O Supremo Tribunal Federal e o julgamento do caso Aída Curi - Parte 1
26 de abril de 2021, 15h46
No dia 11 de fevereiro de 2021, ocorreu o aguardado julgamento do Recurso Extraordinário com repercussão geral, sob nº 1.010.606, pelo Supremo Tribunal Federal, do conhecido caso Aída Curi.
O acórdão aprovou, por maioria, a tese com repercussão geral, no sentido de o referido direito ao esquecimento ser incompatível com os termos da Constituição e, consequentemente, inexistir essa categoria jurídica no direito pátrio.
Em resumo estabelece a decisão que:
"É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral — e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível". [1]
Este acórdão causou um importante debate em grande parte da comunidade jurídica brasileira, tendo em vista que essa decisão poderia representar a supressão da categoria jurídica do direito ao esquecimento do direito brasileiro, causando, como consequência, uma grave limitação à tutela dos direitos da personalidade no Brasil.
Diante desses fatos, cabe indagar. A decisão proferida pelo STF, no Recurso Extraordinário, sob nº 1.010.606, conhecido como caso Aída Curi, se constitui em um equívoco ou em um retrocesso do direito brasileiro?
Para a obtenção da resposta se faz necessário analisar o caso Aída Curi sob três aspectos. O primeiro, mediante uma breve retrospectiva histórica dos fatos que provocaram o ajuizamento da ação originária. O segundo, através de uma breve prospecção na noção do direito geral de personalidade ao esquecimento. E o terceiro aspecto, diz respeito à adequação da ação intentada pelos familiares de Curi.
Breve retrospectiva histórica do caso
Em 1958, Aída Jacob Curi foi vítima de violência seguida de morte, praticada por três de jovens que a atiraram do alto de um edifício em Copacabana, no Rio de Janeiro. Ronaldo Guilherme de Souza, o principal dos acusados, foi submetido a três julgamentos sendo condenado à pena de oito anos e nove meses de reclusão, por homicídio e tentativa de estupro.
Os irmãos da vítima ingressaram na Justiça mediante pedido de indenização por danos morais contra Globo Comunicações e Participações S/A, após a exibição do programa Linha Direta, da Rede Globo de Televisão, no qual foi divulgado o nome de Aída Curi, fotos e cenas do evento delituoso. Alegaram os autores da ação, que era inoportuno aquele programa, não havendo razão alguma para ser revolvida a triste história de Aída após o transcurso de 50 anos de sua ocorrência.
A história apresentada pela televisão já não mais fazia mais parte do conhecimento comum da sociedade, nem havia interesse do público a essa informação. O juízo de 1º grau julgou pelo indeferimento da pretensão. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro confirmou a sentença recorrida, alegando que os fatos, objeto da causa, eram de conhecimento público geral, amplamente divulgado pela imprensa na época, e que a TV Globo teria, somente, cumprido com sua função social de informar e debater o aventado caso.
Os autores, irmãos da vítima, recorreram ao Superior Tribunal de Justiça, mediante interposição de Recurso Especial. Além do pedido de reforma da decisão do juízo a quo, no sentido da procedência da ação indenizatória, invocaram estar presente o direito ao esquecimento a favor da memória de Aída e de seus familiares. No programa Linha Direta teria ocorrido violação à imagem da vítima pela utilização comercial não autorizada das imagens do crime.
Conhecendo o recurso, o STJ afirmou em seu julgado, que o crime era indissociável do nome da vítima, motivo esse de não assistir razão aos autores da ação. O Superior Tribunal de Justiça determinou que deveria prevalecer a liberdade de imprensa e expressão, uma vez que a matéria jornalística reportava a fatos verídicos, formadores da história do país e de repercussão nacional negando, consequentemente, a pleiteada indenização aos recorrentes.
Interposto Recurso Extraordinário ao STF pelos autores, decidiu o Tribunal pelo desprovimento das pretensões dos recorrentes, negando o direito à indenização pleiteado, bem como, declarou que o direito ao esquecimento é incompatível com os termos da Constituição, "entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais".
* Esta coluna terá prosseguimento em outra edição do "Direito Civil Atual"
** Esta coluna é produzida pelos membros e convidados da Rede de Pesquisa de Direito Civil Contemporâneo (USP, Humboldt-Berlim, Coimbra, Lisboa, Porto, Roma II-TorVergata, Girona, UFMG, UFPR, UFRGS, UFSC, UFPE, UFF, UFC, UFMT, UFBA, UFRJ e UFam).
[1] STF Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 786 da repercussão geral, negou provimento ao recurso extraordinário e indeferiu o pedido de reparação de danos formulado contra a recorrida, nos termos do voto do Relator, vencidos parcialmente os Ministros Nunes Marques, Edson Fachin e Gilmar Mendes. Em seguida, por maioria, foi fixada a seguinte tese: "É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais — especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral — e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível", vencidos o Ministro Edson Fachin e, em parte, o Ministro Marco Aurélio. Afirmou suspeição o Ministro Roberto Barroso. Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 11.02.2021 (Sessão realizada por videoconferência — Resolução nº 672/2020/STF). In http://stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=5091603&numeroProcesso=1010606&classeProcesso=RE&numeroTema=786. Acesso em 17.02.2021.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!