DIP financing, alternativa atrativa para empresas em recuperação judicial
6 de dezembro de 2021, 17h06
O processo de recuperação judicial ainda é pouco ágil no Brasil, principalmente quando comparamos com as práticas adotadas em mercados desenvolvidos como os Estados Unidos e o Reino Unido. A reforma da Lei de Falências e Recuperação de Empresas (nº 14.122/20), que entrou em vigor no começo do ano, trouxe importantes mudanças, com o intuito de conferir maior efetividade e agilidade para os processos, além de maior segurança jurídica para a empresa em crise, os credores e demais stakeholders.
Entre essas alterações, destaco algumas das melhorias trazidas ao DIP financing, bem como importantes pontos de atenção remanescentes. O DIP financing, do inglês debtor in possession, é a modalidade de financiamento para empresas em recuperação judicial que possibilita suprir a falta de fluxo de caixa para arcar com as despesas operacionais enquanto a empresa está sob a proteção judicial. Ou seja: um instrumento necessário para garantir que as companhias continuem funcionando, já que a maioria delas está em uma crise de liquidez, sem os recursos necessários para saldar sequer suas obrigações correntes.Por meio do DiP financing, há uma injeção de fresh money que, em muitos casos, é feita sem que a empresa tenha que ofertar seus bens como garantia, pois estes comumente já se encontram gravados por dívidas anteriores. Os credores apenas contam com a prioridade na fila de pagamentos em caso de eventual falência.
Dependendo do objetivo do DIP financing, a modalidade pode ser dividida em duas formas. No loan-oriented, modalidade mais tradicional, o financiador concede o crédito com a expectativa de ser pago em dinheiro e negocia condições e obrigações para tentar reduzir o risco de inadimplemento. Já no loan-to-own, a concessão do crédito funciona como uma ponte para viabilizar uma futura transferência do comando da empresa.
No Brasil, o DIP não é novidade absoluta, mas com a reforma na lei foi oficialmente introduzido no ordenamento jurídico brasileiro, nos artigos 69-A e seus subsequentes. A lei anterior tratava de forma muito superficial o financiamento de empresas em recuperação judicial. Os credores que continuassem fornecendo capital ou produtos teriam privilégio no recebimento dos créditos anteriores. A prática comercial criou também a figura do credor parceiro, que fornece novo capital e tem condições privilegiadas de pagamento no plano. Mesmo assim, os riscos da operação eram muito altos, porque em caso de falência diversos credores teriam preferência na fila de pagamentos.
A situação, além de inadequada, gerava pouquíssima oferta da modalidade no Brasil. Afinal, se a empresa não conseguisse se recuperar, ou se o plano não fosse aprovado, ela iria para uma situação de liquidação na falência e provavelmente não teria os recursos necessários para pagar o credor do DIP.
Para reverter esse cenário, a nova lei criou alguns mecanismos para aumentar a expectativa de pagamento do credor e, consequentemente, incentivar o uso do DIP. Dessa forma, duas grandes lacunas foram preenchidas: aumento na segurança do DIP financing concedido ao amparo de autorização do juiz da recuperação judicial, mesmo antes da aprovação do plano, e a proteção à prioridade do repagamento desses financiamentos em caso de falência.
Ainda que a reforma tenha sido tímida, não há como negar que a nova lei trouxe maior segurança jurídica para os credores. Mas há algumas preocupações importantes que vale a pena ressaltar. Uma delas é o que acontece quando o devedor sai da recuperação judicial, o que agora pode acontecer imediatamente após a homologação do plano, já que a reforma permite que o juiz encerre a recuperação sem precisar esperar pelo prazo anterior obrigatório de dois anos. E, com a recuperação judicial terminada, o direito do credor do DIP financing passa a ser um direito de crédito tradicional, executado individualmente.
Outra preocupação relevante relacionada ao DIP diz respeito à consolidação substancial, o mecanismo processual pelo qual todas as dívidas e ativos de um grupo econômico são reunidos e tratados como se pertencessem a uma única empresa. Imagine uma empresa endividada que tenha uma subsidiária livre de dívidas, e que os ativos dessa subsidiária sejam dados em garantia em uma operação de DIP. Quando há uma consolidação substancial, as dívidas e os ativos ficam "misturados", o que pode contaminar o DIP concedido à subsidiária.
A reforma da Lei de Falência e Recuperação trouxe importantes avanços no regramento do DIP financing, mas ainda há muito terreno a ser percorrido. Agilidade para a recuperanda, segurança para o financiador, clareza de regras para todos: somente assim o DIP finacing realizará seu potencial como ferramenta indispensável para viabilizar a recuperação de empresas em crise.
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