Taxas minerárias (TFRM) e hídricas (TFRH) entre o confisco e a equivalência
22 de março de 2021, 8h01
Não é de hoje que o tema das taxas de fiscalização instituídas pelos estados ronda o STF e assombra os contribuintes, sendo tema abundante tanto na doutrina quanto na jurisprudência em diversos níveis.
Comecemos pelas taxas hídricas, que já foram julgadas.
Em 4/12/19, quando ainda podíamos aglomerar saudavelmente, o STF julgou a ADI 6211, cujo relator foi o ministro Marco Aurélio. Discutiu-se a constitucionalidade de uma taxa de fiscalização instituída pelo estado do Amapá, tendo como fato gerador o exercício regular do poder de polícia para fiscalizar a atividade de exploração e aproveitamento de recursos hídricos em seu território.
Foi assentado que o artigo 23, XI, CF, que atribui competência comum à União, estados e municípios para "registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios", pode ser efetivado pelos três níveis federativos, não havendo invasão de competência legislativa da União.
Por outro lado, ficou também assentado que o aspecto quantitativo dessa taxa de fiscalização era inconstitucional, invalidando integralmente sua cobrança. Nesse aspecto, consta da ementa do acórdão que "conflita com a Constituição Federal instituição de taxa ausente a equivalência entre o valor exigido do contribuinte e os custos alusivos ao exercício do poder de polícia". Diversos ministros votaram nesse sentido, ora grafando como "confisco" ou "violação da capacidade contributiva" a correlação entre o valor cobrado e o custo da fiscalização — voltaremos a esse ponto específico ao final do texto.
No início do presente ano pandêmico, em 24/2/21, foi julgada a ADI 5374, de relatoria do ministro Barroso, apreciando lei do estado do Pará que havia criado uma taxa de fiscalização sobre recursos hídricos (TFRH), que seguiu os parâmetros do julgamento precedente (ADI 6211, relator ministro Marco Aurélio), considerando constitucional o exercício da competência legislativa pelo estado e inconstitucional o valor cobrado, pois a referida taxa era "destituída de razoável equivalência entre o valor exigido do contribuinte e os custos alusivos ao exercício do poder de polícia". Com isso, a lei paraense sobre a taxa hídrica foi declarada inconstitucional em sua integralidade.
Esse caso paraense tem duas peculiaridades. A primeira é que o ministro Barroso havia concedida medida liminar monocrática em 13/12/18 suspendendo a eficácia da referida lei, posteriormente referendada pelo Plenário. A segunda é que o estado buscou mitigar a inconstitucionalidade através do superveniente Decreto estadual nº 58, de 9/4/19, pelo qual foi reduzido significativamente o valor da taxa, tentando, com isso, afastar os argumentos da violação ao princípio da capacidade contributiva, da dimensão do custo/benefício e da proporcionalidade.
No julgamento de mérito da ADI 5374 pelo Plenário foi decidido por unanimidade que "a base de cálculo da taxa deve guardar relação direta com a atividade estatal realizada', e que mesmo tendo sido reduzido o valor da taxa havia violação constitucional, uma vez que o montante arrecadado não tinha correlação com o custo da fiscalização. Foi proposta a seguinte tese: "Viola o princípio da capacidade contributiva, na dimensão do custo/benefício, a instituição de taxa de polícia ambiental cuja base exceda flagrante e desproporcionalmente os custos da atividade estatal de fiscalização".
Na mesma sessão em que foi julgada a lei paraense (24/2/21), foi também apreciada uma lei do estado do Rio de Janeiro que instituía uma taxa hídrica, através da ADI 5489, também de relatoria do ministro Barroso, tendo o Plenário decidido por sua inconstitucionalidade pelos mesmos fundamentos da ADI 5374.
Exposto o que já foi julgado sobre as taxas de fiscalização sobre recursos hídricos, passa-se à análise do que está em pauta, sobre as taxas de fiscalização sobre recursos minerais. São três os casos: ADI 4785 (estado de Minas Gerais, ministro Fachin); ADI 4786 (estado do Pará, ministro Kassio) e ADI 4787 (estado do Amapá, ministro Fux), sendo que o primeiro está pautado para o dia 14/4/21, o que deve acarretar o julgamento em conjunto de todos, ou, pelo menos, nortear a jurisprudência para os demais casos.
Lendo as principais peças disponibilizadas no site do STF não se encontra nestes três casos minerários nenhum argumento que afaste sua identidade com os três casos hídricos acima apontados, tudo indicando que o julgamento seguirá o mesmo padrão, qual seja: 1) reconhecimento da constitucionalidade da competência comum dos estados; 2) reconhecimento da inconstitucionalidade dos valores cobrados, pois muito mais onerosos do que o custo da fiscalização. Logo, respondendo à pergunta acima formulada, constata-se não haver diferença entre as taxas hídricas e as taxas minerárias no que tange à sua (in)constitucionalidade.
