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Opinião: TST não pode firmar precedente vinculante da Constituição

18 de novembro de 2021, 20h25

Por Luiz Carlos Santos Junior

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Em 18/11/2019, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ao julgar o Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 2, fixou a seguinte tese: "É inaplicável ao regime de trabalho temporário, disciplinado pela Lei nº 6.019/74, a garantia de estabilidade provisória à empregada gestante, prevista no artigo 10, II, b, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias".

Inicialmente, impende destacar que o incidente de assunção de competência é um precedente vinculante, de aplicação obrigatória, que busca uniformizar o entendimento de determinado tribunal sobre questões relevantes de direito, com grande repercussão social, sobre a qual não haja a repetição em múltiplos processos, de forma a auxiliar a corte a manter a sua jurisprudência estável, íntegra e coerente.

Devido à sua eficácia vinculante, a tese fixada será aplicada em todos os casos que se enquadrem na sua ratio decidendi, independentemente da participação de todos os sujeitos dos processos atingidos pelo precedente, razão pela qual para que seja conferida legitimidade constitucional [1] a esse padrão decisório, é imprescindível a ampliação do contraditório, garantindo, assim, a democratização na formação da decisão, que pode se dar, por exemplo, por meio da participação de amicus curiae.

Vale destacar que, por se tratar de um precedente vinculante, a tese supracitada está sendo aplicada em todo o território nacional, ou seja, o Tribunal Superior do Trabalho acabou por realizar uma interpretação direta do texto constitucional, em que pese a competência para interpretação do texto constitucional caiba ao Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição.

A esse respeito, tem se que a competência recursal do Tribunal Superior do Trabalho em face de decisões proferidas com violação literal de disposição de lei federal ou afronta direta e literal à Constituição Federal não foi conferida diretamente pela Constituição, mas, sim, por meio de lei, da Consolidação das Leis do Trabalho, o que de certa forma pode ocasionar questionamentos quanto à sua legitimidade para decidir sobre matéria constitucional.

Ademais, impende destacar que a competência para julgar recursos de decisões que afrontam direta e literalmente a Constituição não confere ao TST a legitimidade para estabelecer precedentes vinculantes do texto constitucional, os quais, repisa-se, terão abrangência em todo o território nacional, pois, assim atuando, usurpa função precípua do guardião da Constituição, STF. Imprescindível realizar esse distinguishing.

Ressalta-se que o presente artigo aborda unicamente a possível incompetência do TST para fixar precedentes vinculantes do texto constitucional, não restando qualquer oposição quanto à interpretação do texto constitucional em processos subjetivos. O próprio Superior Tribunal de Justiça não realiza a interpretação direta do texto constitucional, considerando que na Justiça comum é possível a interposição de recurso extraordinário da decisão de segundo grau diretamente ao STF, o que corrobora com a tese aqui defendida.

Nessa esteira, resta extremamente temerário atribuir essa competência para o TST, porquanto estar-se-á diante de uma decisão impositiva do texto constitucional que abrangerá todo o país, sem que tenha havido a apreciação da Corte Suprema. No caso concreto, não soa razoável que o TST possa determinar o alcance do dispositivo constitucional previsto no artigo 10, II, "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, restringindo o alcance da norma constitucional às gestantes submetidas ao regime de trabalho temporário previsto na Lei nº 6.019/74.

Nessa esteira, por meio da tese fixada pelo TST no IAC nº 02, o tribunal estabeleceu precedente vinculante acerca da inaplicabilidade do dispositivo constitucional previsto no artigo 10, II, "b", do ADCT ao contrato temporário, o qual possui alcance nacional, aplicabilidade imediata e observância obrigatória pelos demais órgãos do Judiciário Trabalhista, contudo, advoga-se que assim não poderia ser, pois compete ao Supremo, em última análise, a interpretação da Constituição, e, consequentemente, a formação de padrões decisórios com eficácia vinculante em matéria constitucional.

Por todo o exposto, tem-se que o precedente examinado carece de legitimidade constitucional para viger no ordenamento jurídico, pois estabelecido por instância incompetente, já que cabe ao STF a função precípua de guardião da Constituição. 

 


[1] Câmara, Alexandre de Freitas. Levando os padrões decisórios a sério. 1ª. ed.  São Paulo: Atlas, 2018.