Anuário do MP

Com o lema "mais soluções, menos ações", MP de Minas Gerais aposta em acordos

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9 de abril de 2022, 8h46

*Reportagem publicada no Anuário do Ministério Público Brasil 2022. A publicação está disponível gratuitamente na versão online e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa.

O Ministério Público de Minas Gerais não relata restrições excessivas ao seu planejamento orçamentário, tendo executado um orçamento de R$ 2,7 bilhões em 2021. Assim, a atual gestão não teve dificuldades de implementar iniciativas por falta de verba. A considerável liberdade orçamentária do MP-MG permite que a administração execute planos, também, de expansão do órgão. Estão previstos concursos para 60 novos membros e para as áreas de atividade-meio, como tecnologia da informação.

Ainda demanda solução, no entanto, a situação quanto a investimentos e resultados na área de tecnologia. Um dos principais planos da atual administração é tirar o órgão da 26ª colocação no ranking que mede estes esforços nos órgãos estaduais. O PGJ, Jarbas Soares, diz que há “forte investimento em tecnologia da informação, com aquisição e desenvolvimento de ferramentas para mineração e cruzamento de dados” na investigação financeira e contra lavagem de dinheiro.

A estrutura administrativa também merece atenção, já que é considerada pequena pela administração em relação ao grau de capilaridade do órgão. Há esforços, também, em incentivar maior uniformidade e unidade dos trabalhos, principalmente na área penal.

Com o lema “mais soluções, menos ações”, o PGJ aposta em políticas de resoluções de conflito. Em setembro de 2021, a PGJ criou um órgão, o Centro de Autocomposição de Conflitos e Segurança Jurídica (Compor), com o objetivo de incentivar a negociação, a mediação, a conciliação, as práticas restaurativas e as convenções processuais, assim como executar, em caráter principal, os processos de autocomposição.

Os acordos de Brumadinho e Mariana, desastres de grandes proporções provocados pelo rompimento de barragens de rejeitos de mineração atingindo centenas de famílias e causando danos ambientais a grande área do território mineiro, fazem parte desses esforços. Em julho, o Legislativo mineiro sancionou a Lei 23.830/2021, que trata da Suplementação Orçamentária Relativa ao Termo de Reparação de Brumadinho, aprovando o uso de R$ 11 bilhões provenientes do termo judicial para a reparação de impactos socioeconômicos e ambientais causados pelo rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em 2019.

O acordo, celebrado entre o estado de Minas Gerais, o MP-MG, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública do Estado com mediação do Tribunal de Justiça do estado, envolve o maior valor na história do país e levou ao compromisso de pagamento de R$ 37,6 bilhões por parte da empresa Vale e suas subsidiárias.

Inspirados no sucesso deste caso, o governo do estado e o MP-MG esperam melhores resultados em 2022 nas tratativas com a Vale, a BHP e a Samarco para estabelecer um marco definitivo para a reparação pela tragédia semelhante em Mariana, ocorrida em 2015.

“Precisamos compensar os estados de Minas Gerais e Espírito Santo e a União. A Fundação Renova (criada por meio de termo de ajustamento de conduta em 2016 com o objetivo de reparar os danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana) gastou R$ 15 bilhões com ações de reparação e não resolveu o problema. A
questão ambiental é complexa. O Rio Doce hoje é um rio morto”, afirmou Jarbas Soares sobre a repactuação do acordo.

O governador Romeu Zema chegou a falar em um pedido de R$ 100 bilhões em ressarcimentos, mas o PGJ ainda não fala em valores específicos, lembrando que o acordo de Brumadinho foi firmado em um valor cerca de R$ 16 bilhões abaixo do pedido inicial.

No início de 2022, o atendimento presencial nas promotorias e procuradorias ainda era feito de forma híbrida, com uma parcela de servidores e membros atuando presencialmente e outra em regime de home office. Nas unidades, há obrigatoriedade do uso de máscaras e higienização das mãos, enquanto a administração local fica responsável pela sinalização de pisos, higienização e utilização de escadas e elevadores para garantir a saúde tanto dos trabalhadores como dos cidadãos que buscam atendimento.

