Opinião

A jurisprudência da previdência complementar fechada no STJ

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  • é advogada sócia da Tôrres Florêncio Corrêa e Oliveira Advocacia mestra em Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) coautora do livro "Previdência Complementar: Prática e Estratégia" (editora RT) e professora de especialização e pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas e em outras instituições de ensino.

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16 de junho de 2021, 9h16

É inegável que, na última década, a previdência complementar fechada recebeu muita atenção por parte do Poder Judiciário, notadamente pelo Superior Tribunal de Justiça que, desde 2011, tem se debruçado sobre a interpretação da legislação federal que rege a matéria, em especial sobre o que dispõem as Leis Complementares 108 e 109, ambas de 2001.

Os conceitos e as regras que regem esse microssistema de Direito Privado, tão relevante social e economicamente para o país, são muito específicos e mereceram que a Corte maior de interpretação da legislação infraconstitucional do país os "decodificasse" de forma a orientar os julgamentos sobre o tema pelos Tribunais estaduais e regionais brasileiros.

Assim, nos anos de 2011 e de 2012, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.023.053/RS e do REsp repetitivo 1.207.071/RJ, ambos de relatoria da ministra Maria Isabel Gallotti, e que tinham como objeto a possibilidade ou não de incorporação ao benefício previdenciário complementar do chamado "auxílio cesta-alimentação", observou, pela primeira vez, ao julgar questões atinentes à previdência complementar fechada, a necessidade de que a aludida verba, para que pudesse ser incorporada ao benefício, deveria ter sido precedida da respectiva contribuição, sob pena de inviabilizar a manutenção do equilíbrio financeiro e atuarial do plano de benefícios.

Ainda em 2012, ao julgar o REsp 1.281.690/RS, de relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira, também a 2ª Seção, seguindo a ratio do que decidido nos recursos especiais de "auxílio cesta-alimentação" acima mencionados, ressaltou a impossibilidade de inclusão de "abonos únicos", concedidos apenas para os ativos em instrumentos coletivos de trabalho, nos benefícios de complementação de aposentadoria, "por interferir no equilíbrio econômico e atuarial da entidade de previdência privada".

O mencionado entendimento foi ratificado e aprimorado pela 2ª Seção no ano de 2014, no julgamento do REsp repetitivo nº 1.425.326/RS, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, em que se fixou a tese de que "Não é possível a concessão de verba não prevista no regulamento do plano de benefícios de previdência privada, pois a previdência complementar tem por pilar o sistema de capitalização, que pressupõe a acumulação de reservas para assegurar o custeio dos benefícios contratados, em um período de longo prazo (…)".

No referido julgamento, conceitos tão caros ao Regime de Previdência Complementar Fechado foram pioneiramente tratados por aquela Corte: 1) a existência de um contrato previdenciário, chamado, nesse microssistema de Direito Privado, de Regulamento, cuja observância é obrigatória sob pena de se desequilibrar o plano de benefícios; e 2) que o custeio dos benefícios ocorre por meio de capitalização, em que a acumulação de reservas é realizada ao longo dos anos para o pagamento dos benefícios contratados.

Ainda no ano de 2014, a 2ª Seção julgou outra questão emblemática para o Sistema de Previdência Complementar no REsp nº 1.345.326/RS, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, em que sobressaiu a imprescindibilidade de realização de prova pericial de natureza atuarial, nas ações em que se requer a revisão do benefício previdenciário, eis que necessária a demonstração do equilíbrio financeiro e atuarial dos planos de benefícios, que se constitui em "fator viabilizador" desse tipo de pretensão.

No ano de 2015, a 2ª Seção, ao julgar o REsp nº 1.536.786/MG, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, pacificou o tema e consolidou o entendimento de que o CDC não é aplicável às Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC). Posteriormente esse entendimento ensejou o cancelamento do Enunciado nº 321 e a edição do Enunciado nº 563 da Súmula do STJ, estabelecendo definitivamente naquela Corte a tese de que o Código de Defesa do Consumidor seria aplicável apenas às entidades abertas de previdência complementar, "não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com entidades fechadas".

Ainda no ano de 2015, a 2ª Seção do STJ, ao julgar o REsp nº 1.248.975/ES, de relatoria do ministro Raul Araújo, cujo caráter repetitivo do recurso foi retirado pelo colegiado diante da notória divergência existente entre as Turmas de Direito Privado sobre o tema, adentrou numa seara pouco ou quase nada conhecida do Judiciário até então — o fenômeno das chamadas "submassas" na previdência complementar.

Esse fenômeno ocorre quando, dentro de um mesmo plano de benefícios, existe um grupo de participantes e assistidos com identidade de direitos e obrigações homogêneos entre si, porém diversos em relação a outro grupo de participantes e assistidos desse mesmo plano. Assim, por exemplo, quando um plano de benefícios é multipatrocinado, ou seja, possui mais de uma empresa patrocinadora, é comum que se divida o plano em submassas ou fundos, segregando-se contabilmente os direitos e obrigações de cada um desses grupos de participantes ligados a patrocinadoras diferentes.

No caso concreto objeto do mencionado REsp nº 1.248.975/ES, o plano de benefícios contava com duas submassas, pois era patrocinado por duas empresas diferentes. No entanto, uma dessas empresas faliu logo após se filiar ao plano de benefícios, não tendo havido tempo hábil para a constituição de reservas garantidoras dos benefícios contratados, o que levou ao completo exaurimento do patrimônio dessa submassa e à impossibilidade de continuidade de pagamento de benefícios.

