Opinião

Rescisão unilateral de contratos bancários: encerramento arbitrário de conta

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4 de agosto de 2022, 13h13

A Resolução 2.025/1993 do Banco Central aduz que o contrato pode ser encerrado unilateralmente pela instituição bancária, o que dá sinal verde para que as instituições descartem o consumidor quando quiser, mesmo sem que este último tenha agido com qualquer descumprimento contratual.

Acompanharemos neste artigo porque tal artigo da referida resolução é abusivo e contrário à Constituição.

Da essencialidade do serviços prestado pela instituição
Não por outro motivo, além do desequilíbrio contratual, a relação entre bancos e correntistas é regida pelo Código de Defesa do Consumidor e não pelas leis que regem simples contrato entre particulares; o direito consumerista protege essa relação devido a essencialidade nos serviços bancários para o cidadão comum que vive uma sociedade minimamente organizada e mais ainda se o contratante tem vida empresarial, o que se torna inviável sem uma conta corrente numa instituição financeira.

Não há como se conceber a falta de conta corrente no sistema empresarial.

Tal é a essencialidade do sistema bancário para os cidadãos que na Lei de greve consta no rol dos serviços essenciais, senão vejamos:

Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:
I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;

II – assistência médica e hospitalar;
III -distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV- funerários;
V – transporte coletivo;
VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII – telecomunicações;
VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X – controle de tráfego aéreo;
XI – compensação bancária."

Dessa forma, nenhum desses serviços pode ser interrompido. O CDC é claro, taxativo e não abre exceções: os serviços essenciais são contínuos. E diga-se em reforço que essa garantia decorre do texto constitucional.

Com efeito, como se sabe, a legislação consumerista deve obediência aos vários princípios constitucionais que dirigem suas determinações. Entre esses princípios encontram-se os da intangibilidade da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), da garantia à segurança e à vida (caput do artigo 5º), que tem de ser sadia e de qualidade, em função da garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado (caput do artigo 225) e da qual decorre o direito necessário à saúde (caput do artigo 6º) etc.

Ora, vê-se aí a inteligência da lei. Não é possível garantir segurança, vida sadia, num meio ambiente equilibrado, tudo a respeitar a dignidade humana, se os serviços públicos essenciais urgentes não forem contínuos.

Inconstitucionalidade da Resolução 2.025/1993 do Bacen
Se a relação entre cidadãos e instituições bancárias é regida inconteste pelo Código Consumerista, totalmente abusiva e contra os princípios constitucionais mencionados o tratamento dado pela Resolução 2.025/1993 do Bacen que dá tratamento de contratos civis comuns ao contrato entre consumidor e instituição bancária.

Por esta razão totalmente inconstitucional o dispositivo que assim preclara:

"Art. 12. Cabe à instituição financeira esclarecer ao depositante acerca das condições exigidas para a rescisão do contrato de conta de depósitos à vista por iniciativa de qualquer das partes, devendo ser incluídas na ficha-proposta as seguintes disposições mínimas: (Redação dada pela Resolução nº 2.747, de 28/6/2000.)
I – comunicação prévia, por escrito, da intenção de rescindir o contrato; (Redação dada pela Resolução nº 2.747, de 28/6/2000.)"

Além do exposto conclui-se que a existência da própria Resolução configura-se num contrato de adesão, posto que é uma regulamentação unilateral, o que não ocorreria casos e tratasse de uma relação civil entre particulares. O contrato civil entre particulares pressupõe liberdade de contratação e livre arbítrio no estabelecimento das cláusulas acordadas, o que não ocorre aí. No caso a relação é regulamentada por resolução de modo unilateral, que pela abusividade, pode-se depreender que tal dispositivo da resolução e nulo de pleno direito, pela abusividade.

Portanto o artigo 12 da Resolução 2.025/93 do Bacen afronta a Constituição mormente em seu artigo 5 inciso XXXII, e ainda ao artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)
II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;

Ao rescindir um contrato de prestação de serviço essencial unilateral e imotivadamente, a instituição está se negando a prestar um serviço, o que é inconstitucional e ilegal, afrontando tanto dispositivo da Constituição quanto dispositivo de lei federal, o que deve ser rechaçado de imediato pelo nosso judiciário.

Pelo princípio da vedação ao retrocesso (efeito cliquet) não podemos admitir em nosso ordenamento atos normativos que malferem, lesam os direitos dos consumidores e atentam contra o espirito de nossa Carta Magna, que busca equilibrar os hipossufucientes frente a abusos corporativos.

Cláusula de rescisão unilateral por desinteresse comercial
Por todo o exposto depreende-se que o contrato de abertura de conta corrente é um contrato regido pela legislação consumerista, como já é sabido, e portanto não é admissível que o fornecedor dos serviços possa simplesmente encerrar a continuidade do serviço sem uma justificativa.

Observa-se que não se fala em oposição a que haja uma rescisão unilateral caso haja uma quebra de contrato por parte da contratante, mas tão somente que essa rescisão se dê sem motivo, descontinuando um serviço essencial motivo algum, de forma totalmente arbitrária.

A justificativa clichê que as instituições bancárias utilizam para embasar suas decisões de encerramento de contas bancarias consiste em alegar "desinteresse comercial". É na verdade uma maquiagem para o que deveria ser "não há motivos".

Desinteresse comercial por si só não constitui um motivo, ele deve ser justificado. Desinteresse por qual motivo? O cliente é inadimplente? Não consome produtos e serviços? O cliente quebrou o contrato em algum momento? Como pode haver desinteresse se não há prejuízos na relação contratual consumerista?

Não há plausibilidade para simplesmente decidir deixar de ofertar um serviço a um consumidor, posto que o serviço bancário é essencial e não deve ser descontinuado.

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