Cortes brasileiras estão admitindo novos modos de atuação da Defensoria Pública em favor da proteção de crianças e de adolescentes. Em uma decisão inédita do último dia 4, por exemplo, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais aceitou um pedido da defensora pública Eden Matar para que ela atuasse como "defensora da criança".
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O caso concreto envolve menores em condição de extrema pobreza e apura se eles sofriam violência física e psicológica da mãe e do padrasto. Em situações assim, tradicionalmente o Ministério Público atua como "substituto processual".
Isso significa que o MP pode propor ações, em nome próprio, defendendo os direitos das crianças e adolescentes. A ideia de substituto processual é bem antiga e parte da ideia de que existem legitimados extraordinários — pessoas que podem pleitear direitos alheios de terceiros incapazes.
A previsão desconsidera, no entanto, que os considerados incapazes podem ter interesses divergentes ou parcialmente divergentes de quem as defende, ou mesmo que podem agregar seu próprio ponto de vista à causa debatida. Ao admitir a atuação de um membro da Defensoria como "defensor da criança", o TJ-MG considerou que os menores devem ter a opção de dialogar com a instituição que busca preservar seus direitos.
"Basta a leitura atenta do ECA para se extrair a intenção do legislador em ver resguardado às crianças e adolescentes seus direitos fundamentais, inerentes à qualquer pessoa humana, dentre os quais estão o direito à voz e participação, sobretudo em demandas como a presente — acolhimento institucional/familiar — em que as decisões tomadas afetarão sobremaneira a vida e dignidade desses menores", disse em seu voto o desembargador Moacyr Lobato, relator do processo.
Com isso, além da representação do MP, as crianças também vão contar com a tutela da defensora pública. Desse modo, a corte pretende dar maior efetividade aos direitos dos menores.
Ao votar, o juiz de direito convocado Roberto Apolinário de Castro seguiu o relator. "A 'defensoria da criança' agrega proteção aos infantes e prestigia preceito universal dos direitos fundamentais e garantias sociais das crianças e dos adolescentes, por meio do acompanhamento jurídico gratuito da ação, pela Defensoria Pública do Estado", afirmou.
Custos vulnerabilis
Em decisão também de março deste ano, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul aceitou uma solicitação para que a Defensoria Pública estadual atuasse como custos vulnerabilis (guardiã dos vulneráveis) em uma ação de medida protetiva envolvendo cinco crianças.
A decisão foi tomada com base no artigo 4º da Lei Complementar 80/1994 e 185 do Código de Processo Civil. De acordo com os dispositivos, a Defensoria exerce a defesa dos interesses individuais e coletivos da criança e do adolescente.
A ideia é fazer com que MP e Defensoria somem forças. Por outro lado, leva em consideração o fato de que o MP tem como principal missão a defesa da ordem jurídica e democrática, o que pode fazer com que o parquet atue, em alguns casos, contra o incapaz. A vinculação da Defensoria, por outro lado, é ligada ao vulnerável e aos direitos humanos.
"A presença do Ministério Público não tem o caráter de exclusão da Defensoria Pública — como se desnecessária fosse a presença do custos vulnerabilis em processo onde já participa o MP. Pelo contrário, a dupla atuação das instituições se revela como aplicação de forma ativa do princípio da paridade", disse em seu voto o desembargador Vilson Bertelli, relator do caso.
Ainda segundo ele, se as atuações eventualmente tiverem "algum ponto de contato, não há conflito de atribuição da Defensoria Pública com o Ministério Público, porque este ou atua em substituição processual ou é fiscal da ordem jurídica, em conformidade com suas atribuições constitucionalmente e legalmente asseguradas".
O jurista Pedro Lenza, citado na decisão do TJ-MS, disse à ConJur que a decisão faz um importante resgate histórico da Defensoria Pública, lembrando que a instituição tem origem na Procuradoria-Geral de Justiça — hoje órgão do MP.
"Tal elemento histórico é relevante para explicar, partindo da ideia de paridade de armas, os poderes e faculdades da Defensoria Pública, tais como o custos vulnerabilis, a legitimidade coletiva, a independência funcional, a autonomia institucional, entre outros".
Alagoas
A Defensoria também foi aceita como custos vulnerabilis pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Alagoas. Segundo o relator do processo, desembargador Fábio José Bittencourt Araújo, embora o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tenha sido editado antes da estruturação da Defensoria, a Lei Complementar 80/1994 "prescreve normas gerais para a organização da referida instituição nos Estados".
Ele também lembrou um recente precedente do Superior Tribunal de Justiça, que acolheu a atuação da Defensoria em recurso repetitivo. Segundo ele, a instituição "não é importante apenas para exercer a defesa, em si, do assistido, mas especialmente para garantir que os direitos dos vulneráveis sejam observados e preservados, independentemente de haver ou não advogado particular constituído".
Ressaltando a função de custos vulnerabilis, independentemente de advogado constituído, o magistrado determinou a intimação da Defensoria em tempo hábil para participar das audiências envolvendo os menores.
Para Maurilio Casas Maia, defensor público no Amazonas e criador da tese do custos vulnerabilis, "tanto o 'defensor da criança', quanto o custos vulnerabilis são novos mecanismos constitucionais para potencializar a proteção da criança e do adolescente".
Ele também destaca que "anteriormente ocorreram negativas jurisprudenciais ao custos vulnerabilis e ao defensor da criança por confusão, inadvertida e equivocada, com os pressupostos de outra função, a curadoria especial". Já as novas decisões, conclui, "constitucionalizam os processos envolvendo crianças e adolescentes".
1.0000.20.498680-6/001
1405813-18.2020.8.12.0000
0803371-10.2020.8.02.0000