Opinião

Os limites da Justiça negociada, das instituições e da democracia

Autor

16 de dezembro de 2021, 7h13

Recentemente, Deltan Dallagnol, ex-procurador da República e coordenador da força-tarefa da operação "lava jato" em Curitiba, filiou-se ao partido Podemos para disputar um cargo eletivo nas eleições de 2022. A notícia me fez lembrar do artigo "Deferências institucional e regulatória na Justiça negociada", que publiquei em co-autoria com Walfrido Warde aqui na ConJur. E de algumas conversas que tinha com um colega, executivo do setor de infraestrutura, a respeito do tema.

No artigo, criticamos a atuação ao Ministério Público ao, em sede de acordo de leniência, obrigar as empresas lenientes a reverterem parte dos valores que seriam pagos a título de reparação de danos em desconto nas tarifas de pedágio e a divulgar, nos recibos de pedágio e em outdoors posicionados nas estradas, que a redução das tarifas era resultado da atuação da "Força Tarefa Lava Jato em Curitiba" no combate à corrupção.

Para além da postura pouco institucional — a força-tarefa obrigava as lenientes a fazerem propaganda da atuação da força-tarefa de Curitiba, especificamente, e não do Ministério Público — , apontamos na ocasião que o Ministério Público não seria o órgão melhor posicionado para determinar quanto do montante da reparação de danos deveria corresponder a um abatimento das tarifas de pedágio por determinado período. Também não caberia ao Parquet determinar que os valores de reparação acordados deveriam ser revertidos em benefício de descontos tarifários, e não, por exemplo, na realização de obras e outros investimentos que as empresas teriam deixado na fazer nas estradas que operavam. A verdade é que os procuradores da força-tarefa, usurpando competências dos reguladores (ao dizer quanto do valor da reparação de danos deveria ser revertido em desconto tarifário e determinar o montante do desconto) e dos agentes políticos eleitos que propõem e aprovam o orçamento (ao determinar o destino dos valores pagos), haviam optado pela alternativa de maior apelo popular (e observo aqui que essa opção foi totalmente do Ministério Público, já que a aceitação desses acordos pelas empresas estava longe de ser resultado de negociações livres o suficiente para que as lenientes, desesperadas por salvar a reputação, o caixa e as cabeças de seus executivos, fizessem qualquer observação quanto ao acerto das medidas impostas).

Quando saíram esses acordos de leniência, já tinha notado a questão, mas foi conversando com este colega que tive certeza de que o assunto era mesmo mote para crítica pública. O sujeito em questão é um executivo brilhante e de enorme espírito cívico. Às vezes me considera esquerdosa além da conta e eu o tenho como tremendo liberal (só que liberal de verdade). Assim que, quando concordamos, pode-se saber que é questão de legalidade, e não de política. Ou bom senso, mesmo.

Bem, quando falávamos dessa questão do uso do acordo leniência para baixar as tarifas de pedágio, ele bem pontuou que, além de não ter sido apresentado qualquer parâmetro que justificasse o desconto imposto pelo Ministério Público, tendo em vista o montante arbitrado da reparação que se decidiu reverter em modicidade tarifária, além de usurpar o papel do regulador, criava-se um desequilíbrio no sistema rodoviário da região, pois baixava-se artificialmente e sem cálculos cuidadosos (e tampouco transparentes) as tarifas de apenas algumas rodovias, sem que os pedágios das outras rodovias pedagiadas não alcançadas por investigações pudessem ser objeto de descontos semelhantes.

A essa observação, eu me lembro de ter replicado: "Mas não é só isso. No limite, usando o acordo de leniência para oferecer desconto nas tarifas e obrigando a leniente a fazer os usuários se lembrarem de que o desconto é um 'presente' deste ou daquele grupo de autoridades, uma dessas autoridades, com um par de procedimentos encerrados em acordo de leniência, pode tomar para si a possibilidade de fazer uma belíssima campanha eleitoral para si próprio, às custas de dinheiro que deveria ter ido para o orçamento". Pois muito bem, senhoras e senhores: parece que chegamos a esse limite.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!