Degeneração política

Advogados opinam sobre possível crime em declaração de Eduardo Bolsonaro

Autor

5 de abril de 2022, 20h28

No último domingo (3/4), o deputado Federal Eduardo Bolsonaro (PSL) publicou uma resposta a um texto da jornalista Miriam Leitão que despertou repúdio na opinião pública. A comentarista publicou uma coluna em que afirma que o presidente Jair Bolsonaro (PL) é um inimigo confesso da democracia e analisava ataques recentes do mandatário às instituições democráticas.

Reproducão
Em resposta, o filho do presidente respondeu: "Ainda com pena da [e acrescentou um emoji de cobra]". Ocorre que Miriam Leitão foi presa e torturada por agentes da ditadura militar quando estava grávida. Em uma das sessões ela foi deixada nua em uma sala escura com uma cobra.

O escárnio com que Eduardo Bolsonaro tratou o suplício alheio provocou uma série de representações de partidos políticos pedindo a cassação do deputado. Miriam Leitão se manifestou dizendo que foi envolvida por mensagens de carinho após o fato e que mantém sua esperança no Brasil.

A ConJur ouviu especialistas sobre a possibilidade de o deputado ter praticado um crime comum e, apesar da unanimidade em torno do repúdio as declarações, a maioria dos consultados acredita que Eduardo Bolsonaro não cometeu crime.

O jurista e colunista da ConJur, Lenio Streck, classificou a declaração como um retrato de degeneração não só da política. "Impossível ir mais abaixo. Uma mulher grávida atirada em uma cela, presa junto a uma cobra. Tortura da mais bárbara. Se um ser humano se regozija com isso, é pura patologia. É crime? Difícil dizer, porque o legislador penal não pensou nesse patamar. O Código é para crimes digamos assim "normais" — entendam bem estas aspas, por favor. A manifestação do deputado é um ponto fora da curva — de tão abjeto. Basta imaginar a cena. Uma moça grávida… e uma cobra.  É de chorar. Gritar. A humanidade fracassou. Desculpem-me. Claro que é quebra de decoro parlamentar. Ou o Parlamento acha normal isso?", afirmou.

O mesmo entendimento tem o doutor em Direito Penal pela USP, Conrado Gontijo. "É evidente que as falas dele são gravíssimas, incompatíveis com as funções que ele desempenha e com o decoro parlamentar. Todavia, não as vejo como caracterizadoras de apologia a fato criminoso. Os Bolsonaro já deram muitas provas do desapreço que tem pela democracia, praticaram inúmeros crimes, agem cotidianamente de forma incompatível com as funções que desempenham. Mas, apesar de abomináveis as falas de Eduardo, na minha opinião, não se enquadram no artigo 287", explica.

O doutorando em Direito Constitucional pelo IDP, Daniel Oliveira, diverge e acredita que a fala do deputado pode sim ser enquadrada no artigo 287. "A apologia a conduta criminosa está prevista no Código de Processo Penal. Ele também ofende o Código de Ética Parlamentar e o Regimento Interno da Câmara dos Deputados", afirma.

Filho de peixe
O artigo 287 do Código de Processo Penal citado por Gontijo e Oliveira já foi usado para pedir a abertura de inquérito contra o patriarca da família Bolsonaro pela seccional fluminense da OAB. A medida foi provocada pela homenagem que o então parlamentar fez ao coronel e ex-chefe do Doi-Codi (órgão de repressão da ditadura militar) Carlos Brilhante Ustra, na sessão da Câmara dos Deputados do último dia 17 de abril, em que foi aprovado o início do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).

Foram duas as representações — uma destinada à Câmara dos Deputados e outra à Procuradoria-Geral da República. Na representação à PGR, a OAB-RJ pede que o órgão ofereça ao Judiciário denúncia para abertura de processo penal contra o deputado com base no artigo 287 do Código Penal, que considera crime contra a paz pública o seguinte: "Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime."

Repúdio geral
Entidades como Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) manifestaram repúdio sobre a conduta do parlamentar. 

"Causa indignação que um parlamentar, detentor de cargo e salário públicos, use sua voz para ofender mais uma vez a jornalista, citando de forma desqualificada e jocosa o período em que ela foi presa e torturada sob o regime militar no Brasil", diz trecho da manifestação da Abraji. 

A Fenaj, por sua vez, lembrou que "não foi a primeira vez que Eduardo Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, tratou a tortura como uma prática banal e defensável. Também não foi a primeira vez que a jornalista Míriam Leitão foi desrespeitada pela família Bolsonaro, em sua história de militante e presa política".

Políticos de diferentes espectros ideológicos como o ex-presidente Lula (PT), Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB), Marina Silva (Rede) e o ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Sergio Moro (União Brasil), também condenaram a declaração.

Autores

Tags:  

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!