O atendimento remoto é feito por telefone e a lista de contatos fica disponível no site do MP, sob as abas "Comunicação", "Campanhas", "MPMG adota medidas de prevenção e enfrentamento à pandemia de covid-19", em planilha com os horários de atendimento e as atribuições de cada unidade. Segundo o PGJ, "com o avanço da vacinação, a diminuição dos casos de covid-19, o impacto menor nos hospitais mesmo com a flexibilização (das medidas de distanciamento social), está na hora do Ministério Público voltar" aos trabalhos presenciais.

O MP-MG se engajou em 2021 na cobrança frente às administrações municipais de planos claros e seguros antes de garantir o retorno presencial nas escolas públicas. Também atuou para garantir que outros serviços de interesse público continuassem acessíveis à população.
Alguns shopping centers de Belo Horizonte, por exemplo, tentaram barrar a entrada de adolescentes desacompanhados durante os finais de semana, alegando que isso representaria uma medida de prevenção de aglomerações. O Ministério Público entendeu que a medida não tinha relação com a epidemia e garantiu o direito de ir e vir da criança e do adolescente. Os shoppings já haviam tentado, antes, banir grupos de adolescentes que organizavam os chamados "rolezinhos" na capital.

O MP-MG também fiscalizou e denunciou diversas ocorrências de violação na ordem de vacinação, quando indivíduos “furaram a fila” para se vacinar antes do que deveriam ou mais vezes do que o recomendado, colocando em risco o esquema de imunização pública.

Em novembro de 2021, o órgão entrou com ação civil pública, pedindo indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 50 mil, contra um bombeiro que tomou a terceira dose da vacina contra a covid-19 em circunstância não prevista pelo Plano Nacional de Imunização. O prefeito do município de Ipanema teve seus bens tornados indisponíveis quando o MP obteve liminar decretando a sanção, após verificar que ele e sua esposa se vacinaram antes do resto da população.

Outras ações de prefeituras mineiras demandaram atenção da instituição, como foi o caso em São Lourenço, onde o prefeito fez campanha publicitária afirmando que com tratamento sem comprovação científica, baseado em medicamentos cujo uso no combate ao coronavírus já havia sido documentadamente ineficaz, havia zerado as internações por covid-19 nos hospitais da cidade.

O chamado “tratamento precoce” da doença foi incluído no protocolo contra a covid-19 elaborado pela prefeitura e o possível incentivo à opção pelo coquetel de remédios foi investigado após denúncias, uma vez que, ao contrário do que afirmava o prefeito, as UTIs estavam lotadas de pacientes com covid e o município estava na fase mais severa de isolamento social em virtude do alto número de casos.

O MP-MG acabou arquivando as acusações, apontando que a opção pelo tratamento dependia de recomendação e prescrição médica após aceitação por parte do paciente, e que mantê-lo listado entre os métodos aprovados pela administração municipal não configurava conduta ilegal.

Outra área em que o MP mineiro foca sua atuação é no combate ao crime organizado. Em 2021, o Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) realizou 59 operações, que resultaram em 339 prisões efetuadas e R$ 442,5 milhões apreendidos ou tornados indisponíveis. Os trabalhos realizados pelo grupo, em conjunto com as diversas forças de segurança, cobrem atividades ilegais que abrangem desde sonegação fiscal e crimes tributários até a exploração sexual de menores. Há 12 unidades regionais do grupo espalhadas pelo estado, além da sede em Belo Horizonte. A instituição tem planos de criar em 2022 dois Grupos de Atuação Especial focados no combate à corrupção.

A atuação ao lado das polícias ocorre em paralelo à atividade de controle externo das forças policiais que é natural ao Ministério Público. Segundo o PGJ, as operações específicas, tanto de cooperação como de controle externo, não são capazes de marcar a relação entre o órgão e as tropas de segurança pública. “Seria um contrassenso se a polícia e o MP não trabalhassem em conjunto, pois o setor público tem que estar organizado.”

