Justiça Tributária

Crise e tributação - economia fiscal e as contribuições para o Sistema S

Autor

  • Fernando Facury Scaff

    é professor titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) advogado e sócio do escritório Silveira Athias Soriano de Mello Bentes Lobato & Scaff Advogados.

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18 de maio de 2020, 8h10

Spacca
Seguindo a linha de expor às empresas formas de economia fiscal na crise, iniciada com o texto anterior acerca do ICMS na demanda contratada de energia elétrica (veja aqui), escrevo nesta coluna sobre a contribuições ao Sistema S, que incidem sobre a folha de salários, conforme a tabela abaixo:

Instituição Alíquota
Senai 1,0%
Sesi 1,5%
Senac 1,0%
Sesc 1,5%
Sebrae

variável no intervalo de 0,3% a 0,6%

Senar

variável no intervalo de 0,2% a 2,5%

Sest 1,5%
Senat 1,0%
Sescoop 2,5%

Existem duas novidades sobre o tema.

A primeira é a Medida Provisória 932, que reduziu em 50% as alíquotas acima apontadas até 30 de junho de 2020, em razão da pandemia. Seguramente foi um alívio que o governo federal deu com o chapéu alheio, pois tais receitas não entram nos cofres federais, mas servem para o custeio dos serviços desenvolvidos por essas entidades. Logo, a despeito de não impactar os cofres públicos, alivia a pressão sobre o caixa das empresas, mesmo que de forma temporária. Registra-se a existência de posições contrárias a essa medida (veja aqui).

A segunda novidade não se caracteriza bem como tal, pois se refere a um julgamento ocorrido pelo Superior Tribunal de Justiça em 2008, que retornou agora ao debate em razão de outro julgamento recente que reafirmou a posição jurisprudencial daquela corte.

Em 2008 o STJ julgou o Recurso Especial 953.742, que teve por relator o ministro José Delgado, em um acórdão no qual diversas diferentes matérias foram apreciadas, e decidiu que ”tem aplicação o artigo 4º, parágrafo único, da Lei 6.950/81, que limita o recolhimento do salário-de-contribuição de vinte vezes o valor do salário-mínimo para o cálculo da contribuição de terceiros”.

Tal entendimento foi reafirmado no REsp 1.570.980, de relatoria do ministro Napoleão Nunes Maia Filho, publicado em março de 2020, reconhecendo que o artigo 4º da Lei 6.950/81 não foi revogado pelo DL 2.318/86 (veja aqui).

Em apertada síntese, o que as decisões estabelecem é que há um teto legal no valor de 20 salários-mínimos para a incidência das contribuições ao Sistema S (contribuições de terceiros), não sendo pertinente a cobrança de valor superior a esse montante.

Explicando com mais vagar, contata-se que o assunto é linear.

Antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a Lei 3.807/60 conferiu às instituições da Previdência Social a função de arrecadar as contribuições devidas a terceiros.

Em 1973, o artigo 14 da Lei 5.890 fixou o limite de 10 vezes o salário-mínimo vigente no país, como teto da base de cálculo dessas contribuições.

Em 1981, o artigo 4º da Lei 6.950 previu expressamente o aumento do limite máximo do salário de contribuição, que passou a corresponder a 20 vezes o valor do salário-mínimo vigente no país, sendo que o parágrafo único do mesmo artigo sacramentou que o referido limite se aplicava às contribuições “parafiscais” arrecadadas por conta de terceiros[1].

Em 1986 foi publicado o artigo 3º do Decreto-lei 2.318 explicitando que a limitação prevista no parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/81 não se aplicava às contribuições previdenciárias dos empregadores. Nada disse acerca das contribuições de terceiros[2].

Aqui adentra a Constituição Federal de 1988, pois seu artigo 149 tornou clara a diferença entre essas diferentes espécies de contribuições, que antes já existia: (1) as contribuições sociais em sentido estrito (como por exemplo o salário-educação e as contribuições previdenciárias); (2) as contribuições de intervenção no domínio econômico (como por exemplo as Cide-Petróleo) e (3) as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas (nesta última enquadram-se as contribuições ao Sistema S, conhecidas também como contribuições de terceiros, pois recolhidas na mesma guia de pagamento ao INSS).

Pois bem, concluiu o STJ nos julgados acima relatados que o artigo 3º do Decreto-lei 2.318/86 não afastou a aplicação do teto de 20 salários mínimos (parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/81) para as contribuições de terceiros. O dispositivo legal é expresso em afastar a aplicação da norma exclusivamente em face das contribuições previdenciárias dos empregadores, que permanecem fora do teto de 20 salários mínimos. Logo, as contribuições “parafiscais” (estas do Sistema S, que se caracterizam como contribuições no interesse de categorias econômicas, ou contribuições de terceiros) estão dentro do teto, em razão de não terem sido expressamente afastadas pelo parágrafo único do artigo 4º da Lei 6.950/81, o qual não foi revogado pelo artigo 3º do Decreto-lei 2.318/86

Esse entendimento do STJ traz dois tipos de repercussão para as empresas: (1) imediato, pois reduz seus pagamentos referentes a essas contribuições para o Sistema S ao limite de 20 salários mínimos estabelecidos como teto; e (2) a possibilidade de recuperar o que foi pago a maior, com retroação de cinco anos como regra geral, a ser recebido em espécie ou pela via da compensação.

Não se sabe se este assunto ainda tramitará pelo STF, o que pode alterar a posição adotada pelo STJ. Todavia, a decisão do STJ está valendo e se trata de uma boa via de economia fiscal para os contribuintes, e com maior perenidade do que a estabelecida pela MP 932.

[1] Lei 6.950/81: “Art 4º – O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País. Parágrafo único – O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.”

[2] Decreto-lei 2.318/86: “Art 3º Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981.”

Autores

  • é Professor Titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do Silveira, Athias, Soriano de Melo, Guimarães, Pinheiro & Scaff – Advogados.

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