Decisões do Carf apontam para incidência de IR sobre incorporação de ações
7 de dezembro de 2021, 8h43
Nas ações recentes que julgam a possibilidade de incidência do Imposto de Renda sobre as operações de incorporação de ações, a Justiça tem decidido de forma favorável ao contribuinte. Já nas instâncias superiores do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) há uma decisão favorável e outras sete desfavoráveis; nas instâncias ordinárias, mais de 30 ações foram decididas pelo Carf de forma a condenar o contribuinte ao pagamento do imposto.
Essa foi a conclusão de levantamento produzido pelo escritório Rolim, Viotti, Goulart, Cardoso Advogados.
A incorporação de ações é um mecanismo previsto no artigo 252, da Lei 6.404/76 (Lei das Sociedade por Ações) que garante que todas as ações de uma empresa (incorporada) sejam adquiridas por outra companhia (incorporadora). Após o processo, a companhia incorporada vira uma subsidiária integral da incorporadora.
O parágrafo 3º do dispositivo citado prevê que os acionistas da empresa incorporada receberão as ações que lhes forem de direito na incorporadora, da qual passarão a ser sócios. Ou seja, o capital da sociedade incorporadora deverá ser aumentado pela emissão de novas ações e essas passarão à titularidade dos acionistas anteriores da sociedade incorporada.
Discussão tributária
Diante desse cenário, surgem dúvidas sobre a repercussão tributária da operação. O acionista da empresa incorporada, ao receber as ações da companhia incorporadora, terá ganho de capital que deve ser tributado pelo imposto de renda?
Para responder a essa pergunta existem duas correntes, tanto na doutrina quando na jurisprudência. De acordo com a primeira, uma vez que há sucessão, continuidade e absorção de patrimônio, entende-se que as partes envolvidas, seja a empresa incorporada ou os seus sócios, não auferem ganho tributável na operação.
Para essa corrente, a operação de incorporação de ações não se confunde com a alienação de ações, mas constitui simples substituição de ações mediante sub-rogação. Não ocorre, portanto, o fato gerador de incidência do Imposto de Renda.
A segunda corrente, por outro lado, entende que há ganho tributável pela diferença entre o valor de cotação das ações da empresa incorporadora e o valor das ações anteriormente detidas na empresa incorporada. Assim, como a incorporação de ações envolve a transferência da titularidade das ações da incorporada para a incorporadora, trata-se de uma espécie de alienação. Com a valorização a preço de mercado das ações dadas em pagamento, ocorreria acréscimo patrimonial tributável pelo ganho de capital.
Como há grande divergência nos casos em que o Fisco autua os acionistas da empresa incorporada com a cobrança de imposto de renda por omissão de resultado de ganho de capital, o contribuinte busca solução no Judiciário ou junto ao Carf, órgão administrativo que julga litígios em matéria tributária federal.
Decisões favoráveis
Entre as decisões mais recentes sobre o tema, verifica-se que o Poder Judiciário vem adotando posicionamento favorável aos contribuintes. Em setembro de 2020, a 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, em processo que trata sobre a incorporação do Unibanco pelo Itaú, cancelou a cobrança de IRPJ aplicada pelo Fisco (processo 5026528-67.2018.4.03.6100).
De acordo com a decisão, a incorporação de ações constitui negócio plurilateral, cujo objeto é a integração de participação societária, mediante a agregação de todas as ações da incorporada, ao patrimônio da incorporadora. Ou seja, não há extinção da sociedade cujas ações forma incorporadas, muito menos a sucessão em seus direitos e obrigações.
Em caso semelhante, julgado pela 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, o juízo entendeu que a tributação do IR deve ser afastada, tendo em vista que a operação é instituto jurídico próprio do Direito Societário, que não se confunde com a alienação de ações, consubstanciando-se em simples substituição de ações mediante sub-rogação, não estando presente o fato gerador da hipótese de incidência do imposto de renda (processo 5002494-57.2020.4.03.6100).
Em 2015, a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região já havia proferido decisão no mesmo sentido. No caso dos autos, o contribuinte detinha 92% das ações da empresa incorporada, transferidas à incorporadora, que, em contrapartida, entregou aos acionistas da incorporada a mesma proporção de ações que estes detinham antes.
Assim, colegiado entendeu que, como o contribuinte manteve em sua declaração de bens o valor de custo das ações sub-rogadas, a mais valia decorrente da avaliação das ações dadas em substituição não está sujeita à incidência do IRPF (processo 5052793-42.2011.4.04.7000).
