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Segatto e Segatto: O tempo como punição antecipada

30 de novembro de 2021, 13h42

Por Vinícius Segatto, Ana Luisa Segatto

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A Emenda Constitucional nº 45/2004 introduziu ao artigo 5º da Constituição Federal o direito à razoável duração do processo, por meio do inciso LXXVIII, estabelecendo que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação".

O constituinte se preocupou, portanto, em garantir a qualidade do cumprimento das missões estatais e, além disso, deu ao artigo uma louvável amplitude. Isto é, não o restringiu a determinada esfera e nem mesmo limitou-o aos processos judiciais.

Na realidade, garantiu a razoabilidade temporal dos processos tanto no plano judicial quanto no administrativo para a aplicação do citado direito fundamental no curso de inquéritos policiais, investigações preliminares e medidas judiciais, entre outros. A busca pela celeridade na prestação jurisdicional é atualmente imperativo constitucional que deve ser tratado como dever do Estado-Administração.

Se estes não estão devidamente munidos ao adequado cumprimento da norma e a finalidade de executar o papel social do processo, cumpre ao Poder Judiciário atuar ativamente, buscando soluções de cunho compensatório, sancionatório ou processual.

Aliás, essa correlação entre processo e tempo assume posição ainda mais complexa quando o Estado exerce seu poder punitivo, seja por meio da área do Direito Penal, seja através do Direito Administrativo Sancionador. O lapso exacerbado de tempo para conclusão de uma investigação, por exemplo, é equação inaceitável ao próprio Estado democrático de Direito, porquanto transgride seus princípios basilares.

É fundamental: todo acusado/investigado tem o direito de obter, em tempo determinado, manifestação judicial ou extrajudicial que defina sua posição. Como trata o Direito Constitucional norte-americano, em que todo cidadão tem o right to a speed trial, findando da maneira mais célere possível a situação de incerteza em que se encontra.

Ao enquadrar a razoável duração do processo ao patamar dos direitos fundamentais, o legislador veio salvaguardar os indivíduos e não justificar delongas em claro prejuízo ao status dignitatis do investigado.

A eterna duração e a propagação de prazos meramente dilatórios em sede de investigações preliminares e a demora na prestação jurisdicional não só afetam diretamente a ideia de proteção judicial efetiva, mas comprometem rigorosamente a proteção da dignidade da pessoa humana.

O tempo possui inquestionável relevância no âmbito do Direito Sancionador porque, diferentemente do que se imagina, seu cálculo e sua consequência não geram números em comum, pelo contrário, transformam-se em verdadeira punição antecipada, com incontestáveis e incontáveis efeitos deletérios ao indivíduo.

Isso porque só o nascedouro de uma investigação já é suficiente para submeter alguém à retaliações insanáveis que nenhum tempo é capaz de apagar, vez que a publicidade desenfreada de matérias criminais, com ampla divulgação de dados dos investigados, não só reflete de modo negativo na reputação dessas pessoas, mas influi diretamente na averiguação dos fatos e, também, em seu condigno julgamento.

Há uma formação geral de convencimento persuadido que, se não impossibilita, praticamente massacra a esperança de um investigado arguir suas razões para se defender de uma acusação. É dever do Estado resguardar as consequências e os reflexos que uma investigação ou um processo pode acarretar ao indivíduo submetido ao poder punitivo ante o Estado democrático de Direito e um de seus maiores pilares: a presunção de inocência.

O referido princípio é verdadeira garantia fundamental de civilidade, resultado de uma escolha garantista em prol da tutela da imunidade de inocentes, e seu objetivo principal é que todos os inocentes, sem quaisquer seletividades ou exceções, estejam protegidos de perquirições criminais infundadas que se alastram no tempo.