Discriminação aparente

Júri com apenas um negro julga homens brancos nos Estados Unidos

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7 de novembro de 2021, 8h52

Começou na sexta-feira (5/11) nos Estados Unidos o julgamento de três homens brancos — pai, filho e vizinho — acusados de matar um homem negro que corria em um subúrbio de Brunswick, Geórgia, em fevereiro de 2020. Como o homem negro, Ahmaud Arbery, 25, estava correndo, os homens brancos, Gregory McMichael, seu filho, Travis McMichael, e o vizinho, William Bryan, concluíram que ele era um ladrão em fuga. Perseguiram Arbery em duas camionetes, com a intenção de efetuar uma prisão civil. No confronto, um deles atirou em Arbery. O vizinho filmou tudo em seu celular e o vídeo levou à prisão dos suspeitos.

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Três brancos são julgados pelo assassinato de um homem negro nos EUA
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É um caso em que o preconceito racial é um dos pontos principais na definição da motivação do crime. Mas, surpreendentemente, o júri de 12 pessoas tem apenas um jurado negro. Os quatro integrantes do banco de reservas também são brancos.

Havia 12 pessoas negras no pool de 48 convocadas para a seleção do júri, mas a defesa eliminou três delas por recusas imotivadas e oito por recusas motivadas.

O juiz Timothy Walmsley reconheceu que a formação final do corpo de jurados tem uma "aparência de discriminação intencional", mas aceitou a eliminação pela defesa dos 11 candidatos negros a jurados. O processo de seleção do júri durou 11 dias.

Os promotores pediram ao juiz para anular a eliminação de oito pessoas negras, que teriam sido descartadas por causa de sua raça ser a mesma da vítima. Alegaram que uma decisão da Suprema Corte dos EUA (Batson v. Kentuchy) declarou inconstitucional a eliminação de possíveis jurados somente com base em raça ou afiliação étnica.

Mas o juiz, apesar de reconhecer a aparente discriminação intencional, citou limitações impostas pelo precedente da Suprema Corte e declarou que os advogados de defesa não mencionaram, em suas justificativas para eliminar as pessoas negras, argumentos de cunho racial ou étnico.

A família de Arbery protestou, dizendo que as razões apresentadas pela defesa para recusar os candidatos a jurados negros poderiam se aplicar a muitos dos candidatos brancos. "Isso deixou muita gente angustiada, porque é difícil acreditar que o julgamento será justo", disseram ao The Guardian, ao The New York Times e à NPR (National Public Radio).

Segundo o New York Times, o júri racialmente desequilibrado, em um condado em que 27% da população é negra e 67%, branca, ressalta as persistentes dificuldades das cortes americanas de aplicar um simples princípio constitucional: o de que a justiça igual para todos "requer que um julgamento criminal seja livre de discriminação racial no processo de seleção do júri", como o ministro Brett Kavanaugh escreveu em uma decisão de 2019.

Curiosamente, o único homem negro que serve no júri tem, sozinho, tanto poder de decisão quanto os demais 11 jurados brancos somados. Os veredictos dos júris nos EUA devem ser unânimes — isto é, os 12 jurados devem concordar com um veredicto de "culpado" ou "não culpado".

Não é esperado que os 11 jurados brancos vão votar a favor da inocência dos réus só porque são brancos. Mas, se o fizerem, e o jurado negro votar a favor da condenação, a situação de "júri indeciso" levará o juiz a declarar mistrial — ou seja, o julgamento será invalidado e um novo julgamento terá de ser programado.

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