Direto do Carf

STF e Carf: a restituição de valores de PIS e Cofins no regime de substituição tributária

Autores

  • é advogada sócia do escritório Rivitti e Dias Advogados doutora e mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da USP (com período na Sciences Po/Paris) especialista pelo Ibet graduada pela Faculdade de Direito da USP árbitra no CBMA professora do mestrado profissional do IBDT professora de Direito Tributário em cursos de pós-graduação e extensão universitária e ex-conselheira titular do Carf na 1ª e da 3ª Seção de Julgamento.

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  • é conselheira titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento doutora e mestre em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP) professora do corpo permanente do mestrado profissional do IDP coordenadora do grupo de pesquisa Temas Atuais de Direito e Processo Tributário e pesquisadora do Observatório da Macrolitigância Fiscal (IDP/Brasília) diretora da Associação Brasileira de Direito Tributário (Abradt) e pesquisadora responsável pela elaboração do relatório sobre a Reforma do Processo Administrativo da Associação dos Conselheiros Representantes dos Contribuintes no Carf (Aconcarf).

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16 de junho de 2021, 8h00

Durante a pandemia, foram tantos os julgados do Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal, que alguns não foram objeto de maiores considerações quanto aos seus reflexos. É o que ocorreu com a decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 596.832, de relatoria do ministro Marco Aurélio, julgado em 29/6/2020, cuja tese fixada foi no sentido de que "é devida a restituição da diferença das contribuições para o Programa de Integração Social — PIS e para o Financiamento da Seguridade Social — Cofins recolhidas a mais, no regime de substituição tributária, se a base de cálculo efetiva das operações for inferior à presumida".

Spacca
Considerando os diferentes produtos sujeitos à substituição tributária das Contribuições e seus regimes jurídicos distintos [1], nossa análise será focada especificamente naqueles para os quais este precedente foi formado, quais sejam, os combustíveis derivados do petróleo e gás (artigo 4º da Lei nº 9.718/98), sem prejuízo das eventuais aplicações da tese sobre os demais produtos.

Para que seja possível compreender a extensão do referido julgado e para analisarmos seus reflexos no âmbito do Carf, é importante fazer uma breve digressão histórica.

Em conformidade com a disciplina do mencionado artigo 4º da Lei nº 9.718/98 (em sua redação original), a tributação pela Contribuição ao PIS e pela Cofins dos combustíveis derivados do petróleo, inclusive gás, era realizada diretamente pelas refinarias de petróleo, como substitutas tributárias, responsáveis pelo recolhimento das contribuições próprias e daquelas devidas pelos distribuidores e comerciantes varejistas (substituição tributária para frente). A base de cálculo para fins de recolhimento da parcela relativa à substituição tinha por referência o preço da operação de venda praticada pela refinaria [2].

Por meio da Medida Provisória nº 1.807/1999 e correspondentes reedições, este dispositivo passou a ser aplicável exclusivamente para as vendas de gasolina automotiva e óleo diesel.

Nesse contexto, a Receita Federal, por meio da Instrução Normativa SRF nº 06/1999, garantia o "ressarcimento" [3] do PIS/Cofins ao consumidor final pessoa jurídica, na hipótese de aquisição de gasolina automotiva ou óleo diesel diretamente da distribuidora.

Considerando esse contexto normativo vigente até 30/6/2000, foram proferidos diferentes acórdãos pelo Carf garantindo o "ressarcimento" no regime de substituição tributária nos termos da mencionada IN, quando comprovada a não ocorrência do fato gerador presumido, valor este acrescido de juros de mora [4].

Contudo, as negativas para os pleitos de "ressarcimento" foram sistematicamente mantidas pelo Carf na hipótese da restituição extrapolar as situações previstas na IN 06/1999, ou seja, quando o pedido: 1) se referia à venda de gás liquefeito de petróleo [5]; 2) era realizado pela distribuidora, a qual não possuía legitimidade ativa para tanto [6]; ou 3) se respaldava na diferença entre o preço de venda no mercado varejista e a base de cálculo utilizada pela substituta tributária [7]. Nesta última hipótese, alguns acórdãos se baseavam na interpretação então vigente do STF quanto ao artigo 150, §7º, da Constituição Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.851 [8].

A partir de 1/7/2000, com a edição da Medida Provisória nº 1.991-15/2000, posteriormente convertida na Lei nº 9.990/2000, esse contexto foi modificado pela implementação da sistemática de apuração monofásica para os combustíveis. Com a monofasia, a refinaria foi eleita como a única contribuinte de toda a cadeia de venda, com a previsão de alíquota fixa incidente sobre a receita bruta decorrente da venda, diferente a depender do produto comercializado. Essa sistemática foi mantida pela mudança na redação trazida pelas Leis nº 10.865/2004 e 11.051/2004, sendo as contribuições pagas não mais pelas refinarias, mas "pelos produtores e importadores de derivados do petróleo".

No entendimento reiterado do Carf a respeito dessa evolução normativa, com o advento da tributação monofásica não mais se fala em substituição tributária para frente ou de base de cálculo presumida [9].

