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O princípio da proporcionalidade nas taxas na visão do STF

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18 de março de 2020, 8h00

Spacca
A Constituição Federal (art. 145, II) autoriza a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a instituírem taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição. Quanto à base de cálculo das taxas, a Constituição apenas veda ao legislador a adoção da mesma própria dos impostos (art. 145, parág. 2º).

Na prática, o Supremo Tribunal Federal é flexível na interpretação desta vedação constitucional na medida em que proíbe apenas que haja integral identidade entre a base de cálculo da taxa e a do imposto, admitindo que a taxa possa adotar um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, entendimento que está consolidado na Súmula Vinculante 29: “ é constitucional a adoção, no cálculo do valor de taxa, de um ou mais elementos da base de cálculo própria de determinado imposto, desde que não haja integral identidade entre uma base e outra”.

No desafio hermenêutico de estabelecer uma baliza para a base de cálculo das taxas, o Supremo Tribunal Federal construiu uma consolidada jurisprudência utilizando a proporcionalidade entre o custo da atividade estatal e valor da taxa como critério balizador da base de cálculo possível de ser eleita pelo legislador ordinário para este tributo. Exige a Corte a presença de uma “proporção razoável” entre o custo da atividade estatal (do serviço público ou do poder de polícia) e a taxa cobrada do contribuinte. Este critério jurisprudencial foi adotado em inúmeros precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal.

Na Questão de Ordem da Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.551, relatada pelo Ministro Celso de Mello, assentou o Plenário do Supremo Tribunal Federal que “a taxa, enquanto contraprestação a uma atividade do Poder Público, não pode superar a relação de razoável equivalência que deve existir entre o custo real da atividade estatal referida ao contribuinte e o valor que o Estado pode exigir de cada contribuinte, considerados, para esse efeito, os elementos pertinentes às alíquotas e à base de cálculo fixados em lei. Se o valor da taxa, no entanto, ultrapassar o custo do serviço prestado ou posto à disposição do contribuinte, dando causa, assim, a uma situação de onerosidade excessiva, que descaracterize essa relação de equivalência, entre os fatores referidos (o custo real do serviço, de um lado, e o valor exigido do contribuinte, de outro) configurar-se-á, então, quanto a esta modalidade de tributo, hipótese de ofensa à cláusula vedatória inscrita no art. 150, IV da Constituição da República”, a saber, a proibição de instituição de tributo com efeito de confisco.

Neste julgamento, a Corte também reconheceu a positividade do princípio da proporcionalidade como limite jurídico à edição de leis tributárias apoiadas em critérios arbitrários, assentando que “o Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado.”

O critério da proporção razoável entre o valor da taxa e o custo da atividade estatal que dá fundamento à instituição da taxa também foi adotado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE 838.284-SC[1], relatado pelo Ministro Dias Toffoli, onde se discutiu a constitucionalidade da taxa para emissão de Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, cobrada pelos Conselhos Regionais de Engenharia, Arquitetura e Agronomia em razão do exercício do poder de polícia desempenhado por estas autarquias.

Na ocasião, o Tribunal, por unanimidade de votos e nos termos do voto do Ministro relator, fixou tese nos seguintes termos: “Não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita ao ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos.”

A relação de proporcionalidade entre o nível da taxa e as características da atividade do contribuinte também é elemento importante para verificar a compatibilidade constitucional das taxas, especialmente quando fundadas no poder de polícia. Este foi o fundamento adotado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal para reconhecer a constitucionalidade da Lei 10.165/2000 que instituiu a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, quando do julgamento do RE 416.601.[2]

Entendeu a Corte, com esteio no voto do Relator, Ministro Carlos Velloso, “que se o valor da taxa varia segundo o tamanho do estabelecimento a fiscalizar, o que implica maior ou menor trabalho por parte do Poder Público, maior ou menor exercício do poder de polícia, é mais do que razoável afirmar que acompanha de perto o custo da fiscalização que constitui sua hipótese de incidência, com atendimento em consequência, na medida do humanamente possível, dos princípios da proporcionalidade e da retributividade.”

