Opinião

Majoração das alíquotas do IOF é inconstitucional

Autores

  • André Luiz Martins Freitas

    é sócio-fundador do escritório de advocacia Martins Freitas Advogados Associados de Belo Horizonte.

  • Pedro Sales Abrantes

    é graduando em Direito pela UFMG interessado nas áreas de Direito Tributário Direito Empresarial Direito Internacional e Finanças. Atua no escritório Martins Freitas Advogados Associados com foco na redação de peças processuais e artigos informativos relativos ao Direito Tributário.

29 de setembro de 2021, 12h09

Foi publicado recentemente pelo governo federal o Decreto 10.797/2021, que aumenta as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Ocorre que, devido a diversos fatores, defende-se a inconstitucionalidade do decreto. O principal ponto, nesse sentido, é o fato de que não se deve atribuir finalidade específica a impostos, conforme deixa explícito o que está previsto no artigo 167 da Constituição Federal, que possui a seguinte redação:

"Artigo 167  São vedados:
(…)
IV – a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no artigo 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo".

A majoração da alíquota, conforme noticiado, possui o objetivo de arrecadar verbas para arcar com os custos do programa denominado Auxílio Brasil, que, no presente governo, substitui o Bolsa Família. Por essa razão, o intuito do decreto, anunciado em nota pelo Ministério da Economia, viola o dispositivo do texto constitucional, visto que define um destino específico para a receita proveniente de um imposto específico.

Nota-se, ademais, que o IOF se caracteriza como um "tributo extrafiscal", ou seja, sua função vai além da arrecadatória, de modo que é utilizado na formulação de políticas públicas, regulamentações e demais operações que extrapolam o interesse exclusivo em arrecadar. Em suma, os impostos extrafiscais, a exemplo do IOF, do IPI e do Imposto de Exportação, possuem o escopo de intervir ou regular a situação estatal. Dessa maneira, o governo, ao publicar o decreto em questão, está indo contra a condição extrafiscal do Imposto sobre Operações Financeiras.

Além disso, conforme prevê a Lei nº 8.894/1994, que regulamenta o IOF, a justificativa apresentada pelo governo para a instituição do Decreto 10.797/2021 não condiz com a condição na qual o Poder Executivo pode alterar as alíquotas desse tributo. Confere-se isso a partir do seguinte texto do artigo 1º, §2º, da lei mencionada.

"Artigo 1º — O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos e Valores Mobiliários será cobrado à alíquota máxima de 1,5% ao dia, sobre o valor das operações de crédito e relativos a títulos e valores mobiliários.
(..)
§ 2º O Poder Executivo, obedecidos os limites máximos fixados neste artigo, poderá alterar as alíquotas tendo em vista os objetivos das políticas monetária e fiscal" (grifo dos autores).

Assim sendo, é de fácil entendimento que o programa Auxílio Brasil não se trata de política monetária ou fiscal.

Essa mesma lei, em seu artigo 5°, parágrafo único, estabelece que "o Poder Executivo poderá reduzir e restabelecer a alíquota fixada neste artigo, tendo em vista os objetivos das políticas monetária, cambial e fiscal", corroborando para a concepção de que a finalidade posta pelo governo federal, ao modificar as alíquotas do IOF, não está de acordo com a legislação que regulamenta esse imposto. Percebe-se ainda que não há no contexto atual do mercado de crédito brasileiro quaisquer razões, no âmbito monetário ou fiscal, que justifiquem a majoração das alíquotas. 

Quanto a essa discussão, o posicionamento do STF no julgamento do RE nº 225.602/CE aponta justamente a finalidade principal, que apresentam os impostos de natureza extrafiscal, de serem utilizados como instrumentos para a realização de políticas governamentais e, além disso, aponta a necessidade de observância da lei para que o Poder Executivo altere os valores das alíquotas dos impostos dessa natureza. Veja-se no seguinte trecho do voto do relator, ministro Carlos Velloso:

"É dizer, no que concerne aos impostos de importação (inc. I do artigo 153), exportação para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados (inc. II do artigo 153) a Constituição excepciona o princípio da legalidade relativamente à majoração da alíquota. É que tais impostos têm natureza extrafiscal. São mais instrumentos de realização de políticas governamentais e menos forma de arrecadação ou de ingresso de dinheiro nos cofres públicos. Dá-se, então, em razão da ressalva inscrito no citado §1º do artigo 153, espécie de exceção mitigada do princípio da legalidade tributária: o Executivo pode alterar as alíquotas dos impostos mencionados — importação, exportação, IPI e IOF — com observância, entretanto, das condições e dos limites estabelecidos em lei".

Por todo o exposto, é notável a inconstitucionalidade do dispositivo do Decreto 10.797/2021 e, nesse caso, uma opção viável para que o contribuinte se previna dos efeitos do aumento das alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras, de modo que os princípios expressos na Constituição Federal sejam preservados, é a impetração do mandado de segurança preventivo.

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    é advogado e sócio do escritório Martins Freitas Advogados Associados, ex-procurador da Fazenda do Estado de Minas Gerais, ex-fiscal de Tributos Estaduais dos Estados de Goiás e de Minas Gerais e membro da Comissão de Direito Tributário da OAB — Seção Minas Gerais.

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    é graduando em Direito pela UFMG e atua no escritório Martins Freitas Advogados Associados, com foco na redação de peças processuais e artigos informativos relativos ao Direito Tributário.

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