Na Câmara Superior do Carf há apenas uma decisão favorável ao contribuinte, de 2015, na 2ª Turma. O órgão decidiu que, na incorporação de ações, a incorporada passa a ser subsidiária integral da incorporadora. Assim, se dá a substituição no patrimônio do sócio, por idêntico valor, das ações da empresa incorporada pelas ações da empresa incorporadora.
Então, de acordo com a decisão, os sócios, pessoas físicas, devem apenas promover tal alteração em suas declarações de ajuste anual. Ademais, nos termos do artigo 38, parágrafo único, do RIR/99, a tributação do imposto sobre a renda para as pessoas físicas está sujeita ao regime de caixa, sendo que, no caso, o contribuinte não recebeu nenhum numerário em razão da operação autuada.
"Trocam-se, portanto, títulos por outros títulos. O fato de as novas ações serem eventualmente superiores ao valor contabilizado (ou valor de custo), não permite dizer que houve acréscimo patrimonial, visto que não há qualquer disponibilidade efetiva de renda. Esta somente se verificará quando o contribuinte efetuar a alienação da participação societária, recebendo, em contrapartida, o preço", concluíram os conselheiros (acórdão 99202-003.579).
Há outras duas decisões favoráveis, nas instâncias inferiores do Carf, com o mesmo entendimento da citada (acórdãos 2202-002.187 e 3402003.187).
Decisões desfavoráveis
A maioria das decisões do Carf, no entanto, adota a segunda corrente, contrária ao contribuinte. Em agosto de 2021, a 1ª Turma da Câmara Superior se posicionou no sentido de que a incorporação de ações é efetivamente alienação (acordão 9101-005.691). Nessas operações o sócio entrega as suas ações à incorporadora, pelo valor previamente determinado em laudo de avaliação específico para tal fim, recebendo desta um conjunto de ações que, também de acordo com laudo de avaliação de peritos, corresponde ao valor patrimonial proporcional ao investimento que passa a deter diretamente na empresa incorporadora.
Ou seja, para os conselheiros, haveria prévia avaliação do valor patrimonial e precificação das ações a serem incorporadas, sendo que as ações da incorporadora que são destinadas aos antigos acionistas da incorporada podem ter valor menor, igual ou superior aos desta última, inexistindo identidade de valores com vistas a atingir à finalidade de recomposição de patrimônio, necessária para caracterizar a sub-rogação real, ocorrendo verdadeira variação patrimonial.
No caso, observaram que, como as ações recebidas da incorporadora foram avaliadas por valor superior ao registrado no ativo da empresa incorporada, houve acréscimo imediato e mensurável no patrimônio, restando, assim, configurado o ganho de capital tributável. Assim, a diferença positiva entre a participação que passa a ser detida na incorporadora e a participação antes detida na incorporada constitui ganho de capital tributável.
Em setembro, mais uma vez, a 1ª Turma manteve cobrança de IRPJ sobre valores de ganho de capital na incorporação das ações de emissão da HFF Participações pela BRF, que deu origem à união entre Sadia e Perdigão. Em 2009, a Lianex Participações tinha ações da Sadia que passaram a integrar o capital social da HFF Participações e logo foram incorporadas pela BRF.
A empresa foi autuada com a cobrança de IRPJ e CSLL por omissão de resultado de ganho de capital em 2009 em operação de incorporação de ações. Para a Receita Federal, como a incorporação de ações envolve a transferência da titularidade das ações da incorporada para a incorporadora, trata-se de uma espécie de alienação. Com a valorização à preço de mercado das ações dadas em pagamento, ocorreu acréscimo patrimonial tributável pelo ganho de capital, segundo o Fisco (acordão 9101-005.777).
Outros dois julgamentos da 1ª Turma concluíram que a operação de incorporação de ações não é caso de sub-rogação e nem de permuta, mas sim de alienação. Assim, a diferença positiva entre a participação que passa a ser detida na incorporadora e a participação antes detida na incorporada constitui ganho de capital tributável, independentemente da existência de fluxo financeiro (acórdãos 9101-003.536 e 9101-002.735). Também na 2ª Turma há decisões nesse sentido (acórdãos 9202-006.501; 9202-008.371 e 9202-000.662).
Entre 2014 e 2021, as câmaras ordinárias do Carf julgaram outros 37 processos sobre o tema e concluíram desfavoravelmente ao contribuinte, adotando o entendimento do Fisco de que incide imposto de renda sobre a incorporação de ações.
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