Opinião

Grandezas negativas: a não incidência de IRPJ e CSLL sobre as subvenções de ICMS

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14 de abril de 2022, 11h13

No último dia 5, a 2° Turma do Superior Tribunal de Justiça apreciou o REsp 1.968.755/PR, no qual se discutia a incidência do IRPJ e da CSLL sobre incentivos fiscais de ICMS diversos do crédito presumido.

O resultado do julgamento pode ser resumido nas palavras finais do voto do relator, ministro Mauro Campbell Marques: "em suma, ao crédito presumido se aplica o disposto no EREsp 1.517.492 [1], já aos demais benefícios fiscais de ICMS se aplica o disposto no artigo 10 da Lei Complementar 160 e no artigo 30 da Lei 12.973…".

Um dos fundamentos do ministro para chegar a tal conclusão é de que as reduções e isenções de ICMS diferem do crédito presumido porque o contribuinte, nesses casos, apenas deixaria de ter uma despesa. Nesse sentido, tais benefícios seriam classificados como "grandezas negativas", enquanto o crédito presumido seria uma "grandeza positiva".

É interessante rememorar a origem dos termos "grandeza negativa" e "grandeza positiva" no contexto em questão. Os termos mencionados surgiram em julgados da 2ª Turma do TRF-4, nos quais os desembargadores entenderam que a redução de base de cálculo e a isenção não geram receita para o contribuinte, pois supostamente não provocam incremento de riqueza. Assim, julgaram tratar-se de "grandezas negativas". Confira-se:

"A pretensão da parte autora — supermercado — é excluir da base de cálculo do PIS/Cofins/IRPJ e CSL o benefício fiscal de ICMS correspondente à redução da sua base de cálculo para produtos da cesta básica, tanto nas operações próprias, como na substituição tributária. (…)

Na redução da base de cálculo, o montante que foi reduzido não é tributado. Assim, se a base de cálculo cheia é 100 e a alíquota 10%, o tributo devido é 10. Se a base de cálculo for reduzida em 30%, o tributo devido é 7. Logo, o benefício tributário obtido pelo contribuinte é 3. Este resultado é o que representa a subvenção governamental e que, contabilmente, é receita.

No entanto, nem sempre a redução da base de cálculo do imposto estadual vai produzir receita para o contribuinte e impactar negativamente as receitas do Estado titular da competência tributária, traduzindo-se em uma subvenção fiscal. (…)

A redução da base de cálculo do ICMS nas operações com diferimento ou antecipação do imposto, na hipótese dos autos, nunca representou receita que tivesse de ser adicionada à base de cálculo do IRPJ/CSL/PIS/Cofins e que deveria ser excluída porque feriria o princípio federativo a União tributar a receita renunciada por um Estado da federação.

No caso, o autor é um supermercado e alega que, por força da legislação tributária estadual, tem direito a benefícios fiscais de ICMS, entre eles a apuração da base de cálculo reduzida do imposto estadual em 41,667% para produtos da cesta básica, com base no art. 11, do Anexo 2, do RICMS/SC. (…)

Portanto, não existe o direito de o autor excluir da base de cálculo PIS/Cofins/IRPJ/CSL o aumento da despesa resultante, na aquisição de mercadorias sujeitas à substituição tributária, da diferença entre a alíquota normal e a reduzida, incidentes sobre a base de cálculo presumida.

Do mesmo modo, a simples redução de base de cálculo como técnica para apuração do imposto estadual não provoca incremento de receita para o Estado e nem para o contribuinte.

Como se trata de mandado de segurança que tem por objeto a relação jurídico-tributária, caberia ao impetrante provar que, por erro, adicionou à base de cálculo do PIS/Cofins/IRPJ e CSL as pretensas receitas que decorreriam da redução da base de cálculo do ICMS para que restasse configurado o seu direito líquido e certo à exclusão.

Nenhuma prova neste sentido, porém, foi produzida, limitando-se a parte a juntar cópia de notas fiscais e do recolhimento dos tributos questionados. (…)" [2].

Essa compreensão, no entanto, parte de premissa equivocada, já que desconsidera que a renúncia fiscal empreendida por meio de redução de base de cálculo e de isenção provoca, indubitavelmente, o aumento de receita do contribuinte subvencionado.