Acerca da taxa minerária, o estado de Minas Gerais (ADI 4785) adotou estratégia semelhante à adotada pelo estado do Pará acerca de sua taxa hídrica (ADI 5374), isto é, reduziu os valores cobrados, buscando afastar a inconstitucionalidade material. Seguindo o parâmetro do julgamento anterior, tal estratagema não deve prosperar, conforme aponta Paulo Honório Castro.
Estratégia diversa adotou o estado do Pará nesse julgamento de sua taxa minerária (ADI 4786), pois, de modo inverso ao que fez com sua taxa hídrica (ADI 5374), ao invés de reduzir o valor cobrado, conforme acima referido, aumentou o valor da taxa mineral na data de 4/3/21, através do Decreto 1.353, uma semana após o julgamento da ADI 5374 que julgou inconstitucional sua taxa hídrica. Tudo indica que o estado busca recompor a arrecadação perdida, pois, com esse aumento, o governador estima arrecadar R$ 2 bilhões, o que: 1) escancara sua natureza arrecadatória, pois suplanta a receita estimada de várias secretarias de estado; 2) viola o princípio da anterioridade tributária, pois este aumento passou a valer de imediato, no ano em curso; e 3) possivelmente acredita na postergação do julgamento da ADI 4786 (ministro Kassio), desvinculando-o do caso mineiro por mais algum tempo.
Enfim, o assunto é de todos conhecido e, a considerar os precedentes mencionados, o julgamento deve ser pela inconstitucionalidade da cobrança das taxas minerárias, conforme defendido desde 2013 em textos acadêmicos [1] e nesta ConJur, em conjunto com Alexandre Coutinho da Silveira (aqui e aqui).
Resta comentar um aspecto que foi acima apontado, que diz respeito à certa confusão teórica verificada nos julgamento das taxas hídricas entre "confisco" ou "violação da capacidade contributiva", e a necessária "correlação entre o valor cobrado e o custo da fiscalização", que se identifica como equivalência. São institutos diferentes e devem ser considerados em sua especificidade no que se refere às taxas de fiscalização.
Confisco ou violação da capacidade contribuitiva diz respeito à relação entre a imposição tributária e o contribuinte. Já a correlação entre o valor cobrado e o custo da fiscalização diz respeito à equivalência entre o que está sendo cobrado e o custo do efetivo exercício fiscalizatório — esse aspecto impõe uma análise interna corporis do ente tributante — no caso, os estados.
Assim, uma taxa pode até não afetar a capacidade contributiva de uma empresa, por exemplo, a taxa de fiscalização sobre petróleo e gás (TFPG), instituída pelo estado do Rio de Janeiro e que incidia predominantemente sobre a Petrobras, julgada inconstitucional pela ADI 5480, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes em 20/4/20. No caso, essa taxa não era confiscatória em face da Petrobras, porém, era desproporcional, conforme reconhecido por aquela decisão. Desproporcional com referência a quê? Ao custo do efetivo exercício fiscalizatório. Cobrava-se muito além do que era necessário para custear a efetiva fiscalização daquela atividade. Logo, concretamente, era uma exigência arrecadatória, muito além do necessário para o custeio daquela atividade fiscalizatória específica.
Logo, juridicamente, ao analisar as taxas de fiscalização sob a ótica da equivalência deve-se deslocar o olhar do sujeito passivo da obrigação tributária e passar para o sujeito ativo da obrigação, isto é, o ente tributante. Nesse sentido, o valor arrecadado tem que ser equivalente ao custo da fiscalização. Não se trata de uma equivalência matemática, mas uma equivalência adequada, que seja razoável e proporcional ao custo da fiscalização efetivamente exercida. Em todos os casos aqui relatados — já julgados e a serem julgados — há nítido e inafastável desequilíbrio entre o que se arrecada e o custo da efetiva fiscalização.
Um caso concreto, ocorrido com este escriba, pode ilustrar o fato. Em um evento sobre tributação do setor mineral realizado anos atrás, ao passar por um estande montado pela secretaria estadual que cuidava da fiscalização do setor de mineração, fizeram questão de me apresentar a última novidade que estava sendo implementada — haviam comprado vários drones para efetuar a fiscalização da quantidade de minérios extraídos, reduzindo, assim, o número de servidores alocados para revisar a documentação das empresas. Perguntei: com isso, a atividade fiscalizatória ficará mais barata? Resposta: sim, claro. Nova pergunta: portanto, o valor da taxa minerária cobrada das empresas será reduzido? Ouvi gargalhadas como resposta.
Sei que os estados precisam de dinheiro para o enfrentamento da pandemia em face da omissão do governo federal, mas é preciso respeitar a Constituição, pois, sem ela, nada restará para conter os abusos do poder e aquilo que o Ministro Celso de Mello expressou na ADI 2551, que é o abuso do poder de legislar. É preciso que o STF cumpra seu dolorido papel em defesa da Constituição.
[1] SCAFF, Fernando Facury; SILVEIRA, Alexandre Coutinho. Taxas de fiscalização sobre a exploração de recursos minerais. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, v. 210, p. 40-54, 2013. ISSN: 1413-7097.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!