Essa organização ficou evidente quando Jarbas Soares saiu em defesa da operação conjunta entre a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Militar para desbaratar uma quadrilha que promovia roubos a bancos no sul de Minas Gerais e no interior do Rio de Janeiro e de São Paulo que terminou com todos os suspeitos mortos em abordagens em duas localidades diferentes.

“Nós, mineiros, não aceitamos essas quadrilhas em nosso território. As polícias sempre terão o respaldo do MP-MG, dentro das nossas competências”, disse Soares logo após as operações. Cabe ao Gaeco a investigação da atuação dos policiais no caso, mas há também a preocupação em não atrapalhar as investigações sobre os crimes da quadrilha.

Ao final da operação, haviam sido apreendidas 26 armas, dois adaptadores, 5.059 munições, 116 carregadores, capacetes à prova de balas, explosivos diversos, 12 coletes balísticos e 12 carros roubados, além de combustível. Nenhum policial se feriu nas ações.

Apesar de a Procuradoria-Geral de Minas Gerais ter criado a Procuradoria de Justiça com Atuação nos Tribunais Superiores (PJTS), organizando a nova unidade em meio às restrições impostas pela epidemia do novo coronavírus, a principal referência sobre a atuação dos órgãos do Ministério Público, o relatório MP Um Retrato, do Conselho Nacional do MP, ainda não inclui os números comemorados pela administração do órgão estadual.

Segundo o coordenador do órgão, o procurador de Justiça Gregório Assagra de Almeida, de janeiro a outubro de 2021 foram recebidos 33 mil processos físicos, 12.492 processos eletrônicos e 5.916 contrarrazões, totalizando quase 52 mil processos. Para Assagra, a resolutividade dada a esses processos determinará o real impacto da atuação do MP-MG na sociedade. Foi aberto, também, um escritório em Brasília, compartilhado com o Ministério Público de São Paulo, para auxiliar nas representações no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal.

Outro desdobramento em Brasília com impacto no MP-MG foi a votação da Proposta de Emenda à Constituição 5/2021, que mudaria a forma de estabelecer a composição e outras regras do Conselho Nacional do Ministério Público. Jarbas Soares chegou a ser citado diretamente pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pelas críticas feitas à PEC durante as negociações que levaram ao texto base da proposta.

“Nós tentamos ao máximo e ele [Lira] também, mas para mim havia um artigo que seria intolerável, que seria sobre o possível, digamos assim, amedrontamento dos membros do Ministério Público. Aquele artigo que permitiria, num primeiro momento, que o CNMP, que é um órgão administrativo, interferisse na atividade institucional dos membros do Ministério Público. Isso seria o absurdo do absurdo. E a segunda mudança permitia que se um membro do Ministério Público fosse punido administrativamente por conta de sua atuação, os atos praticados por ele seriam nulos. Então é uma forma indireta de interferir na atividade, sim, pois você encontra uma forma de coibir o membro para anular os processos em que ele atuou. Não era possível compor sobre isso”, afirmou Soares.

O procurador-geral de Justiça de Minas não nega que seja necessário promover reformas para melhorar a efetividade dos serviços do MP-MG e responder a uma demanda para prevenir abusos de autoridade, mas ele afirma que o foco dessas reformas não pode ser apenas punir membros, lembrando aos críticos que, se o CNMP pune pouco, ainda pune mais que o Conselho Nacional de Justiça.

Para ele, o objetivo deve ser a melhora da prestação jurisdicional. “Existe um sentimento contrário à independência do Ministério Público, que pega alguns casos específicos e tenta transformar isso para 16 mil pessoas (que atuam no MP). A ‘lava jato’ foi importante, teve um papel de grande valor histórico, com erros e acertos, mas não é maior que o Ministério Público. Não deve ser considerada na hora de pensarmos nas reformas necessárias”, disse em entrevista ao Anuário do Ministério Público.

Anuário do Ministério Público Brasil 2022
ISSN: 2675-7346
Edição: 2021 | 2022
Número de páginas: 204
Editora ConJur
Versão impressa: R$ 40, exclusivamente na Livraria ConJur (clique aqui)
Versão digital: acesse gratuitamente pelo site http://anuario.conjur.com.br e pelo app Anuário da Justiça

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