De volta para o futuro

Distanciamento social molda uma Justiça Federal mais moderna e próxima do real

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4 de novembro de 2021, 7h30

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Federal 2021, lançado nesta quarta-feira (3/11) pela TV ConJur. A publicação está disponível gratuitamente na versão online e à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa.

Em um ano e meio de portas fechadas, a Justiça Federal brasileira produziu mais de cinco milhões de decisões em primeira e segunda instâncias. O número mostra que os tribunais e varas federais se adaptaram bem à migração para o trabalho virtual, medida imposta diante da rápida disseminação do coronavírus no país. Os Tribunais Regionais Federais já haviam começado a implantar, antes da epidemia, sessões virtuais e sustentação oral por videoconferência. Em 2019, concluíram a digitalização dos processos físicos, o que permitiu o trabalho remoto de juízes e servidores. Apenas no TRF-1, com sede em Brasília, as turmas não aderiram ao julgamento virtual. Em junho de 2021, algumas delas acumulavam acervo de mais de 80 mil processos. O acervo da 1ª Região, de 3,5 milhões de casos em primeira e segunda instâncias, representou 33% de toda a Justiça Federal em 2020.

O TRF-1 atende ao Distrito Federal e a 13 estados distribuídos pelas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste do país, fato que dificulta o acesso do jurisdicionado à Justiça além de juízes terem de lidar com realidades muito diversas. Em setembro de 2021, a antiga reivindicação da 1ª Região por melhor estrutura foi mais uma vez analisada pelo Congresso Nacional.

A saída proposta pelo Superior Tribunal de Justiça e sancionada pelo presidente da República foi a criação do Tribunal Regional Federal da 6ª Região, com sede em Belo Horizonte e jurisdição sobre o estado de Minas Gerais, que atualmente responde por 30% da demanda do TRF-1. Segundo o projeto aprovado, o novo tribunal terá 18 desembargadores, que serão subtraídos do número ampliado de julgadores do TRF-1. Da mesma forma, as despesas geradas pelo novo tribunal farão parte do orçamento hoje destinado à Seção Judiciária de Minas Gerais. Assim, as mudanças no desenho da 1ª Região não devem resultar em aumento de despesas para a União.

A composição do TRF-6 depende ainda da aprovação de outro projeto de lei, que transforma cargos de juízes substitutos em cargos de desembargador. Aprovado pelo Plenário do Senado após emenda, voltou à Câmara dos Deputados, em setembro. O PL 5.977/2019 cria 57 novos cargos nas cinco regiões da Justiça Federal. Este número, por si só, equivale ao contingente de dois novos tribunais regionais na média de suas atuais composições. Pela proposta, o número de desembargadores do TRF-1 passa de 27 para 43, do TRF-2 de 27 para 35, do TRF-3 de 43 para 55, do TRF-4 de 27 para 39 e do TRF-5 de 15 para 24. O TRF-6, quando criado, terá 18 integrantes, que sairão da composição ampliada do TRF-1 e que passará a contar, então, com 25 julgadores.

A justificativa do projeto diz que o aumento dos cargos de desembargador pretende “corrigir distorção verificada pelo aumento significativo do número de juízes na Justiça Federal de primeiro grau ao longo dos anos”. Dados dos TRFs e do Conselho da Justiça Federal, no entanto, mostram que o grande congestionamento de processos acontece mesmo na primeira instância, que está longe de conseguir julgar a mesma quantidade de casos distribuídos por ano. A interiorização das varas e juizados especiais também está longe do ideal: em um país com 5.570 municípios, apenas 297, ou 5% deles, têm, pelo menos, uma vara federal.

O primeiro plano de redesenho da Justiça Federal se deu com a Emenda Constitucional 73/2013, que criou quatro novos TRFs, com sedes em Curitiba, Belo Horizonte, Salvador e Manaus. Promulgada em junho de 2013, a emenda à Constituição Federal foi suspensa um mês depois por liminar do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa. Oito anos depois, o caso ainda não foi analisado pelo Plenário do STF. A figura do juiz das garantias, criada pela Lei anticrime (Lei 13.964/2019) em dezembro de 2019, parece seguir o mesmo caminho. Desde janeiro de 2020 está esquecida numa gaveta do STF, depois de ter sido suspensa por liminar do ministro Luiz Fux, presidente da corte.

Os TRFs se preparavam para retomar o atendimento presencial em setembro de 2021. O avanço da vacinação no país permitiu a definição de planos de reabertura parcial e gradual das suas unidades para atendimento a advogados e partes. Os julgamentos presenciais continuavam suspensos, com expectativa de retomada em 2022.

Durante o período de distanciamento social, a principal saída encontrada pela Justiça para ampliar a comunicação com a sociedade foi o Balcão Virtual, onde advogados, partes e interessados podem tirar dúvidas por videoconferência com os servidores das secretarias. Juízes e desembargadores também passaram a fazer audiências por videochamada, telefone e e-mail. Em muitas cidades, o WhatsApp agora é fonte oficial de comunicação.

Temas de Direito Previdenciário, Direito Tributário e Direito Administrativo ainda são os mais recorrentes nas varas e nos tribunais federais. Mas, com a crise sanitária, chegaram novos tipos de demanda. Houve muitos pedidos de levantamento de depósitos judiciais, de substituição de depósitos por fiança bancária, execução de honorários sucumbenciais nas ações rescisórias e um grande volume de questões relacionadas ao auxílio emergencial, a maior parte delas solucionada pelos gabinetes de conciliação.