Registre-se que a ausência de relação de proporcionalidade entre o valor da taxa e as características dos contribuintes a ela obrigados foi um dos fundamentos adotados pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.178-8[3], relatada pelo Ministro Ilmar Galvão, para pronunciar a inconstitucionalidade da Taxa de Fiscalização Ambiental, instituída pela Lei 9.960/2001.

A variação da taxa segundo certas características da atividade do contribuinte também foi validada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do RE 177.835-1-PE[4], relatado pelo Ministro Carlos Velloso, onde o Tribunal atestou a constitucionalidade da taxa de fiscalização do mercado de títulos e valores mobiliários, instituída pela Lei 7.490/89, cobrada pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM e que variava segundo o patrimônio líquido dos contribuintes submetidos ao poder de polícia desta autarquia federal.

Em julgado recente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, analisando a Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.211-AP[5], relatada pelo Ministro Marco Aurelio, mais uma vez a Corte ratificou a aplicabilidade dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade no dimensionamento do fato gerador da taxas de polícia à luz do custo do serviço que justificou a sua instituição.

Tratava-se de analisar a constitucionalidade da Taxa de Controle, Acompanhamento e Fiscalização das Atividades de Exploração e Aproveitamento de Recursos Hídricos – TFRH instituída pelo Estado do Amapá. A Corte, vencido o Ministro Edson Fachin, pronunciou a inconstitucionalidade deste tributo sob o fundamento de que a taxa possui caráter contraprestacional e sinalagmático: atrelando-se à execução efetiva ou potencial de um serviço público específico e divisível ou ao exercício regular do poder de polícia, isto é, o valor do tributo deve refletir, nos limites do razoável, o custeio da atividade estatal de que decorre.

No caso sob análise, o Colegiado observou que a estimativa de arrecadação anual com a cobrança do tributo alcançaria quase dez vezes o orçamento destinado à Secretaria de Estado do Meio Ambiente, órgão incumbido de prestar o serviço que fundamentou legalmente a instituição do tributo, a evidenciar a ofensa ao princípio da proporcionalidade.

A Corte ainda assentou o caráter eminente arrecadatório do tributo e o desvio de finalidade do valor arrecadado tendo em vista a circunstância de que legalmente setenta por cento da receita auferida seria destinada à conta única do Tesouro estadual, o que configuraria manifesta ofensa ao princípio da razoabilidade. Outrossim, descaracterizada a correspondência entre o custo real da atuação estatal e o valor exigido do sujeito passivo da obrigação tributária, o tributo passa a ter efeito de confisco, vedado pela Constituição Federal (art. 150, IV).

Este precedente sinaliza que os entes tributantes instituidores de taxas têm o dever jurídico de demonstrar a) a efetiva aplicação do recurso auferido com a taxa no custeio da despesa pública especial que a justificou e b) a relação de proporcionalidade ou equivalência razoável entre o valor a ser arrecadado com a taxa e a dimensão objetiva, ainda de forma aproximada, desta despesa. A ausência de vinculação legal do recurso, total ou parcial, à despesa específica é um indicador da falta de preenchimento dos requisitos constitucionais para a validade do tributo. No caso julgado, a própria lei instituidora da taxa deixa manifesta a desvinculação entre a receita arrecadada com a taxa e a aplicação deste recurso na atividade (finalidade) que motivou a criação do tributo, e que validaria a competência do ente tributante.

A Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal exige a aplicação do recurso no custeio da atividade estatal especial que justifica a instituição da taxa, no entanto não estabelece critérios seguros para o controle jurisprudencial desta exigência. Basta a previsão legal da aplicação do recurso na lei instituidora ou na lei orçamentária? Este controle é dinâmico e permanente? Não aplicado o recurso no custeio da despesa especial, resta configurada a inconstitucionalidade e o consequente direito à repetição do indébito pelo contribuinte? É necessária a vinculação legal do recurso ou admite-se a prova objetiva pelo Estado da aplicação do recurso na finalidade justificadora da taxa, independentemente de expressa previsão legal neste sentido? Não seria mais seguro juridicamente exigir-se a vinculação do recurso arrecadado pela taxa a um fundo público especial destinado a custear a atividade justificadora da taxa, com todos os controles jurídicos e contábeis impostos aos fundos públicos? Assim, importantes aspectos do controle jurisdicional objetivo do critério da vinculação dos recursos das taxas à especial despesa pública que justificou a sua instituição ainda pendem de melhor definição pelo Tribunal.

