Opinião

Parecer normativo da Receita é ilegal e extrapola limites impostos pela lei

Autor

  • Breno de Paula

    é doutor e mestre em Direito (Uerj) advogado tributarista e professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia.

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19 de julho de 2020, 9h14

A Receita Federal do Brasil, em dezembro de 2018, publicou o Parecer Normativo 4/2018, destinado a uniformizar a interpretação dos órgãos fiscalizadores federais sobre o alcance do dispositivo do Código Tributário Nacional que trata da solidariedade por "interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal" (artigo 124, I, do CTN).

Impõe se consignar, desde já, que o referido parecer normativo é ilegal e extrapolou, completamente, os limites impostos pela lei complementar (CTN) sobre o tema. Com todas as vênias, o referido parecer torna sem efeito mais de 50 anos de doutrina e jurisprudência sobre o tema da solidariedade tributária.

O sujeito passivo da obrigação tributária é o respectivo contribuinte, uma vez que ele é a parte (pessoa física ou jurídica) que tem relação pessoal e direta com a situação que dá origem ao fato gerador da obrigação tributária nos termos do artigo 121, §1o, inciso I, do Código Tributário Nacional (CTN).

A lei tributária, no entanto, pode atribuir a responsabilidade pelo crédito tributário a um terceiro vinculado ao fato gerador do tributo (artigo 121, parágrafo único, inciso II, e 128 do CTN).

A responsabilidade tributária de terceiros vem sendo muito debatida, especialmente pelo incremento da utilização do instituto pelas autoridades administrativas.

O Superior Tribunal de Justiça acabou por pacificar o entendimento de que não se pode incluir na certidão da dívida ativa partes que não figuraram como sujeitos passivos no processo administrativo de constituição do crédito tributário, tampouco se substituir a certidão da dívida ativa unilateralmente para a inclusão de terceiros responsáveis.

Também relevante para o tema é o acórdão proferido pela 2a Turma do STF no julgamento do Agravo Regimental (AgRg) no Recurso Extraordinário (RE) nº 608.426-PR, de 4 de outubro de 2011, em que se reconhece a necessidade de observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa na "constituição do crédito tributário em desfavor de qualquer espécie de sujeito passivo, irrelevante sua nomenclatura legal (contribuintes, responsáveis, substitutos, devedores solidários etc.)".

Segundo o artigo 142 do CTN, o lançamento do crédito tributário é o ato pelo qual a autoridade administrativa verifica a ocorrência do fato gerador da obrigação, determina a matéria tributável, calcula o montante do tributo devido, identifica o sujeito passivo e, sendo o caso, propõe a aplicação de penalidade cabível. O referido artigo é claro e não deixa margem para dúvidas: cabe privativamente à autoridade administrativa, por ocasião do lançamento, identificar o sujeito passivo da obrigação tributária.

O maior pecado do parecer normativo é a vil tentativa de aumentar o alcance da expressão "interesse comum". Lógico que aqui o "interesse comum" é na situação que constitui o fato gerador da obrigação tributária.

A maldosa afirmação do PN de que o artigo 124, I, do CTN é caso de "responsabilização tributária autônoma" é ilegal. Sua tese se presta também a responsabilizar terceiros que pratiquem determinados atos ilícitos: formação de grupo econômico irregular e atos de evasão e planejamento tributário abusivo.

Na atualização da obra de Baleeiro (2010, p. 1.119), Misabel Derzi afirma, a respeito do artigo 124, I, do CTN, que a solidariedade não é "forma de inclusão de um terceiro no polo passivo da obrigação tributária, apenas maneira de graduar a responsabilidade daqueles sujeitos que já compõem o polo passivo".

O ativismo da Receita Federal do Brasil, notadamente para imputar responsabilidade tributária ao contribuinte, não é absoluta; encontra limites na Constituição Federal, na lei complementar (nacional), bem com na cinqüentenária jurisprudência sobre a matéria. Um mero parecer administrativo não pode se sobrepor a tudo isso.

Confiamos em Aristóteles, que, pensando em Justiça, vaticinou: "Mas a retórica é útil porque a verdade e a justiça são por natureza mais fortes que os seus contrários".

Autores

  • é advogado tributarista, sócio do escritório Arquilau de Paula Advogados Associados, professor de Direito Tributário da Universidade Federal de Rondônia e doutor e mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

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