Feita esta contextualização, adentra-se no julgado do Supremo Tribunal Federal (RE nº 596.832).

Após definir o instituto da substituição tributária como uma técnica de arrecadação simplificada, o ministro Marco Aurélio indica que considera impróprio "potencializar uma ficção jurídica, para, a pretexto de atender a técnica de arrecadação, consagrar e placitar verdadeiro enriquecimento ilícito". Aproxima os institutos da monofasia e da substituição tributária ao afirmar que "há vedação peremptória à apropriação, pelo Estado, de quantia que não corresponda, consideradas a base de incidência e a alíquota das contribuições, bem assim os regimes de arrecadação, ao tributo realmente devido". No raciocínio traçado pelo ministro:

"O § 7º mencionado, ao disciplinar a substituição tributária, remete a algo inafastável para que se tenha como existente a obrigação tributária: o fato gerador, que possui contornos próprios. Está contemplada, na Constituição Federal, simples técnica de arrecadação antecipada — é mais do que uma arrecadação à vista:

(…)

Segundo definição vernacular, a presunção não é absoluta. A presunção, gênero, é relativa. Imagina-se algo passível de ocorrer, e, por isso mesmo, o preceito, pedagogicamente, versa a devolução preferencial, estabelecendo a primazia no recebimento do que recolhido sem justificativa plausível, harmônica com a ordem jurídica.

(…)

O artigo 7º está calcado em presunção. A retenção do numerário pago a mais ao Estado, no caso de se realizar o negócio jurídico aquém do que estimado para efeito de recolhimento antecipado do tributo, logicamente, implica satisfação sem base legal, sem base constitucional, discrepante da natureza do próprio tributo, no que indispensável saber o valor do negócio. Isso significa haver incidência de alíquota sobre algo resultante de subjetivismo unilateral – não bilateral.

Há vedação peremptória à apropriação, pelo Estado, de quantia que não corresponda, consideradas a base de incidência e a alíquota das contribuições, bem assim os regimes de arrecadação, ao tributo realmente devido. O recolhimento primeiro é feito por estimativa, e toda estimativa é provisória, seguindo-se o acerto cabível quando já conhecido o valor do negócio jurídico. Essa é a leitura do instituto da substituição tributária que mais se harmoniza com o texto constitucional e com as balizas norteadores das contribuições em debate" (grifo das autoras).

Ao final, enfrenta alegação específica trazida pela União no sentido de que a tributação monofásica teria extinguido do regime de substituição tributária.

De fato, como se depreende do relatório do ministro, a implementação da tributação monofásica dada pela Lei nº 9.990/2000 foi expressamente indicada nas contrarrazões da União, que busca afastar a legitimidade das recorrentes "varejistas de combustíveis" de pleitear a restituição, a qual seria cabível apenas considerando a "relação da refinaria de petróleo com o Fisco".

"Em contrarrazões (folha 261 a 266), a União veicula as preliminares de ausência de prequestionamento e de contrariedade a norma constitucional — pressuposto versado no artigo 102, inciso III, alínea a, da Lei Fundamental. No mérito, argumenta serem os recorrentes varejistas de combustíveis derivados do petróleo, cujas operações foram submetidas ao regime da substituição tributária para o recolhimento do PIS e da Cofins, por meio da Lei nº 9.718/1998. Ressalta a extinção desse regime pela Lei nº 9.990/1998. Segundo defende, a restituição descrita no artigo 150, § 7º, do Texto Maior diz respeito, tão somente, à relação da refinaria de petróleo com o Fisco. Aponta a irrelevância de eventual repercussão econômica sofrida pelos recorrentes, afirmando que esta não é elemento definidor da qualidade de contribuinte" (grifo das autoras).

Sobre o ponto, o ministro Marco Aurélio conclui que essa restrição proposta pela União seria descabida, afirmando que "eventuais alterações implementadas na Lei nº 9.718/98 pela de nº 9.990/2000 não frustram a pretensão e restituição do tributo inadequadamente pago":

"Relativamente às contrarrazões recursais formalizadas pela União, descabe limitar o alcance do artigo 150, § 7º, da Carta da Republica à relação de refinarias de combustíveis com o Fisco. Versando o recurso a abrangência do dispositivo constitucional, eventuais alterações implementadas na Lei nº 9.718/1998 pela de nº 9.990/2000 não frustam a pretensão de restituição do tributo inadequadamente pago, ou recolhido em valor superior ao devido, em período no qual ocuparam o polo passivo da relação, em regime de substituição tributária" (grifo das autoras).

Estes termos não foram objeto de embargos de declaração pela União, tendo o acórdão transitado em julgado em novembro de 2020.

Pois bem. Não há dúvida sobre necessidade de o Carf adequar o seu posicionamento ao precedente proferido em sede de repercussão geral (conforme determina o artigo 62 de seu regimento interno), de modo a assegurar aos sujeitos passivos substituídos a legitimidade para pleitear a restituição de valores recolhidos a título de PIS/Cofins quando identificada a diferença entre o preço de venda no mercado varejista e a base de cálculo utilizada pela substituta tributária. Esse entendimento não gera qualquer dúvida considerando o regime vigente até 30/6/2000, como evidenciado no Acórdãos 3402-008.469 e 3402-008.470 de 26/5/2021. A liquidez e certeza desse crédito, e o seu montante, caberá ser apreciado pela delegacia de origem à luz deste entendimento.

