2ª Turma do STF aplica princípio da insignificância a réu reincidente
5 de abril de 2022, 20h47
O princípio da insignificância atua como causa de exclusão da tipicidade. Assim, sua incidência não pode ser impedida apenas porque o réu tem antecedentes criminais. Com esse entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por três votos a dois, absolveu nesta terça-feira (5/4) um reincidente condenado por furtar quatro desodorantes e dois aparelhos de barbear estilo prestobarba, no valor de R$ 114,36.
O relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, deixou de aplicar a insignificância pelo fato de o réu ser reincidente. Porém, determinou que a pena de um ano, quatro meses e 15 dias de reclusão fosse cumprida inicialmente em regime aberto, e não semiaberto, como decidido pela primeira instância.
A Defensoria Pública da União recorreu. No julgamento do agravo regimental, nesta terça, Lewandowski manteve o entendimento. Segundo ele, a reprovabilidade do réu é acentuada por ele responder a outras ações penais. Dessa maneira, não é possível aplicar o princípio da insignificância, disse. O voto do relator foi seguido pelo ministro Nunes Marques.
Porém, prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes e seguida pelos ministros André Mendonça e Luiz Edson Fachin.
Gilmar apontou, no HC 153.983, acentuou que o princípio da insignificância acabou por se solidificar como importante instrumento de aprimoramento do Direito Penal. Segundo ele, uma precisa delimitação da tipicidade material em suas dimensões positiva e negativa pode indicar se o princípio da insignificância deve ser aplicado ao caso.
A dimensão valorativa positiva do tipo material, explicou o ministro, está ligada ao bem jurídico tutelado. Portanto, a questão decisiva nesse ponto é saber se a norma protege um valor da comunidade que deve ser tutelado pelo Direito Penal. Já a dimensão negativa da tipicidade material, detalhou, está conectada ao grau de lesividade da conduta praticada pelo réu ao bem jurídico protegido pela norma penal.
"A questão é saber se e em que grau o comportamento ofende o bem jurídico digno de tutela penal", declarou Gilmar. Ele ressaltou que o princípio da ofensividade prevê que não há tipicidade material — portanto, não há crime — quando a conduta concreta do agente não representar uma efetiva lesão ou uma possibilidade de lesão ao bem jurídico.
"Em uma leitura conjunta do princípio da ofensividade com o princípio da insignificância, estaremos diante de uma conduta atípica quando a conduta não representar, pela irrisória ofensa ao bem jurídico tutelado, um dano (nos crimes de dano), uma certeza de risco de dano (nos crimes de perigo concreto) ou, ao menos, uma possibilidade de risco de dano (nos crimes de perigo abstrato), conquanto haja, de fato, uma subsunção formal do comportamento ao tipo penal. Em verdade, não haverá crime quando o comportamento não for suficiente para causar um dano, ou um perigo efetivo de dano, ao bem jurídico", avaliou o ministro.
No caso, o furto de quatro desodorantes e dois aparelhos de barbear não é capaz de lesionar significativamente o bem jurídico protegido, sendo afastada a tipicidade material do tipo penal imputado, analisou o magistrado. "Trata-se de um caso exemplar em que não há qualquer demonstração da lesividade material da conduta, apesar da subsunção desta ao tipo formal."
Para Gilmar, não é razoável que o Direito Penal e todo o sistema de Justiça se movimentem para buscar punir um homem que furtou itens no valor total de R$ 114,36. Como o Direito Penal tem caráter subsidiário, deve se guiar pela intervenção mínima, somente atuando para proteger os bens jurídicos de maior relevância e transcendência para a vida social, declarou.
"Assim, só cabe ao Direito Penal intervir quando outros ramos do Direito demonstrarem-se ineficazes para prevenir práticas delituosas (princípio da intervenção mínima ou ultima ratio), limitando-se a punir somente condutas mais graves dirigidas contra os bens jurídicos mais essenciais à sociedade (princípio da fragmentariedade)", declarou.
O prejuízo material causado pelo furto foi insignificante, e a conduta não ter causou lesividade relevante à ordem social — até porque os itens foram devolvidos. Portanto, deve se aplicar o princípio da insignificância, opinou o ministro, considerando a conduta atípica.
Levando em conta que o princípio da insignificância atua como causa de exclusão da própria tipicidade, não se pode afastar a sua incidência apenas pelo fato de o réu ter antecedentes criminais, afirmou Gilmar Mendes.
"Partindo-se do raciocínio de que crime é fato típico e antijurídico ou, para outros, fato típico, antijurídico e culpável, é certo que, uma vez excluído o fato típico, não há sequer que se falar em crime", disse o ministro.
Clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes
AgR no HC 198.437
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