Mutirão do TRF-2, com sede no Rio de Janeiro, resultou, em um ano, em quase 13 mil acordos, que garantiram a implantação do benefício. No primeiro semestre de 2021 o governo federal reservou orçamento de R$ 44 bilhões para o pagamento do benefício. No mesmo período, a Justiça Federal liberou o pagamento de R$ 47 bilhões em precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs) nas cinco regiões.

Questões de saúde pública também tiveram aumento na demanda. Com base na Resolução CNJ 345/2020, o TRF-2 foi o pioneiro a instituir a Justiça 4.0, com dois núcleos especializados em ações relacionadas ao tema. Neles são julgadas ações vindas de qualquer local do território sobre o qual o órgão tiver jurisdição. Os processos tramitam por meio do Juízo 100% Digital, no qual audiências e outros atos realizados com o auxílio da tecnologia dispensam a presença física de partes e representantes, pois toda a movimentação do processo nessas novas unidades é pela internet.

Os juizados especiais federais foram os mais afetados pela epidemia. Não puderam dar andamento a muitos casos, que ficaram parados por causa da suspensão das perícias previdenciárias e da falta de comunicação com as partes. Segundo dados do Conselho da Justiça Federal, a distribuição nos JEFs de 2019 para 2020 caiu de três milhões de processos para dois milhões, e as decisões finais, de dois milhões para 1,5 milhão. O acervo subiu de 2,3 para 2,5 milhões.

Na primeira instância como um todo, apenas a 2ª Região venceu o número de processos distribuídos. Já a segunda instância conseguiu julgar mais do que recebeu durante esse período de distanciamento social. Em alguns tribunais a produtividade foi até maior do que nos anos anteriores. Em junho de 2021, o acervo total da Justiça Federal passava de 10,4 milhões de ações.

“Os números mostram que os esforços trouxeram resultados consistentes”, diz o presidente do TRF-3 (com sede em São Paulo), desembargador Mairan Maia, que assumiu a corte uma semana antes do início da epidemia. Dados sistematizados pelos próprios TRFs, diferentes dos números do Conselho da Justiça Federal, dão conta de que o TRF-3 conseguiu julgar até mais que antes da epidemia, assim como o TRF-2, o TRF-4 (sediado em Porto Alegre) e o TRF-5 (com sede em Recife). A diferença entre os dados do CJF e dos tribunais se dá porque a Justiça Federal promove a migração de sistemas de processo eletrônico. O presidente do CJF, ministro Humberto Martins, diz que uma de suas prioridades é aprimorar a gestão de dados da Justiça Federal e chegar a números consistentes sobre sua atuação.

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“A superveniência da epidemia se revelou um marco para o início de um tribunal mais contemporâneo, com novo modelo da prestação jurisdicional”, avalia I’talo Mendes, presidente do TRF-1 desde abril de 2020. A experiência foi bem recebida pelos desembargadores, que acreditam em um futuro com sessões híbridas – presenciais e telepresenciais –, além das virtuais, que já são adotadas em grande escala nas cortes.

“A adaptação foi relativamente tranquila, pois as sessões de julgamento virtuais já eram realizadas por meio do sistema PJe. Quanto às por videoconferência, as plataformas adotadas atenderam bem às necessidades das sessões. A vantagem se refere à possibilidade de partes e procuradores poderem acompanhar o julgamento de qualquer local em que se encontrem, inclusive com a realização de sustentação oral, o que propicia melhor atendimento dos princípios que regem a prestação jurisdicional”, comenta o desembargador Toru Yamamoto, do TRF-3. “Assim como o mercado de trabalho está se ajustando, o Judiciário tem que se ajustar. De forma geral tem sido satisfatório. Houve certa democratização da sustentação oral”, diz André Nekatschalow, do TRF-3.

O Plano de Gestão 2020-2022 do CJF, divulgado em agosto de 2021, contém indicadores e iniciativas que servirão para nortear a gestão judiciária dos Tribunais Regionais Federais e do próprio conselho nos próximos dois anos. “A travessia para o mundo digital exige também a reorganização estrutural das unidades judiciais, já que na era virtual as competências exigidas dos servidores serão outras”, diz o documento.

A segunda preocupação é que a maior eficiência na tramitação cartorária demanda maior capacidade dos gabinetes dos juízes, para onde serão direcionados os processos de forma cada vez mais rápida. A resposta a tal desafio, de acordo com o plano, deve partir de uma gestão mais eficiente e de mais integração dos órgãos responsáveis pelo monitoramento das unidades jurisdicionais e da produtividade de magistrados com o órgão responsável pela alocação da força de trabalho e pela estruturação do tribunal.

Também foi com ajuda da tecnologia que as cortes elegeram novas direções. A contagem dos votos no TRF da 2ª Região foi feita por videoconferência. O desembargador Messod Azulay Neto foi eleito para a Presidência no biênio 2021-2023. A posse, no dia 8 de abril de 2021, também foi a distância. No TRF-4, o desembargador Ricardo Pereira sucedeu a Victor Laus em junho de 2021, prometendo aperfeiçoar ainda mais os sistemas eletrônicos e de teleconferência.

A inteligência artificial também é uma ferramenta importante, especialmente em contexto de redução de custos. Todos os TRFs têm sistemas de inteligência artificial em desenvolvimento ou já implantados. O TRF-1 tem cinco projetos, quatro deles em desenvolvimento e um funcionando; o TRF-2, um sistema implantado; o TRF-3, três projetos – dois ativos e um em desenvolvimento; o TRF-4, três funcionando e um em desenvolvimento; e o TRF-5, um projeto já implantado.

ANUÁRIO DA JUSTIÇA FEDERAL 2021
Versão digital: anuario.conjur.com.br ou pelo app Anuário da Justiça (acesso gratuito)
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