Juiz das garantias restringe espaço do arbítrio
16 de janeiro de 2020, 6h31
Ao Ministério Público cabe acusar, devendo dispor de meios adequados e de poder para não acusar em determinadas hipóteses legalmente previstas.
À defesa incumbe dispor de instrumentos eficazes para se contrapor à acusação, sendo o primeiro guardião da presunção de inocência.
O conhecimento pela defesa de todos os elementos que estiveram à disposição do MP para acusar, quer os haja empregado ou não, é parte essencial dessa função.
Ao juiz — ou tribunal, o sentido é o mesmo, qualquer que seja o tribunal — compete zelar pela legalidade dos procedimentos e condutas, evitando abusos de poder e práticas enviesadas, além de decidir as questões e causas com independência e imparcialidade.
O sistema funciona à base deste equilíbrio, e o tripé atua exercendo permanente controle recíproco, pois o abuso de poder pode ser causado pelos que o exercem — MP e juiz — em detrimento da presunção de inocência, como historicamente demonstrado
O modelo brasileiro era um monstrengo jurídico inconstitucional, que permitiu que se criassem hábitos imorais e antiéticos, tais como ajustes prévios entre acusação e juiz, que ignoraram o pacto de 1988.
A torcida pela manutenção do status quo era e é torcida contra o devido processo legal.
A recente reforma penal, no que toca à estrutura do processo, buscou equiparar nosso sistema de Justiça aos das democracias contemporâneas com longa tradição acusatória.
Os personagens são os mesmos, mas os constrangimentos epistêmicos induzem controle externo e autocontrole.
Leis não mudam milagrosamente nada, o sistema penal é seletivo e setores mais poderosos seguem gozando de boa dose de imunidade, ainda que transferida à execução penal.
Os visados de sempre seguirão sendo os mais afetados.
Ainda assim, sem dúvida uma estrutura que impede o juiz de acusar, mas lhe reserva o poder de controlar a legalidade, que incentiva o MP a buscar e qualificar a prova, como o faz com a defesa, proporciona melhores meios de fazer justiça, restringindo o espaço do arbítrio.
A Justiça seguirá sendo a justiça humana, imperfeita, mas o território para exibição de juízes arbitrários fica mais estreito, valorizando a imensa maioria dos magistrados que decidem a causa, e não a causam.
Como estrutura é algo que se relaciona à função, e a nova lei afetou a estrutura para assegurar imparcialidade do juiz, objetividade e eficiência da acusação e efetividade da defesa, concretizando a Constituição, ela deve ser aplicada a todos os casos de primeiro grau, qualquer que seja a instância ou a forma do tribunal.
Este é o contexto e o significado das alterações legais que, da cadeia de custódia das provas ao juiz das garantias, passando pelo controle periódico das prisões preventivas, requisita de nossos atores jurídicos, Supremo Tribunal Federal à frente, a suspensão de juízos de índole mais política, atrelados à tradição autoritária que prevalecia até ontem e que hoje democraticamente se pretende superar.
Juízes, humanos que são, devem atuar em uma estrutura que reduza os riscos de prejulgamentos e derivas cognitivas. Esta é a longa experiência de outras justiças criminais.
Por último registro que este debate remonta ao projeto Frederico Marques (há mais de 40 anos), sendo intenso nos últimos 20 anos no Brasil.
Não há surpresa no campo específico dos estudos de Direito Processual Penal e mesmo no âmbito dos debates legislativos.
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