O caráter sinalagmático das taxas traduz-se na premissa da cobertura dos custos da ação estatal especial que presidiu a sua cobrança. Neste sentido, a proporcionalidade é o veículo jurídico que permite o controle das escolhas estatais no exercício desta especial competência tributária. O tributo não deve superar o custo da ação estatal, concretizando, assim, as exigências normativas do princípio da proporcionalidade.

A necessidade do sinalagma entre o tributo cobrado e o custo da ação estatal repousa na natureza jurídica da taxa, enquanto tributo que nasce de uma especial atuação estatal provocada, i.e., causada pelo contribuinte, o que a teoria jurídica denomina de teoria da equivalência. Anote-se a exigência de equivalência e não de benefício ao contribuinte tendo em vista a circunstância de que nem sempre a ação estatal requerida irá gerar um benefício ou uma utilidade ao contribuinte.

Embora sólida em muitos aspectos, a Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ainda não resta clara quanto à possibilidade constitucional de adoção de bases de cálculo para as taxas que não estão diretamente ligadas ao custo da ação estatal, mas, pelo contrário, são explícitas manifestações de capacidade contributiva, como ocorre com as taxas em valores monetários fixos incidentes sobre (que tem como base de cálculo) o volume das operações mercantis realizadas pelo contribuinte.

Admitida a premissa já assentada pela Jurisprudência do Tribunal segundo a qual as taxas exigem uma relação de proporcionalidade entre o ônus imposto ao contribuinte e o custo da atividade estatal, a rigor, seriam inconstitucionais as taxas que tenham como base de cálculo um valor monetário fixo incidente sobre o volume das operações realizadas pelo contribuinte, já que este valor, em princípio, não guarda qualquer conexão com a ação estatal que justifica a instituição da taxa. Embora não tenha como base de cálculo o preço da operação mercantil (o que seria manifestamente inconstitucional em face do art. 145, parág. 2º da Constituição Federal), taxas que tomem como base de cálculo o volume do negócio jurídico podem afastar-se, em princípio, do nexo de relação proporcional que devem guardar com o custo da atividade estatal.

Neste sentido, o limite do custo da atividade estatal, como critério que traduz a proporcionalidade na instituição das taxas, pode contemplar duas dimensões de limites ao legislador: uma de caráter global, no sentido de que o valor total arrecadado pelo Estado não deve manifestamente superar o custo global da ação estatal; e outra de caráter individual, a exigir que um contribuinte não possa sofrer uma onerosidade excessiva que considere as operações por ele praticadas desconectadas do efetivo custo da ação estatal.

A admissibilidade do volume das operações como base de cálculo das taxas de serviço ou de polícia ainda exigiria a fixação de limites mínimo e máximo, tal como o Tribunal já assentou em longo debate acerca das taxas judiciárias. Não parece compatível com o princípio da proporcionalidade a instituição de taxas sobre o volume das operações sem o estabelecimento de limites máximos e mínimos de incidência impostos aos contribuintes.

A análise da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal permite concluir que a proporcionalidade e razoabilidade constituem importantes princípios-parâmetros, filtros normativos, utilizados pela Corte para aferir a constitucionalidade do exercício da competência tributária para instituição de taxas pelo legislador ordinário, embora aspectos importantes do tema ainda precisem ser mais seguramente definidos pelo Tribunal.


[1] DJe 22/09/2017.

[2] DJ de 30/09/2005, p. 5.

[3] DJ de 12/05/2000, p. 19.

[4] DJ de 25/05/2001, p. 20.

[5] Informativo STF 962, de 2 a 6 de dezembro de 2019.

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