Em seu voto na ADPF das fake news, Toffoli lembra exemplo da Áustria de Hans Kelsen
18 de junho de 2020, 20h31
Em seu voto no julgamento da ADPF 572, em que se questionou a validade de inquérito aberto de ofício pelo STF — para investigação de ameças feitas aos ministros da Corte —, o presidente Dias Toffoli relembrou um episódio histórico. Referente a outra Corte Constitucional, envolvendo outro julgador e desaguando em uma "pálida e escura noite do totalitarismo", que "veio e destruiu a civilização e seus valores".
Toffoli estava se referindo a nada menos que Hans Kelsen, um dos juristas mais influentes da história, que não apenas preconizou o modelo de controle concentrado de constitucionalidade — à moda europeia —, como também participou da concepção da Constituição austríaca de 1920.
Por ter redigido o voto-condutor de uma decisão sobre como o Código Civil daquele país deveria ser interpretado — o chamado "caso das licenças matrimoniais" —, Kelsen, então integrante da Corte Constitucional da Áustria, passou a ser objeto de muitas ameaças.
"Fui acusado de favorecer a bigamia, e assim por diante. Entre outras coisas, lembro-me que minhas duas filhas pequenas, ao voltar da escola para casa, disseram-me muito abaladas que na porta de entrada do nosso apartamento havia sido colocada uma espécie de cartaz no qual estavam escritas coisas horríveis sobre mim", disse o próprio Kelsen, em excerto constante do voto de Toffoli.
Após o episódio, Kelsen deixou a Corte Constitucional austríaca, quase na aurora dos anos 1930. O ocaso de década fala por si só.
"Ninguém defendeu a Corte Constitucional [austríaca]. Ninguém defendeu a democracia. E eis que a pálida e escura noite do totalitarismo veio e destruiu a civilização e seus valores", registrou Toffoli em seu voto — os grifos são dele.
Referindo-se então ao Brasil de 2020, o presidente afirmou: "Não há mais espaço para se tolerar ou se admitir esse tipo de estratagema autoritário — que, repito, tem o objetivo de enfraquecer nossa democracia, de constranger a magistratura como forma de intimidação e represália à atuação livre e independente do Judiciário".
Mirando-se no exemplo austríaco, Toffoli justificou a postura do STF: "Se na atual quadra, já soam os alarmes, esta Suprema Corte segue ainda mais vigilante e consciente de sua alta missão de defender a Constituição de 1988, de defender todas as conquistas dela decorrentes, sobretudo a democracia sólida e plural que temos hoje, alicerçada em instituições igualmente fortes e democráticas".
Diálogo
Apesar do posicionamento contundente, o presidente de instituição guardiã da Constituição lembrou que "a busca pelo diálogo institucional é fundamental e deve ser permanente".
"Não se trata de escolha nossa, não se trata de opção à disposição das autoridades constituídas. É imposição da Constituição da República e da cláusula da harmonia e do respeito mútuo entre os Poderes", afirmou.
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ADPF 572
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