintes, pessoas físicas e jurídicas que atuam como consumidoras final de energia elétrica, pedirem restituição de valores pagos a maior indevidamente, respeitando os limites da prescrição.

Ou seja, a discussão será importante para definir o passado da tributação. Empresas, por exemplo, que possuírem ações judiciais em curso à época desse julgamento poderão ter salvaguardado o direito de reaverem os valores pagos a maior nos últimos cinco anos, a contar do ajuizamento de sua ação.

De uma maneira geral, sob o enfoque da tributação, a referida LC não inovou em relação ao que já vem sendo defendido há anos pelos contribuintes. Acontece que, por vezes o óbvio também precisa ser dito, e agora mais do que nunca, resta claro que os serviços de transmissão e distribuição e os encargos setoriais não se amoldam à hipótese de incidência do ICMS, prevista no artigo 155, II, da Constituição de 1988.

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