Opinião

Características e benefícios do processo de recuperação judicial

Autor

  • Alex Tocantins Matos

    é sócio do escritório Alex Matos advogados especializado em direito processual civil agrário aplicado ao agronegócio MBA em gestão empresarial membro da União Brasileira dos Advogados Agraristas Universitários (Ubau) e da International Bar Association (IBA).

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15 de abril de 2022, 15h16

Antes de abordar as vantagens de uma recuperação judicial para as empresas, devemos primeiramente entender dois conceitos principais ao assunto aqui abordado.

Os artigos 966, 972 e 981 do Código Civil, sem prejuízo de outros constantes na legislação brasileira, traçam as características básicas de uma empresa / sociedade empresária, as quais, em resumo, podem ser classificadas como organizações econômicas que possuem personalidade jurídica e patrimônios únicos e individualizados, podendo ser constituídas por uma ou mais pessoas, com o intento de produzir ou permutar bens e/ou serviços objetivando lucro. Ainda, temos no Brasil os seguintes tipos de empresa: MEI, Eireli, Empresário Individual, Sociedade Empresária Limitada, Sociedade Simples, Sociedade Anônima, Sociedade Limitada Unipessoal, cada uma com especificidades, tipos de portes e de regimes tributários nos quais se enquadram.

As empresas/sociedades empresárias não só possuem importância e trazem reflexos aos seus sócios como também para a sociedade. Como facilitadora do crescimento da sociedade, as empresas / sociedades empresárias produzem bens e serviços que atendem várias necessidades dos consumidores, que enquanto sociedade recebem maior diversidade de escolhas na hora de adquirir bens e serviços, alimentando a livre concorrência (protegida pelo artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal), a circulação de riqueza e geração de empregos. Ainda, algumas empresas / sociedades empresárias também atuam na sociedade com iniciativas sociais, culturais e científicas. Em resultado, a sociedade se beneficia com a criação e manutenção de uma empresa.

A respeito da recuperação judicial, esta viabiliza a superação da situação de crise econômico-financeira da empresa / sociedade empresária que se encontre em situação de dificuldade financeira, permitindo não só a manutenção da fonte produtora e do emprego dos trabalhadores, mas também dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Deste modo, a Lei nº 11.101/2005, conhecida como Lei de Recuperação Judicial e Falência (que substituiu o antigo Decreto-Lei nº 7.661/45) prevê mecanismos para superação de crises nas empresas / sociedades empresárias, possibilitando que o devedor possa negociar com os seus credores o cumprimento de suas obrigações com a manutenção da atividade. Considerando a importância para a sociedade, permitir que uma empresa/sociedade empresária com dificuldades feche as portas trará muito mais malefícios do que benefícios.

De fato, até os próprios credores se beneficiam da Recuperação Judicial, pois em um cenário de falência não há a certeza de que todos os credores receberão, e aqui deve-se lembrar que os credores por muitas vezes também são empresas / sociedades empresárias com relevante papel na sociedade, e a recuperação judicial intenta não só reerguer a recuperanda e manter a fonte produtora com geração de renda e riquezas mas também permitir o pagamento dos credores de forma que estes não tenham prejuízos.

Para o ajuizamento do processo recuperacional, a empresa/sociedade empresária deverá comprovar que: exerce regularmente suas atividades há mais de dois anos; não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial; não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V do Capítulo III da Lei nº 11.101/05 (plano de recuperação judicial para microempresas e empresas de pequeno porte); e não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na Lei nº 11.101/05.

Da mesma forma, o pedido de recuperação judicial deverá ser instruído com as informações e documentos relacionados no artigo 51 da Lei nº 11.101/05, para que então o processo esteja apto à decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial. Com o deferimento do processamento da RJ, a empresa/sociedade empresária obterá: a suspensão de todas as ações e execuções judiciais que contra si existirem; imunidade aos pedidos de falência; possibilidade de acordos e convenções coletivas de trabalho; e, especialmente, a renegociação no pagamento de suas dívidas perante os credores.

Após o deferimento do processamento da recuperação judicial, a empresa/sociedade empresária recuperanda terá o prazo de 60 dias para apresentação do Plano de Recuperação Judicial. Neste momento a empresa/sociedade empresária poderá fazer uma proposta para pagamento de todos os credores de uma forma diferenciada. Aprovado o plano, a empresa/sociedade empresária começa a executá-lo, reprovado o plano, o juiz decretará a falência da mesma.

Por fim, além das empresas/sociedades empresárias em geral, os produtores rurais que atuam como pessoa física também conquistaram o direito de, a partir da última semana de janeiro de 2021, recorrer à Lei de Recuperação Judicial, o que era restrito aos produtores com registro na Junta Comercial por um período de pelo menos dois anos, graças às alterações realizadas pela Lei nº 14.112/20. Para isso, os produtores precisam comprovar o desempenho de atividades rurais há pelos menos dois anos, comprovação feita pela apresentação do Livro Caixa Digital do Produtor Rural (LCDPR) ou obrigação legal de registros contábeis que venha a subsistir o LCDPR, a Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (Dirf) e o balanço patrimonial. Um dos requisitos necessários para o produtor rural ter acesso ao sistema recuperacional é sua inscrição comercial, podendo ser obtida até um dia antes do pedido de recuperação judicial.

A inclusão do produtor rural pessoa física na Lei de Recuperação Judicial e Falência solidifica o entendimento firmado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento envolvendo o Grupo JPupin, em 2018. O STJ entendeu que as dívidas contraídas pelo produtor rural, antes da sua inscrição perante a Junta Comercial, poderiam ser incluídas na recuperação judicial.

O processo de recuperação judicial é um ótimo instituto para quem enfrenta graves problemas financeiros, possibilitando as mais variadas soluções. Ao propiciar um ambiente favorável para a gestão estratégica de negócios de seus clientes, favorecendo a prevenção de possíveis entraves gerados por crises econômicas, assegurando a manutenção no mercado de empresas que, mesmo que tenham passado por dificuldades financeiras, tenham relevância não só perante os sócios e colaboradores, mas também perante a sociedade, garantindo a sua função social, a criação e distribuição de riqueza e a garantia de recebimento dos valores devidos pelos credores.

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  • é sócio do escritório Alex Matos advogados, especializado em direito processual civil, agrário aplicado ao agronegócio, MBA em gestão empresarial, membro da União Brasileira dos Advogados Agraristas Universitários (Ubau) e da International Bar Association (IBA).

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