Opinião

A sustentabilidade ambiental na nova Lei de Licitações e Contratos Administrativo

Autor

  • Carlos Sérgio Gurgel da Silva

    é professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte doutor em Direito pela Universidade de Lisboa mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte advogado geógrafo conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional do Rio Grande do Norte presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-RN conselheiro titular no Conselho da Cidade do Natal (Concidade) e no Conselho de Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Norte (Conema) autor de inúmeros livros capítulos de livros e artigos nas áreas de Direito Ambiental Direito Urbanístico e Direito Constitucional.

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28 de novembro de 2021, 7h13

A sustentabilidade ambiental é mais do que uma ideia. Trata-se de um conceito que ganhou força em escala mundial a partir do chamado Relatório Brundtland, também chamado Our Common Future ("Nosso Futuro Comum"), que define desenvolvimento sustentável como o desenvolvimento que atende às necessidades do presente sem que se comprometa a habilidade das futuras gerações de atender às suas próprias necessidades. Sendo assim, pode-se afirmar que a sustentabilidade ambiental é um dever moral que as presentes gerações têm para com as gerações do futuro.

Trata-se ainda de uma lógica de manutenção da vida, uma vez que, ao perseguir o desenvolvimento sustentável, os estados e suas populações asseguram a manutenção das florestas, dos recursos hídricos, da qualidade do ar, da vida marinha, da produção mineral, entre outros bens ambientais.

A nova Lei de Licitações não poderia esquecer dos compromissos ambientais assumidos pelo Brasil desde longas datas, especialmente desde a I Conferência das Nações Unidas de Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em Estocolmo (Suécia), em 1972. Na época, ainda não se falava no termo "desenvolvimento sustentável", mas a lógica que lhe sustenta já era conhecida. Falava-se em "ecodesenvolvimento", ou seja, um tipo de desenvolvimento econômico que fosse responsável e justo para com as gerações do futuro, especialmente em se tratando de questões ambientais.

Tais discussões sempre apontaram para a necessidade de se "cultivar" uma ética ambiental, a qual seria a justa medida para intervenções antrópicas responsáveis. Tal ética ambiental tem sido o motor de transformações do Direito desde a década de 1970, uma vez que diversos países têm incorporado valores ambientais em suas legislações, o que se materializa, em regra, através de instrumentos, planos, programas e políticas públicas.

A Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril deste ano, que se autodenomina Lei de Licitações e Contratos Administrativos, veio substituir a antiga disciplina oriunda da Lei 8.666/1993. Ao contrário do diploma anterior, a nova norma trouxe consigo toda uma sistemática que se pauta na lógica da sustentabilidade ambiental. Assim como faz a Constituição Federal de 1988, ao distribuir dispositivos de tutela ambiental ao longo de seu texto, a lei em tela também distribui ao longo de seu texto diversos artigos com o objetivo principal de zelar pela garantia do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Em síntese, pode-se afirmar que a licitação é um processo que visa a tornar lícita a contratação, ou seja, fazer com que a subsequente contratação esteja pautada nos princípios do regime jurídico-administrativo, os quais estão intimamente conectados aos princípios e valores da nossa Constituição Verde. Tudo isso ocorre para concretizar o comando descrito no artigo 225, caput, da Constituição, quando afirma que se impõe ao poder público e à coletividade, o dever de defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Vejamos abaixo todos os artigos da Lei nº 14.133 que apontam para a necessidade de licitações e contratações sustentáveis:

— Artigo 5º, caput;

— Artigo 6º, inciso XII;

— Artigo 6º, inciso XVIII, alínea "h";

— Artigo 6º, inciso XXIV, alínea "e";

— Artigo 6º, inciso XXV;

— Artigo 6º, inciso XXV, alínea "a";

— Artigo 11, inciso IV;

— Artigo 11, parágrafo único;

— Artigo 18, §1º, inciso XII;

— Artigo 25, §5º, inciso I;

— Artigo 25, §6º;

— Artigo 34, §1º;

— Artigo 42, II;

— Artigo 45, incisos I e II;

— Artigo 74, III, alínea "h";

— Artigo 75, III, alínea "j";

— Artigo 115, §4º;

— Artigo 124, §2º;

— Artigo 137, inciso VI;

— Artigo 137, §2º, inciso V;

— Artigo 144, caput;

— Artigo 147, incisos II e III;

— Artigo 178.

De todos esses artigos, aqueles que consideramos os mais relevantes são os que apontam para a necessidade de uma mudança de mentalidade nas contratações públicas. Podemos iniciar destacando o teor do artigo 5º, o qual dispõe que:

"Artigo 5º  Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)".

Perceba que o princípio constitucional ambiental do desenvolvimento sustentável é destacado como princípio específico das licitações e contratações realizadas a cargo da Administração Pública. Com esse dispositivo a lei em tela inaugura uma série de exigências legais que apontam para a fundamentalidade do tratamento ambiental, o que ocorre também em valorização de outros princípios clássicos do Direito Ambiental como os da prevenção, da precaução, da responsabilidade e do poluidor-pagador, entre outros.

Importante ainda destacar o teor do artigo 11, inciso IV, dessa mesma lei, uma vez que dispõe que o incentivo a inovação e ao desenvolvimento nacional sustentável são objetivos do processo licitatório. Pelo que se compreende até então, é possível afirmar, sem sombra de dúvidas, que o mais importante de todos os princípios, que regem o processo de licitação é o princípio do desenvolvimento nacional sustentável, isso porque o ambiente é a base de todos os direitos fundamentais, até porque não há direito à vida sem um ambiente ecologicamente equilibrado.

Por fim, vale transcrever e refletir sobre o teor do artigo 144 da nova lei de licitações e contratos, abaixo transcrito:

"Artigo 144  Na contratação de obras, fornecimentos e serviços, inclusive de engenharia, poderá ser estabelecida remuneração variável vinculada ao desempenho do contratado, com base em metas, padrões de qualidade, critérios de sustentabilidade ambiental e prazos de entrega definidos no edital de licitação e no contrato".

Percebe-se que a nova lei entrega à sustentabilidade ambiental o valor que ela merece, não em razão de um discurso ideológico, mas de uma necessidade vital de ordem e planejamento. Com tais alterações, mesmo ainda longe de ser perfeita, como qualquer produto humano, a lei em comento finalmente se alinha à lógica constitucional que aponta para a urgência de um real desenvolvimento sustentável, contemplando as três principais vertentes de seu conceito: o social, o econômico e o ambiental.

Autores

  • é professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, doutor em Direito pela Universidade de Lisboa, mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, especialista em Direitos Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Norte, advogado, geógrafo, conselheiro estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Norte, membro da Comissão de Educação Jurídica da OAB/RN e membro-consultor da Comissão Nacional de Direito Ambiental da Conselho Federal da OAB.

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