Anuário do MP

MP-RJ teve atividade marcante na vida política do estado em 2021

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8 de abril de 2022, 9h02

*Reportagem publicada no Anuário do Ministério Público Brasil 2022. A publicação está disponível gratuitamente na versão online e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa.

O Ministério Público do Rio de Janeiro é um dos maiores órgãos ministeriais do país. E poucos órgãos públicos foram tão presentes quanto o Ministério Público na grande miríade de convulsões sociais, políticas e econômicas que compuseram a vida do cidadão fluminense nos últimos anos. Um simples dado deixa patente o caos político que perpassa a história do estado: dos oito últimos governadores, seis foram presos e um sofreu impeachment. Nesse cenário prosperam a violência social e a criminalidade alimentadas pela guerra permanente entre forças de segurança, traficantes, facções criminosas e milícias.

Grandes investigações conduzidas há anos pelo MP-RJ seguem sem solução. É o caso das investigações envolvendo dois dos filhos do presidente da República Jair Bolsonaro (PL)), o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).

O Ministério Público do Rio agiu para manter viva a investigação contra Flávio Bolsonaro, mesmo com os questionamentos acerca do foro privilegiado do senador, acusado de manter esquema de  “rachadinhas” no seu gabinete quando era deputado estadual. O Superior Tribunal de Justiça reverteu, no início de 2021, a quebra de sigilo bancário do senador, decretada pelo juiz Flávio Itabaiana, alegando que a primeira instância tinha dado embasamento demasiadamente sucinto ao deferimento do pedido. Com isso, as provas obtidas por meio da quebra de sigilo foram anuladas.

O MP-RJ apelou da decisão e o PGJ, junto aos assessores da Atribuição Originária, estudou recompor as provas, encaminhando pedido similar ao original à desembargadora Maria Augusta Vaz Monteiro de Figueiredo, relatora da denúncia no Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ). A desembargadora havia decretado o prosseguimento do processo em junho de 2021 mesmo sem as provas anuladas, mas o ministro João Otávio de Noronha do STJ suspendeu as denúncias contra o senador e outros 15 acusados, afirmando que, com a derrubada dos relatórios, as acusações precisavam de novo delineamento.

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Em dezembro, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal julgou ilegais os Relatórios de Inteligência Financeira que foram produzidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) a partir de pedidos específicos do MP-RJ contra Flávio Bolsonaro, confirmando o entendimento do STJ. No entanto, um novo relatório de movimentações financeiras atípicas do filho mais velho do presidente da República já havia chegado às mãos da Procuradoria-Geral de Justiça.

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Ainda sem tantas idas e vindas como as investigações contra seu irmão mais velho, o MP fez denúncias de que funcionários fantasmas eram mantidos e havia esquema de “rachadinha” no gabinete de Carlos Bolsonaro. No final de agosto de 2021, o MP-RJ conseguiu que o Tribunal de Justiça confirmasse a quebra de sigilo bancário do vereador carioca autorizada pela 1ª Vara Especializada de Combate ao Crime Organizado.

Carlos Bolsonaro também foi denunciado ao MP-RJ pela Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia por incitação ao crime e disseminação de fake news, com base no artigo 286 do Código Penal. Para os senadores, o vereador carioca colocou a vida das pessoas em risco ao incentivá-las a ir às ruas contrariando as orientações sanitárias para a prevenção de contágio e ao se posicionar publicamente como contrário à vacinação da população. O relatório da CPI foi entregue ao procurador-geral Luciano Mattos em novembro de 2021, juntamente com um pedido para que o órgão continue as investigações iniciadas pelo Senado.

Procurador-geral de Justiça até o início de 2021, José Eduardo Gussem, responsável por denunciar o senador Flávio, se aposentou aos 56 anos, três dias após a posse do novo chefe da instituição, o promotor de Justiça Luciano Mattos. Na semana seguinte, fez-se alarde sobre a falta de comando do Grupo de Atuação Especializada e Combate à Corrupção (Gaecc) e, pouco depois, o grupo foi desfeito. Após diversos ataques públicos e insinuações feitas contra Gussem vindos dos Bolsonaro, havia uma percepção extremamente negativa de pressão sobre o órgão.

No entanto, o MP-RJ havia apenas transferido as atividades do Gaecc para o Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco), que ganhou um novo núcleo de combate à corrupção. Em sua posse, Luciano Mattos disse que o órgão buscaria, na sua administração, criar uma estrutura que pudesse atuar de forma mais eficiente. Uma das mudanças foi o fortalecimento do Gaeco.

O Ministério Público do Rio de Janeiro encerrou o ano de 2021 sem oferecer nenhuma nova denúncia e sem realizar nenhuma operação de investigação pública contra pessoas com foro privilegiado. Em 2020, o MP-RJ apresentou denúncias contra três juízes, dois membros do próprio MP, dois deputados estaduais e quatro prefeitos, cargos cuja atribuição para investigação é do procurador-geral. Além disso, foram as investigações do MP na operação mercadores do caos, ainda em maio de 2020, que levaram à prisão do secretário de saúde do estado, Edmar Santos, por desvios nas verbas para a construção de hospitais de campanha e compra de respiradores.

