Opinião

Renda básica e renda mínima na Emenda Constitucional 114/2021

Autor

  • Gustavo Filipe Barbosa Garcia

    é advogado livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo especialista em Direito e pós-doutor em Direito pela Universidade de Sevilla membro Pesquisador do IBDSCJ e da Academia Brasileira de Direito do Trabalho titular da Cadeira 27 membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual e professor universitário.

25 de dezembro de 2021, 14h15

A Emenda Constitucional 114, de 16 de dezembro de 2021, alterou a Constituição Federal de 1988 e o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para estabelecer o novo regime de pagamentos de precatórios.

O artigo 6º, parágrafo único, da Constituição da República, incluído pela Emenda Constitucional 114/2021, estabelece que todo brasileiro em situação de vulnerabilidade social terá direito a uma renda básica familiar, garantida pelo poder público em programa permanente de transferência de renda, cujas normas e requisitos de acesso serão determinados em lei, observada a legislação fiscal e orçamentária.

Nesse contexto, um dos objetivos da Assistência Social é a redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza (artigo 203, inciso VI, da Constituição Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional 114/2021).

A assistência aos desamparados é direito social (artigo 6º da Constituição da República), integrando o catálogo de direitos fundamentais. A Assistência Social, assim, deve ser prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à Seguridade Social (artigo 203 da Constituição Federal de 1988) [1] .

Em outras palavras, a Assistência Social, como direito da pessoa humana e dever do Estado, é política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (artigo 1º da Lei 8.742/1993).

A rigor, cabe distinguir a renda mínima da renda básica, embora ambos os benefícios sejam programas de transferência de renda.

Os benefícios de renda mínima têm como objetivo garantir o mínimo existencial, em respeito à dignidade humana, por meio da redistribuição de renda, ao assegurar valor mínimo às pessoas em situação de pobreza e vulnerabilidade social.

Na esfera da Organização Internacional do Trabalho, esta deve auxiliar na execução de programas que visem a ampliar as medidas de segurança social, a fim de assegurar tanto uma renda mínima e essencial a todos a quem tal proteção é necessária, como assistência médica completa (artigo 3º, f, da Declaração de Filadélfia, de 1944).

No âmbito federal, foi instituído o Programa Auxílio Brasil (em substituição ao Programa Bolsa Família), executado por meio da integração e da articulação de políticas, de programas e de ações direcionadas ao fortalecimento das ações do Sistema Único de Assistência Social, à transferência direta e indireta de renda, ao desenvolvimento da primeira infância, ao incentivo ao esforço individual e à inclusão produtiva rural e urbana, com vistas à emancipação cidadã.

Os benefícios de renda básica, por sua vez, têm caráter universal, pois são voltados a todas as pessoas do país, sem estabelecer restrições quanto ao nível social e econômico dos beneficiários.

A Lei 10.835/2004 institui a renda básica de cidadania, como direito de todos os brasileiros residentes no país e estrangeiros residentes há pelo menos cinco anos no Brasil, não importando sua condição socioeconômica, receberem, anualmente, um benefício monetário. A mencionada abrangência deve ser alcançada em etapas, a critério do Poder Executivo, priorizando-se as camadas mais necessitadas da população.

Observados esses aspectos, de acordo com a previsão do artigo 6º, parágrafo único da Constituição Federal de 1988, incluído pela Emenda Constitucional 114/2021, a renda básica familiar, que deveria ser universal, é garantida apenas aos brasileiros em situação de vulnerabilidade social, o que mais se aproxima da renda mínima.

Além disso, como decorrência da isonomia, o mencionado direito deve ser assegurado também aos estrangeiros residentes no País em situação de vulnerabilidade social, conforme artigo 5º, caput, da Constituição da República. Nesse aspecto, defende-se a interpretação sistemática do artigo 6º, parágrafo único, da Constituição da República, por ser vedada a discriminação (artigo 3º, inciso IV, e artigo 5º, inciso XLI, da Constituição Federal de 1988), para que se assegure a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição da República).

Nessa linha, quanto ao benefício de prestação continuada, o Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese de repercussão geral: "Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais" (STF, Pleno, RE 587.970/SP, relator ministro Marco Aurélio, DJe 22.09.2017).

Esclareça-se que os limites, as condições, as normas de acesso e os demais requisitos para o atendimento do disposto no parágrafo único do artigo 6º e no inciso VI do artigo 203 da Constituição Federal de 1988 devem ser determinados, na forma da lei e respectivo regulamento, até 31 de dezembro de 2022, dispensada, exclusivamente no exercício de 2022, a observância das limitações legais quanto à criação, à expansão ou ao aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento de despesa no referido exercício (artigo 118 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, incluído pela Emenda Constitucional 114/2021).

Cabe, assim, acompanhar a evolução legislativa e jurisprudencial a respeito dessa relevante matéria, para que sejam alcançados os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, merecendo destaque a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, incisos I e III, da Constituição Federal de 1988).

 


[1] Cf. GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito da seguridade social. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. p. 311-313.

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    é advogado, livre-docente pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, pós-doutor em Direito pela Universidade de Sevilla e membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e do Instituto Brasileiro de Direito Processual.

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