Opinião

Serviço de segregação e entrega ou THC2: enfim, a ilegalidade

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2 de agosto de 2022, 6h04

O debate envolvendo a ilegalidade da cobrança do serviço de segregação e entrega (SSE), popularmente denominada de "THC2", recebeu nos últimos dias um novo, importante e  confiamos que  último capítulo.

Na esteira do entendimento abalizado pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e TCU (Tribunal de Contas da União), que já reconheceram a abusividade/ilegalidade da cobrança, porquanto desarrazoada e anticompetitiva, chegou a vez da Agencia Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) aprovar a Resolução-Minuta GRP SEI nº 1675209, que suspende cautelarmente os efeitos dos dispositivos da Resolução Normativa Antaq nº 72/2022 [1], extirpando todas as cobranças relativas e conexas ao Serviço de Segregação e Entrega (SSE) nas instalações portuárias.

Além de cessar a cobrança, a Antaq determinou ainda 1) a suspensão da Audiência Pública nº 07/2022, designada com o objetivo de obter contribuições para o aprimoramento de proposta de Instrução Normativa, para fins de estabelecer os procedimentos e critérios da análise de condutas abusivas associadas ao Serviço de Segregação e Entrega (SSE) nos Terminais Portuários, e 2) que os agentes regulados indiquem, em suas respectivas tabelas de preços, a suspensão dos itens que remuneravam as rubricas afetadas.

Antes, contudo, de se debruçar sobre a matéria, cabe sintetizar o processo de importação de mercadorias pela via marítima, que é simples e não desafia qualquer complexidade. O importador contrata um armador para trazer a carga ao Brasil e lhe paga a contrapartida correspondente para que a mercadoria seja entregue ao destinatário final. O armador, por sua vez, contratará um operador portuário para descarregar o navio e entregar a mercadoria no terminal alfandegado retroportuário indicado pelo importador. O armador paga os serviços do operador portuário por meio do chamado box rate (cesta de serviços).

Ao final do processo, o terminal alfandegado retroportuário receberá a carga e irá armazená-la até o desembaraço aduaneiro, sendo remunerado diretamente pelo importador em razão do serviço de guarda.

A operação é devidamente lastreada e todos os serviços remunerados, não havendo qualquer relação jurídica entre o terminal alfandegado retroportuário e o operador portuário. O primeiro apenas recebe uma carga e irá armazená-la para cumprir seu contrato com o importador, enquanto o segundo deve retirar a carga do navio e entregá-la ao destinatário final para cumprir seu contrato com o armador.

Ocorre que os operadores portuários também oferecem serviços de armazenagem alfandegada de contêineres, além daqueles de movimentação de cargas. Assim, ao se depararem com a oportunidade de criar um mecanismo para eliminar seus competidores do mercado, não pensaram duas vezes.

O THC2 nada mais é do que uma espécie de "pedágio", criada pelos operadores portuários, para entrega de contêineres importados aos terminais retroportuários alfandegados. A cobrança é dúplice, relacionada à movimentação das cargas, porém, já incluída na tarifa denominada box rate (cesta de serviços), que, como visto, é paga pelo armador quando da saída da carga no terminal portuário de origem.  

A cobrança desta jabuticaba brasileira, e digo isto pois o THC2 sequer se faz presente em qualquer dos quatro cantos do mundo, é justificada sob o argumento de tratar-se de uma contrapartida ao benefício auferido com o fluxo próprio e célere de movimentação de cargas, que na concepção dos terminais portuários demanda equipamentos, infraestrutura e mão de obra especializada.

A ideia seria genial, se a cobrança não fosse ilícita, antiética e transgressora da livre competição.

Confiando em que o desprezo às decisões dos órgãos judicantes e regulamentadores não lhes trará consequências graves, os terminais portuários permanecem promovendo a cobrança do THC2 até o momento, em prejuízo do consumidor final e livre mercado.

Lamentável, para se dizer o mínimo, é o fato de termos que acompanhar tantas batalhas jurídicas ao longo dos últimos anos para se chegar a um capítulo final. Bastaria o bom senso entre as partes integrantes da cadeia logística.

Conforme reforçado a alhures pelo Tribunal de Contas da União [2], a cobrança do THC2 acaba por colocar em risco a concorrência no mercado de armazenagem, impactando diretamente no custo logística e, em ultima instância, no Custo Brasil, ao passo que beneficia indevidamente poucos e gigantes players desse setor, que é deveras crucial ao desenvolvimento econômico do país.

A despeito de qualquer insatisfação, em razão da relevância da matéria e da gravidade das irregularidades ainda perpetradas no mercado, a observância e o efetivo cumprimento das determinações impostas pelo Cade, TCU e Antaq é medida que se impõe, revelando-se indispensável ainda a preservação da segurança jurídica no capítulo final desta história.

[1] Acórdão 409-2022-Antaq, proferido nos autos do processo nº 50300.013454/2019-52. Decisão de Relatoria do Diretor José Renato Fialho.

[2] TCU, Acórdão 1448/2022, Plenário, relator ministro Vital do Rêgo, julg. 22/06/22.

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