Wilson Witzel, ainda atuando como governador, exonerou o secretário, mas também foi implicado no esquema, o que acabou levando ao seu impeachment. Em abril de 2021, o Tribunal Especial Misto – composto por cinco desembargadores e cinco deputados estaduais – julgou procedente a denúncia contra Witzel por crime de responsabilidade. Com a condenação, perdeu o cargo de governador e ficou inabilitado para o exercício de função pública pelo prazo de cinco anos.

O atual governador do Rio, Cláudio Castro (PL-RJ), também foi investigado em 2021 pelo MP-RJ, sob a suspeita de participar de um esquema de desvio de verbas da merenda escolar. O Tribunal de Contas do Estado identificou 11 possíveis irregularidades nos contratos e um possível direcionamento da licitação, uma vez que houve contratação da proposta mais alta.

A PGJ se empenhou em reforçar a estrutura das promotorias, com a criação de forças-tarefa. Uma delas foi criada em março para seguir com as investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, Anderson Gomes, ocorrido em 2018, colocando à frente promotoras que atuavam na investigação dentro do Gaeco.

Em dezembro de 2021, o tribunal do júri do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acatou a tese do Ministério Público e condenou 12 réus acusados de fazer parte da milícia chefiada por Adriano da Nóbrega, conhecida como Escritório do Crime. Formada por ex-PMs, era a principal força em Rio das Pedras, Muzema e outras áreas da Zona Oeste do Rio até ser alvo da operação intocáveis, do Gaeco. Dois membros da quadrilha, Ronnie Lessa e Élcio Queiroz, são os principais suspeitos de terem executado Marielle Franco. Lessa foi condenado em julho, junto com outros quatro réus, pela acusação apresentada pelo MP-RJ de ter ocultado provas do crime.

Outra força-tarefa do Gaeco combatendo a atuação de milícias no Rio, a Força-Tarefa de Combate à Ocupação Irregular do Solo, ataca uma das principais fontes de renda dos criminosos que é a construção e venda de imóveis irregulares. Em 2021, foi feita ação para a derrubada de sete prédios clandestinos construídos por milicianos em Muzema. Os responsáveis são apontados como sendo os substitutos dos criminosos condenados na operação intocáveis. Em junho, um prédio em condições similares em Rio das Pedras desabou, matando duas pessoas. Em 2019, dois prédios construídos por milicianos desmoronaram e deixaram 24 mortos na própria região de Muzema.

O modelo de forças-tarefas também foi o escolhido para lidar com as demandas criadas pela epidemia de covid-19. O PGJ criou uma para fiscalizar as ações e serviços de saúde no combate à doença e outra focada em acompanhar o planejamento para o retorno às aulas presenciais no sistema educacional e a qualidade das aulas remotas. A primeira se destacou ao acusar a prefeitura de Duque de Caxias de descumprir ordens judiciais para se adequar ao Plano Nacional de Imunização, levando a PGJ a abrir um procedimento administrativo para analisar um pedido de intervenção parcial no município.

O ano de 2021 também foi marcado pela atuação no controle externo das atividades policiais. No primeiro semestre, o MP-RJ criou a Coordenadoria-Geral de Segurança Pública (Cogesp), com a missão de direcionar a atuação do MP, monitorar o mapa da criminalidade no estado e a regularidade, a adequação e a eficiência da atividade policial. Para Luciano Mattos, o controle externo das polícias está ligado ao planejamento das políticas de segurança, tarefa para a qual o Ministério Público se dispõe a fazer a interlocução com os órgãos e setores da sociedade afetos ao tema.

Desde o início da epidemia de covid-19, o STF decretou a suspensão de operações policiais nos morros cariocas, salvo em casos extraordinários, quando o MP deve ser informado e acompanhar a operação. Não foi o que aconteceu em maio de 2021, quando a Polícia Civil do Rio de Janeiro invadiu a comunidade de Jacarezinho, deixando 28 mortos na ação mais letal da história da cidade.

Seis dias após o massacre e após um pedido expresso do ministro do STF Edson Fachin, foi criada uma força-tarefa para investigar excessos na ação, que a princípio buscava apenas cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão na comunidade. Ao fim do ano, dois policiais civis foram denunciados por homicídio e fraude pericial com relação à chacina.

A Cogesp promoveu debates sobre a implementação no Rio da tecnologia de monitoramento por câmeras nas fardas dos policiais que já é usada em São Paulo, conforme prevê a Lei 9.298/2021. A cúpula do órgão, assim como o comando das polícias, prevê que o uso de câmaras vai fomentar uma mudança na cultura de segurança pública do estado, garantindo os direitos humanos dos cidadãos e ajudando a solucionar mais crimes.

Um investimento direto do MP-RJ é o projeto Impacta, elaborado pelo Laboratório de Inovação, que busca soluções tecnológicas para problemas como o combate a milícias, o enfrentamento de crimes ligados ao patrimônio financeiro e o controle da atividade policial no Rio. Para Luciano Mattos, as milícias são um problema grave que, além da dimensão criminal, tem ramificações que perpassam a vida das comunidades onde atuam, incluindo questões urbanísticas e ambientais.

Anuário do Ministério Público Brasil 2022
ISSN: 2675-7346
Edição: 2021 | 2022
Número de páginas: 204
Editora ConJur
Versão impressa: R$ 40, exclusivamente na Livraria ConJur (clique aqui)
Versão digital: acesse gratuitamente pelo site http://anuario.conjur.com.br e pelo app Anuário da Justiça

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