Com critério da CIDH, juízes têm reduzido penas cumpridas em prisão degradante
30 de agosto de 2021, 7h31
Decisões recentes de magistrados brasileiros mudaram a forma de se calcular o tempo de pena das pessoas privadas de liberdade em condições degradantes. A nova conta se baseia em resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), que decidiu, em 2018, que deverá ser contado em dobro cada dia da punição de pessoas mantidas em um estabelecimento penal do Complexo de Gericinó, em Bangu (RJ), sob condições desumanas. A sentença se aplica apenas para acusados ou condenados por crimes contra a vida (homicídio, por exemplo), a integridade física (lesão corporal) ou crimes sexuais.
O entendimento foi seguido no julgamento de três presos de Pernambuco, do Pará e de Santa Catarina, cujas penas cumpridas em ambientes degradantes foram contadas em dobro por decisão da Justiça brasileira.
No caso pernambucano, um sentenciado cumpria pena no Complexo do Curado, em Recife. O maior conjunto de estabelecimentos prisionais daquele estado foi alvo de visita da Corte IDH em 2015, quando foram verificadas violações aos direitos humanos que resultariam em sanções ao Estado brasileiro. Na decisão, em 12 de maio deste ano, a juíza Orleide Roselia Nascimento Silva acolheu o pedido da Defensoria Pública do estado e reconheceu o direito à contagem dobrada dos meses que o preso passou no estabelecimento, entre 2012 e 2016.
Além de mencionar a resolução da Corte IDH, as decisões que adotaram o cálculo em dobro das penas têm em comum a menção à jurisprudência estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça no primeiro semestre deste ano. Em abril, uma decisão do ministro Reynaldo Soares da Fonseca multiplicou por dois o tempo em que um condenado cumpriu pena no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, presídio insalubre que originou a a resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 2018.
Um ano antes, violações aos direitos humanos já haviam sido constatadas em visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos no Plácido de Sá Carvalho. Desde então, o Tribunal monitora a situação na unidade prisional com o Estado brasileiro. O Conselho Nacional de Justiça criou no início do ano um setor para acompanhar o cumprimento das decisões da Corte Interamericana.
A decisão monocrática do ministro Reynaldo Soares da Fonseca foi confirmada pela 5ª Turma do STJ, em junho. No texto do acórdão, fica evidenciada a competência da Corte IDH em relação à interpretação ou aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica). Em 2002, por meio do Decreto 4.463, o Brasil sujeitou-se a cumprir todas as decisões da Corte em relação ao país, obrigação a ser cumprida por todos os órgãos e poderes internos do país.
Caso paraense
No último dia 13 de agosto, o juiz Flávio Oliveira Lauande, de Santarém (PA), determinou a contagem em dobro do período em que uma presa passou nas Casas Penais de Santarém — um ano e 23 dias. Entre as provas de insalubridade das unidades prisionais, o magistrado elencou superlotação, condições estruturais deficitárias — em especial, de iluminação e ventilação, além da ausência de vagas para trabalho e estudo para todos, ausência de banho de sol e visitas íntimas e ausência de agentes e corpo clínico em número adequado.
"As condições de cumprimento nesta comarca, diante da superlotação, são indignas, degradantes, autorizando a adoção de solução semelhante à apresentada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, como compensação ao descumprimento da LEP, da Constituição e das recomendações da CIDH", afirmou na sua decisão o magistrado da Vara de Execuções Penais Privativas de Liberdade de Santarém.
De norte a sul
A última das três decisões foi proferida no dia 16 de agosto pelo juiz João Marcos Buch, da Comarca de Joinville (SC). No caso, um preso encontrava-se havia um ano e cinco meses no Presídio Regional da cidade, caracterizado como degradante pelo magistrado. "O fato é que, até esta data, o Departamento de Administração Prisional não proporcionou condições razoáveis de cumprimento de pena no Presídio Regional de Joinville, deixando apenados em condições ilegais, repita-se, sem trabalho, sem educação, sem atividade alguma, correndo o risco de serem assassinados, trancafiados em celas superlotadas insalubres, sem ventilação cruzada, 24h por dia, 365 dias por ano, com um par de horas de banho de sol diário, em pátios que se resumem a uma laje circundada por paredões", afirmou na decisão do juiz.
Conforme relatórios do magistrado, que responde há 10 anos pela execução penal no maior município de Santa Catarina, a unidade prisional tem capacidade de 560 vagas e possui atualmente 1.220 presos e 66 agentes penitenciários. Entre janeiro de 2020 e julho de 2021, foram registrados sete homicídios dentro do estabelecimento. Com informações da assessoria de imprensa do Conselho Nacional de Justiça.
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