Combinado não sai caro

Se houve acordo, "perseguidos" do PSB por votar contra partido podem se desfiliar

Autor

13 de abril de 2021, 22h07

Por maioria apertada de votos, o Tribunal Superior Eleitoral reconheceu, na noite desta terça-feira (13/4), que os deputados que foram punidos pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) por votar a favor da Reforma da Previdência em 2019 podem deixar a legenda, desde que tenham se filiado com a garantia da autonomia de posicionamento na matéria.

Reprodução
Câmara aprovou a Reforma da Previdência em 2019 com ajuda de dissidentes que votaram contra a orientação de seus partidos
Reprodução

A corte julgou processos de três parlamentares que se julgam "perseguidos" porque foram punidos internamente depois de ajudar a aprovar a Proposta de Emenda Constitucional 6/2019, contrariando a orientação do diretório nacional do partido.

Para todos eles, a punição foi a mesma: suspensão de 12 meses de todas as funções ocupadas nos órgãos diretivos do PSB, suspensão de direito a voto nas reuniões partidárias e perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerçam em decorrência de representação e da proporcionalidade partidária, com exceção da titularidade de uma comissão assegurada aos parlamentares.

Apenas dois deles poderão trocar de legenda sem perder o mandato: Rodrigo Coelho (PSB-SC) e Felipe Rigoni (PSB-ES).

Coelho se filiou ao PSB na esteira da movimentação do então presidenciável Eduardo Campos — morto em acidente de avião em 2014 —, que atraiu liberais catarinenses para formar diretório do partido em Santa Catarina em troca de autonomia de posicionamento. Já Rigoni faz parte do movimento político chamado Acredito, que assinou cartas de compromisso com o PSB com a mesma promessa de liberdade de posicionamento.

Para os casos deles, o TSE entendeu, por 4 votos a 3, que a punição interna aplicada pelo PSB foi desproporcional e configurou grave discriminação político-pessoal. Nos termos do artigo 22-A da Lei dos Partidos Políticos (Lei 9.096/1995), está reconhecida a justa causa para desfiliação partidária.

Nelson Jr./SCO/STF
Ministro Barroso fez distinguishing para constar que, nos casos em que acordo de autonomia foi rompido, cabe a justa causa
Nelson Jr./STF

O terceiro caso é de Jefferson Alves de Campos (PSB-SP), que terá de permanecer na legenda porque não comprovou que se filiou com o mesmo privilégio de poder posicionar conforme bem quisesse, independentemente da orientação partidária.

Essa definição pelo TSE é importante porque deve refletir em diversos outros julgados e, até mesmo, na estratégia política de parlamentares que vislumbrem contrariar interesses partidários.

Além do PSB, o Partido Democrata Trabalhista (PDT) foi outra legenda de oposição a contar com dissidentes naquela votação — oito, ao todo. Já houve pedido ao TSE para trocar de partido como, por exemplo, da deputada Tabata Amaral (PDT-SP), outra a integrar o movimento Acredito.

Combinado não sai caro
O voto que definiu a tese e os três julgamentos foi do presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso. Duas posições bem definidas se formaram na corte.

Uma delas indica que a punição interna pela desobediência da orientação partidária em fechamento de questão para votação no Congresso, por si só, não serve para comprovar a discriminação política pessoal. Votaram dessa forma os ministros Luiz Edson Fachin, Tarcísio Vieira de Carvalho e Sérgio Banhos.

TSE
Para ministro Tarcísio, caso coloca em jogo salvo conduto para parlamentares deixarem partidos após punição regular sofrida
TSE

De outro lado, a de que a punição aplicada aos “liberais rebeldes” do partido socialista foi desproporcional e com objetivo de atingi-los de maneira pessoal, o que configura a perseguição de que trata a lei. Votaram assim os ministros Alexandre de Moraes, Luís Felipe Salomão e Mauro Campbell.

O distinguishing foi feito por Barroso. Para ele, se houve acordo expresso garantindo a autonomia de posicionamento, ele se sobrepõe a qualquer orientação partidária para votação. Isso com base no princípio da autonomia partidária: os partidos são livres tanto para fechar como seus parlamentares devem se posicionar, como para firmar acordos que os livrem de se posicionar.

“Se considerarmos que sempre que um parlamentar sofra sanção por não seguir o fechamento de questão, ele terá justa causa para se desfiliar, acabaremos com instituto do fechamento de questão, o qual, pessoalmente, acho que deve ser com mais frequência adotado para que os partidos tenham consistência mínima na sua orientação ideológica”, explicou. “A distinção que houve nos dois casos é que havia um acordo”, continuou.

O ministro ainda apontou que, em regra, o acordo deve ser formal, como no caso do firmado entre PSB e movimento Acredito: cartas de compromisso devidamente assinadas e trazidas aos autos. Mas abriu uma exceção para o julgamento de Rodrigo Coelho por entender bem comprovado nos autos que havia um combinado entre Eduardo Campos e o grupo político atraído ao PSB em Santa Catarina.

Carlos Moura/SCO/STF
“Não podemos fortalecer caciquismo interno de partidos", disse ministro Alexandre
Carlos Moura/STF

Salvo conduto negado
Ao votar contra o reconhecimento da justa causa, os ministros Luiz Edson Fachin, Tarcísio Vieira de Carvalho e Sérgio Banhos destacaram que, nos termos da jurisprudência do TSE, o reconhecimento da discriminação requer ao menos um de três critérios: arbitrariedade, iteratividade ou execração pública.

Para o ministro Fachin, os estatutos dos partidos políticos não podem ser esvaziados, ainda que por acordos baseados na boa-fé de ambas as partes. O ministro Banhos destacou que seria necessário que, da quebra de confiança pelo descumprimento do pacto, houvesse ainda prática de ato grave que tenha aptidão de afastar do convívio da agremiação ou que revele claro desprestígio ou perseguição.

Já o ministro Tarcísio disse que estava em jogo a concessão de um salvo conduto da Justiça Eleitoral para que parlamentares deixem as siglas partidárias pelo fato de serem punidos em processo regular por descumprir estatuto partidário. “Estaremos trocando uma desproporcionalidade por outra, atentatória ao signo da fidelidade partidária”, disse.

Gustavo Lima / Câmara dos Deputados
Câmara dos Deputados tem outros casos de parlamentares "rebeldes" que votaram a favor da Reforma da Previdência em 2019
Gustavo Lima/Câmara dos Deputados

Caciquismo e perseguição
Para a corrente oposta, as punições são desproporcionais se levadas em conta todas as intercorrências que permearam a discussão da Reforma da Previdência: houve sucessivas modificações do projeto no Congresso, intensos debates e até mesmo mudanças internas de posicionamento dentro do partido.

O ministro Alexandre de Moraes ressaltou que a presidência nacional do PSB adiantou que haveria punição aos rebeldes. “Não podemos aqui fortalecer o caciquismo interno de partidos, dos presidentes que não respeitam a democracia interna dos partidos. Eles devem respeito à democracia interna, à diversidade, aos pactos que fizeram para atrair grupos políticos”, afirmou.

Petição 0600641-66.2019.6.00.0000
Petição 0600643-36.2019.6.00.0000
Petição
0600638-14.2019.6.00.0000

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!