Algumas dúvidas, contudo, ainda poderão ser debatidas pelos Colegiados: ao consignar que o regime de tributação monofásico da Lei nº 9.990/2000 não é capaz de frustrar a pretensão de restituição do tributo recolhido em valor superior ao devido, teria o STF afastado a diferenciação, para todos os efeitos, entre o regime de substituição tributária ao regime monofásico? O ministro Marco Aurélio teria afastado expressamente a alegação da União no sentido de que o regime de substituição tributária teria sido extinto pela Lei nº 9.990/2000? São questões que caberão ser debatidas e enfrentadas pelo Conselho.

*Este texto não reflete a posição institucional do Carf, mas, sim, uma análise dos seus precedentes publicados no site do órgão, em estudo descritivo, de caráter informativo, promovido pelos seus colunistas.


[1] A título ilustrativo, os diferentes diplomas normativos que se referem ao regime da substituição tributária da Contribuição PIS e da Cofins, atualizado até 17/11/2014, são sintetizados na tabela 4.3.12 da EFD Contribuições, referentes aos cigarros e cigarrilhas (artigo 3º da Lei Complementar nº 70/1991; artigo 5º da Lei nº 9.715/1998; artigo 62 da Lei nº 11.196/2005, artigo 6º da Lei nº 12.402/2011) motocicletas, veículos, autopeças e pneus (artigo 43 da MP nº 2.135-35/2001, com tributação monofásica para os veículos, autopeças e pneus a partir de 14/05/2014, conforme artigos 103 e 119 da Lei nº 12.973/2014) e às vendas para a Zona Franca de Manaus (artigos 64 e 65 da Lei nº 11.196/05).

[2] Cumpre mencionar que até 31/01/1999, as distribuidoras de combustíveis eram as substitutas dos varejistas, sendo que em relação à Cofins, esta sistemática foi adotada desde a instituição desta contribuição pela Lei Complementar nº 70/1991 (artigo 4º) e para o PIS, ela foi introduzida a partir da vigência da Medida Provisória nº 1.212/1995 (artigo 6º), convertida na Lei nº 9.715, de 1998. Com a Lei nº 9.718/98, a partir de 01/02/1999, a disciplina da tributação pelas contribuições sobre as receitas das vendas de combustíveis foi unificada na forma mencionada, com as refinarias como substitutas das distribuidoras, eleitas na sistemática anterior.

[3] Sabe-se que o ressarcimento é instituto utilizado para garantir o uso de créditos do sistema não cumulativo da Contribuição ao PIS e da Cofins. Entretanto, a IN 06/1999 usou tal terminologia em seu artigo 6º, caput para o caso em questão. O §4º do mesmo artigo coloca que o ressarcimento se dará ou meio de restituição compensação.

[4] Acórdãos 9303-008.939, de 16/7/2019, 3301-002.303, de 23/04/2014, 201-81.699, de 03/02/2009, 201-79855 e 201-79856, de 07/12/2006.

[5] Acórdãos 9303-008.399, de 20/03/2019, 9303-009.487, de 18/09/2019, 3301-005.722, de 26/02/2019, 203-13615, de 2/12/2008

[6] Acórdãos 3301-009.447, de 16/12/2020, 3001-001.125, de 12/02/2020 e 201-80568, de 17/8/2007

[7] Acórdãos 3401-007.933, de 30/07/2020, 3302-000.710, de 9/12/2010, 3302-000.648, de 28/10/2010 e 203-07515, de 12/7/2001

[8] Com o histórico da mudança de posição do STF sobre a substituição tributária do ICMS, fazendo referência ao referido julgado, acesse: https://www.conjur.com.br/2016-dez-02/jose-eduardo-toledo-novas-consideracoes-icms-st#_ftnref1

[9] Vide Acórdão 3402-007.856, de 17/11/2020. Igualmente diferenciando a sistemática da substituição tributária para frente da sistemática monofásica, vide ainda os acórdãos 3201-005.209, 3201-005.212 e 3201-005.213, de 28/3/2019, 3402-006.572, de 25/04/2019, 3202-001.035, de 28/11/2013 e 3402-002.146, de 20/8/2013.

Autores

  • é conselheira titular e vice-presidente da 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção do Carf, árbitra no Centro Brasileiro de Mediação a Arbitragem (CBMA), doutoranda e mestre em Direito Tributário pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP), este cursado conjuntamente no Institut d`Études Politiques de Paris (SciencesPo), especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributário (Ibet) e professora de Direito Tributário e Aduaneiro em cursos de pós-graduação e extensão universitária.

  • é conselheira titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professora de Direito Tributário de cursos de pós-graduação, doutora e mestre em Direito Tributário pela USP e diretora da Abradt.

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