Opinião

A contribuição extraordinária nos regimes próprios de Previdência Social

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  • é matemático pela Università degli Studi de Milão (Itália) especialista em previdência pela Fundação Getúlio Vargas e autor do livro O que é Previdência do Servidor Público (Ed. Loyola 2020).

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24 de junho de 2021, 20h36

Entre outras medidas, a Emenda Constitucional 103/2019 (EC 103) autoriza a criação de nova contribuição a ser paga pelos servidores ativos, aposentados e pensionistas vinculados ao Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) com déficit atuarial, em adição à contribuição ordinária. Trata-se da contribuição extraordinária, que poderá ser instituída por lei de iniciativa do poder executivo do ente federativo que sancione a alteração promovida pela EC 103 no artigo 149 da Constituição Federal (CF), conforme o artigo 149, §§1º-B e 1º-C da CF, c/c artigo 9º, §8º, c/c artigo 36, inciso II, da EC 103. Ainda pode ser cobrada por um período máximo de 20 anos e não pode ser a única medida destinada a amortizar o déficit.

"Artigo 149 da Constituição Federal — Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos artigos 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no artigo 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(…)
§1º-A. Quando houver déficit atuarial, a contribuição ordinária dos aposentados e pensionistas poderá incidir sobre o valor dos proventos de aposentadoria e de pensões que supere o salário-mínimo.
§1º-B. Demonstrada a insuficiência da medida prevista no § 1º-A para equacionar o déficit atuarial, é facultada a instituição de contribuição extraordinária, no âmbito da União, dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas.
§1º-C. A contribuição extraordinária de que trata o § 1º-B deverá ser instituída simultaneamente com outras medidas para equacionamento do déficit e vigorará por período determinado, contado da data de sua instituição".

Observe-se que a introdução da contribuição extraordinária está condicionada ao prévio aumento da base contributiva dos aposentados e pensionistas do RPPS deficitário, que comprovadamente não tenha conseguido zerar o déficit atuarial. Facultado no §1º-A do artigo 149 da CF, esse aumento pode reduzir fortemente o padrão de vida dos inativos, como mostra o exemplo do aposentado que recebe R$ 5 mil de provento mensal. Hoje, ele não paga contribuição alguma para o RPPS, pois o provento dele é inferior ao teto de benefícios do regime geral (R$ 6.433,57 em 2021). Se a alíquota contributiva do RPPS for uniforme e igual a 14% (para os inativos é aplicada a mesma alíquota dos segurados em atividade) e se o limite de isenção for baixado para o salário mínimo, a contribuição ordinária devida será de (R$ 5 mil – R$ 1,1 mil) x 14% = R$ 546/mês, correspondentes a 10,92% do provento. Ou seja, nesse exemplo, haverá a redução de quase 11% do benefício efetivamente creditado em prol do aposentado.

O artigo 149, §1º-A, da CF reafirma com ênfase que o equilíbrio do RPPS pode justificar a diminuição do valor do benefício em manutenção, em conflito com a irredutibilidade do benefício concedido, um dos princípios fundamentais da previdência social até 2003. De fato, qualquer contribuição incidente sobre o provento do aposentado e/ou do pensionista equivale a reduzir o valor do benefício liquido. Em 2003, a Emenda Constitucional 41 pôs fim à irredutibilidade de 100% do benefício do aposentado, autorizando o desconto contributivo sobre a parcela que exceder o teto de benefícios do INSS. A partir da EC 103, a parcela de provento isenta de contribuição pode ser de apenas um salário mínimo, a depender da lei do ente federado.

O artigo 149 autoriza a contribuição extraordinária apenas "no âmbito da União", mas o §8º do artigo 9º da EC 103 estende essa medida também aos entes federados subnacionais (estados, Distrito Federal e municípios).

Cabe entender o significado dessa nova contribuição.

1) Os parágrafos 1º-A e 1º-B do artigo 149 da CF beneficiam o ente federado e prejudicam os servidores. A responsabilidade de amortizar o déficit do RPPS, que hoje é integralmente do ente, pode ser transferida para os servidores. A contribuição extraordinária alcançaria também os ativos, além dos inativos.

2) O ente federado deixa de ser o único garantidor da solvência da previdência pública, agora assemelhada à previdência privada. De fato, na previdência dos fundos de pensão já existem as contribuições extraordinárias dos próprios segurados (participantes) e de seus empregadores (patrocinadores) para sanar eventuais insuficiências financeiras. A EC 103 não impõe ao ente federativo quaisquer limites de valor à contribuição extraordinária dos segurados do RPPS deficitário. Desse modo, em tese, a desoneração do ente pode ser total. Até na previdência privada, que não prevê o socorro do Estado, as regras são mais equilibradas do o que a emenda torna possível nos RPPS, pois a responsabilidade de os segurados dos fundos de pensão amortizarem o déficit é parcial, limitada à proporção de suas contribuições ordinárias em relação à totalidade das contribuições (incluindo as do patrocinador) no exercício em que tiver tido o déficit (ver a Resolução do Conselho Nacional de Previdência Complementar — CNPC nº 30, de 10/10/2018).

3) Há o risco de os segurados do RPPS serem submetidos a ônus contributivos desmedidos, ou seja, de os parágrafos 1º-A e 1º-B do artigo 149 da CF terem efeitos de confisco. Visando por limitações à tributação do Estado, a CF veda "o tributo com efeito de confisco" (ver o artigo 150, inciso IV). No entanto, não há definição clara da parcela máxima de rendimentos do contribuinte que pode ser destinada a pagamentos tributários, sem que haja confisco. Eis a importância de a lei do ente federativo fixar limites máximos para as contribuições ordinárias e extraordinárias dos servidores, para protegê-los de práticas abusivas.

4) Como também o aumento da base de incidência da contribuição dos inativos, a contribuição extraordinária no RPPS deficitário é de legalidade duvidosa, por descumprir o princípio de isonomia entre os segurados do RPPS e do RGPS. Com efeito, no regime geral não há contribuição ordinária ou extraordinária dos aposentados e pensionistas.

Alguns entes federativos já estão planejando a instituição da contribuição extraordinária em seu RPPS. Por exemplo, neste ano de 2021, o governador de Santa Catarina anunciou projeto de lei que a introduzirá, mas apenas para os servidores com direito à paridade e integralidade (os que ingressaram no serviço público estadual antes de 2004), sejam eles ativos ou inativos. O valor dessa contribuição será calculado a partir das seguintes alíquotas progressivas: 1) de 1% incidente sobre a parcela de remuneração ou de aposentadoria/pensão compreendida entre os R$ 1.100,01 até R$ 10 mil; 2) de 2,50% sobre a parcela entre os R$ 10 mil e R$ 20 mil; 3) de 3,5% entre os R$ 20 mil e R$ 30 mil; e 4) de 4% incidente sobre a parcela acima dos R$ 30 mil. Conforme o projeto, a parcela de remuneração ou provento previdenciário até os R$ 1,1 mil será isenta de contribuição extraordinária.

Autores

  • é matemático pela Università degli Studi de Milão/Itália, especialista em previdência pela Fundação Getúlio Vargas, trabalha com consultoria e formação em previdência, e autor do livro "O que é previdência do servidor público", Ed. Loyola, 2020.

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