Opinião

É possível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor entre empresários?

Autor

  • William de Oliveira Ramos

    é mestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia/Unama bolsista Capes/Taxa especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) especialista em Direito Processual Civil Constitucional Penal e Trabalhista pela Faculdade Maurício de Nassau de Belém e advogado sócio do escritório Ramos & Valadão Sociedade de Advogados.

3 de agosto de 2022, 21h22

Antes de alcançarmos uma resposta satisfatória, necessário é compreendermos os conceitos de empresário e de consumidor.

O Código Civil, em seu artigo 966, definiu empresário como sendo "quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços".

Desse conceito denota-se que para caracterização do empresário necessário a congregação de quatro elementos: a) profissionalidade (prática habitual); b) organização (articulação dos fatores de produção: capital, mão de obra, matéria prima e tecnologia); c) finalidade de lucros; e um elemento implícito d) assunção de risco (OLIVEIRA, 2017).

É comum, embora equivocado, nos referirmos à 'empresa', quando na verdade estamos nos referindo a quem explora a atividade econômica.

Isso porquê, empresa e Empresário não se confundem.

Empresa é sinônimo de atividade econômica. Ao passo que empresário é aquele que explora a atividade (artigo 49-A CC).

A figura do empresário surge da necessidade de segregação dos riscos patrimoniais decorrentes da própria atividade.

Assim, pode uma pessoa física explorar determinada atividade econômica, e caracterizar-se como empresário, desde que exerça "profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços" (artigo 966 CC).

Para Fábio Ulhoa Coelho (2011, 29-32), o profissionalismo empresarial é associado a considerações de três ordens: a) habitualidade (no sentido de que a pessoa que explora atividade de maneira eventual e esporádica não se enquadra no conceito); b) pessoalidade (no sentido de que o profissional deve contratar empregados, todavia deve exercer pessoalmente a atividade empresarial) e c) monopólio da informação.

Assim como poderá a pessoa física  contratar a constituição de uma sociedade para exploração de uma atividade, por meio dos mais variados tipos societários, tais quais LTDA, S.A., dentre outras.

Assim é equivocado afirmarmos que "a empresa está pegando fogo", quem pega fogo é o estabelecimento empresarial. Ou ainda que empresa 'quebro', quem quebra é o empresário (COELHO, 2011).

Identificar a figura do empresário, é importante em razão das obrigações que este congrega, tais quais: "levantar anualmente o balanço patrimonial e o resultados econômicos, escriturar regularmente os livros empresariais obrigatórios, e efetuar sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis" (OLIVEIRA, 2017, p. 36).

A definição de consumidor é encontrada logo no artigo 2º do CDC, segundo o qual "consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final".

Aplicação do CDC às relações interempresariais
Colhido esses conceitos, é possível concluir que a pessoa que se enquadra no conceito de empresário, certamente se encaixa no conceito de fornecedor, todavia, não necessariamente todo fornecedor será um empresário (OLIVEIRA, 2017, p. 44).

Ou seja, para que o CDC se aplique na relação interempresariais, mister que um deles sejam identificados como fornecedor e o outro como consumidor. Nesse sentido, erigiu-se duas correntes doutrinárias a esse respeito: a teoria finalista e teoria maximalista.

A primeira delas, que inclusive é a prevalente na doutrina e na jurisprudência, identificada como corrente finalista, entende que o CDC somente seria aplicável ao consumidor que não utiliza o produto em sua atividade econômica, ou seja, como destinatário econômico. Vale destacar que para teoria finalista, poderá o empresário figurar como consumidor, desde que os bens e/ou serviços adquiridos não sejam elementos indispensáveis ao desenvolvimento da atividade econômica explorada pelo empresário.

Para Cláudia Lima Marques, signatária da teoria finalista, o CDC confere especial proteção ao consumidor em face de sua vulnerabilidade (fática, técnica, jurídica e informacional, não de descartando que a casuística revele outros tipos de vulnerabilidade), de modo que o conceito de consumidor previsto no artigo 2º do CDC, deve ser analisado de forma restritiva, até para conferir maior proteção aos que dela necessitam, de modo que o provimento judicial seria mais uniforme, considerando-se destinatário final exclusivamente aquele que destinatário fático e econômico do bem ou serviço.

Esse entendimento é o que tem prevalecido no âmbito do STJ, por todos citam-se dois julgados, da Terceira e Quarta Turmas, respectivamente: "O que qualifica uma pessoa jurídica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio; isto é, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem emprega-los na geração de outros bens ou serviços" (STJ, REsp 733.560/RJ, relatoria ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe. 02/05/2006), "A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, como escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo, e sim como atividade de consumo intermediária" (STJ,  REsp 541.867/BA, relator ministro Fernando Gonçalves, 4º Turma, Dje. 16/05/2005).

Para Herman Benjamin, a vulnerabilidade é a peça fundamental do direito do consumidor, é o ponto de partida de toda sua aplicação, principalmente em matéria de contratos. Em igual sentido é o escólio de Cláudia Marques, para quem a vulnerabilidade "é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção" (2017, p. 117).

A segunda corrente, definida de teoria maximalista, defende a tese que no conceito de destinatário final estão inclusos o destinatário fático e o destinatário econômico do produto ou serviço, desde que seja precedido da efetiva utilização. De modo que é possível concluir que pessoas que adquirem produtos para revenda, não utilizam o produto, portanto, não se enquadrariam no conceito de destinatário final.

Para Cláudia Lima Marques, os maximalistas viram no CDC um novo regulamento do mercado de consumo e não normas para proteger o consumidor não profissional. Assim, conclui-se que a vulnerabilidade está ligada à expertise, logo, à profissionalidade ou não do agente, sobre aquele produto ou serviço.

Vale ressaltar que, em todo o caso, assinala o autor que poderá o empresário ser considerado consumidor bystander (artigo 17 CDC), ou seja, vítima de um evento danoso decorrente de uma fato do produto ou serviço, notadamente independentemente da aquisição ou utilização do produto ou serviço.

Em igual sentido, por força do artigo 29 do CDC, poderá o empresário ser considerado consumidor por equiparação, sempre que verificado uma propaganda enganosa, práticas abusivas, dente outras, conforme previsão dos artigos 30, 31 e 42 do CDC, novamente despiciendo perquirir acerca da aquisição ou utilização do produto ou serviço.

Referências bibliográficas
BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (Terceira Turma). Recurso Especial 733560/RJ (2005/0038373-4), Recorrente: Sul America Companhia Nacional de Seguros; Recorrido: Allpark Estapar Empreendimentos Participações e Serviços S/C LTDA; relatora ministra Nancy Andrighi, DJe. 02/05/2006

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (Quarta Turma). Recurso Especial 541867/BA (2003/0066879-3), Recorrente: American Express Do Brasil S/A Turismo; Recorrido: Central das Tintas LTDA. Relator ministro Fernando Gonçalves, Dje. 16/05/2005.

BENJAMIN, Antônio Herman V.; MARQUES, Cláudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. 8. ed. rev. atul. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23. ed. São Paulo : Saraiva, 2011.

OLIVEIRA, Fabrício Vasconcelos de. O Contrato de factoring e a tutela do consumidor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

Autores

  • Brave

    é mestrando em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia/Unama, bolsista Capes/Taxa, especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), especialista em Direito Processual Civil, Constitucional, Penal e Trabalhista pela Faculdade Maurício de Nassau de Belém e advogado sócio do escritório Ramos & Valadão Sociedade de Advogados.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!