O STJ, nesse julgamento, concluiu, por maioria, pela condenação da EFPC a continuar efetuando o pagamento dos benefícios dos ex-funcionários da empresa falida, mas reconheceu a impossibilidade de que o patrimônio da outra submassa (saudável) fosse atingido para arcar com obrigações da submassa exaurida.

Esse entendimento, na prática, equiparou a Entidade Fechada de Previdência Complementar a outras entidades privadas que, por terem fins lucrativos, possuem receitas próprias capazes de suportar o ônus que a condenação lhe impôs. Entretanto, como as EFPC são organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos (artigo 31, §1º da Lei Complementar nº 109/2001), elas apenas administram e executam os planos de benefícios, sem auferir receita própria.

Nesse contexto, a condenação da EFPC a continuar efetuando o pagamento dos benefícios aos ex-funcionários da empresa falida, fazendo com que o patrimônio da submassa saudável seja utilizado para arcar com as obrigações da submassa já exaurida, viola a independência patrimonial necessariamente verificada entre essas submassas e atinge indevidamente os recursos previdenciários do outro grupo de participantes e assistidos, que não guarda qualquer relação com a submassa falida, não tendo representado, assim, a melhor solução para o problema. Em resumo, o ônus dessa condenação não recaiu sobre a Entidade Fechada de Previdência Complementar, e sim sobre o patrimônio dos participantes e assistidos da outra submassa por ela administrada, vinculado a outra empresa patrocinadora.

Em 2017, a 2ª Seção realizou outro debate de extrema relevância para o Sistema de Previdência Complementar envolvendo, no caso, processos de migração entre planos de benefícios, os quais ocorrem em um contexto de amplo redesenho da relação contratual e previdenciária. No julgamento do REsp repetitivo nº 1.551.488/MS, de relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, o STJ afastou a incidência dos chamados "índices expurgados" sobre valores portados em razão de migração, além de ter firmado posição acerca da indivisibilidade das transações firmadas para viabilizar essas migrações entre planos previdenciários no âmbito da mesma Entidade Fechada de Previdência Complementar — EFPC. Foi estabelecida tese  no sentido de que negócios jurídicos dessa natureza envolvem ônus e bônus, de modo que somente podem ser anulados diante da comprovada existência de vício de vontade e sua anulação deve ser integral, tendo como efeito o retorno ao status quo ante.

No mesmo ano de 2017, a 3ª Turma do STJ, ao julgar o REsp nº 1.673.367/ES, de relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, retornou ao tema das submassas, oportunidade em que aperfeiçoou aquele julgamento da 2ª Seção realizado no ano de 2015 (REsp nº 1.248.975/ES) ao entender por retirar o comando condenatório da EFPC, exatamente diante da percepção de que essa não possui patrimônio próprio para arcar com a condenação, sendo mera gestora de recursos previdenciários de seus participantes e assistidos.

Definiu-se, assim, que, diante da ausência de constituição de reservas pela submassa exaurida, a EFPC não poderia continuar pagando a complementação de aposentadoria para os ex-empregados da empresa falida, garantindo-se, porém, a esses participantes e assistidos o recebimento do direito acumulado por cada um quando a EFPC receber os créditos habilitados no processo de falência da empresa patrocinadora. Esse entendimento se revelou de extrema relevância para o deslinde dessa complexa controvérsia, pois propõe solução equilibrada, na medida em que assegura o direito desses dois grupos de participantes ligados a submassas diversas.

Em 2018, outro julgamento emblemático envolveu o Sistema de Previdência Complementar Fechado na 2ª Seção. Ao julgar o REsp repetitivo nº 1.312.736/RS (Tema 955), de relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira, a Seção de Direito Privado pacificou o entendimento de que, após a concessão do benefício complementar, esse não poderia ser revisado para a incorporação de "horas extras", reconhecidas no bojo de processos trabalhistas movidos por participantes contra seus empregadores, dos quais as EFPC’s sequer fizeram parte, e que envolviam discussões relativas ao cumprimento do contrato de trabalho.

Em sede de modulação de efeitos, no entanto, permitiu-se tal revisão, para aquelas ações já ajuizadas até 8/8/2018, desde que houvesse previsão regulamentar para tanto e que fosse previa e integralmente constituída a reserva matemática apta a suportar o aludido incremento no benefício previdenciário. Esse tema foi novamente julgado em 2020, tendo o STJ reafirmado esse entendimento e o estendido para quaisquer verbas remuneratórias e não apenas para horas extras (REsp’s repetitivos nº 1.778.938/SP e nº 1.740.397/RS — Tema 1.021).

Em 2019, o Superior Tribunal de Justiça concluiu julgamento sobre questão basilar da previdência complementar fechada — definição do regulamento aplicável para cálculo da renda mensal inicial do benefício previdenciário. Ao julgar o REsp nº 1.435.837/RS, de relatoria para acórdão do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, pacificou-se o entendimento de que o regulamento aplicável é aquele vigente na data em que o participante reuniu todas condições para se aposentar e não aquele vigente na data em que ingressou no plano de benefícios.

Como se verifica desse apanhado cronológico da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na última década envolvendo a previdência complementar fechada, é notória a sua evolução e a sua importância para a exata compreensão desse setor tão relevante para a sociedade e para a economia nacional.

Os desafios são muitos ainda, mas é inegável que a jurisprudência da previdência complementar fechada caminhou muito bem até aqui. Neste ano de 2021, espera-se que a Corte máxima de interpretação da legislação federal no país consolide seu entendimento sobre o tema envolvendo as submassas de planos de benefícios, pacificando-o no sentido de preservar a sua independência patrimonial, eis que ainda há grande incerteza envolvendo essa matéria, o que coloca em risco a segurança, higidez e solvência de diversos planos de benefícios brasileiros.

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