Em outras palavras, quando os estados da Federação deixam de receber grandezas correspondentes aos mencionados benefícios, tais valores não desaparecem. O montante apenas deixa de compor os cofres públicos para ser direcionado ao particular.

Desse modo, ao contrário do defendido pelo ilustre desembargador, na redução de base de cálculo, bem como na isenção, o montante que foi reduzido ou isentado está, sim, contido na receita do contribuinte.

Vejamos o seguinte exemplo: se a venda é de R$ 100,00 e a alíquota 17%, ocorrendo a isenção do tributo devido deixa-se de recolher R$ 17,00 aos cofres estaduais. Logo, R$ 17,00 da receita total auferida (R$ 100,00) é, na verdade, Receita de Subvenção.

É por esse motivo que o montante que foi reduzido ou isentado pelos Estados faz parte da Receita de Subvenção do contribuinte. Dito de outro modo, essa receita é justamente o ICMS que deveria ter sido pago caso não houvesse sido instituído o benefício.

Imprescindível realçar, nesse ponto, que as normas gerais de contabilidade determinam, no item 38E do Pronunciamento Técnico CPC 07, que o tributo subvencionado deve ser lançado no resultado como se devido fosse em contrapartida com a Receita de Subvenção. Colha-se da normativa:

"38E. O reconhecimento contábil dessa redução ou isenção tributária como subvenção para investimento é efetuado registrando-se o imposto total no resultado como se devido fosse, em contrapartida à receita de subvenção equivalente, a serem demonstrados um deduzido do outro."

Como se vê, não é contabilmente aceitável o conceito de grandeza negativa [3]. Aqui, é importante fazer um adendo: a base de cálculo do IRPJ, quando não arbitrada ou presumida, parte do lucro líquido contábil e resulta de ajustes prescritos pela lei tributária, sendo o saldo final denominado "lucro real". Esse modelo é denominado modelo de dependência parcial.

Porém, caso realmente existisse, contabilmente, a famigerada "grandeza negativa", estaríamos diante de uma redução de despesa. Sob essa ótica, é impossível negar que a redução de despesa aumenta, diretamente, o lucro do contribuinte subvencionado.

De qualquer ângulo que se observe a questão é forçoso reconhecer que quaisquer benefícios fiscais de ICMS aumentam o lucro líquido da empresa e devem, portanto, ser excluídos da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Essa conclusão advém do próprio federalismo cooperativo, da repartição de competências tributárias e da imunidade recíproca, uma vez que a concessão de benefícios fiscais de ICMS pelos estados e Distrito Federal é ferramenta legítima de sua política fiscal, sendo vedado à União violar a autonomia dos demais entes federativos, retirando parte das subvenções por eles concedidas.

Desse modo, não há fundamento para se aplicar aos créditos presumidos de ICMS o entendimento do EREsp 1.517.492/PR, mas aos demais benefícios impor a necessidade de cumprir os requisitos contábeis previstos no artigo 10 da Lei Complementar 160/2017 e no artigo 30 da Lei 12.973/14, como explicitado pelo mencionado ministro relator do REsp 1.968.755/PR.

Em verdade, a receita de subvenção de ICMS é hipótese de não incidência tributária, não sendo passível de ser exigida por Lei Federal.

 


[1] Nesse julgado, ficou definido que a tributação, pela União, de valores correspondentes a incentivo fiscal estimula competição indireta com o estado-membro, em desapreço à cooperação e à igualdade, pedras de toque da Federação.

[2] TRF-4, AC 5011532-20.2018.4.04.7205, 2ª TURMA, relator RÔMULO PIZZOLATTI, juntado aos autos em 20/5/2020.

[3] "(…) para o jurista a contabilidade é importante instrumento de compreensão da realidade econômica na qual se encontram os fatos passíveis de incidências tributárias, mormente as que ocorrem sobre os acréscimos patrimoniais. Assim sendo, a contabilidade ajuda o jurista a enxergar o fato econômico, mesmo quando nela ele estiver registrado sem atenção ao seu conteúdo jurídico." OLIVERA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda (2020). São Paulo: IBDT, 2020. p. 122.

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